segunda-feira, 22 de setembro de 2014

solteira, mora com dois gatos

Desde que comecei a morar sozinha minha pia mantém louça suja. A louça é suja, a máquina de lavar está sempre cheia de roupas, a poltrona do quarto serve pra eu atirar tudo o que usei na semana ou o que tirei pra ver se usava. O fato de eu viver sozinha e não trabalhar tantas horas de carteira assinada pressupõe pra muita gente que minha casa deveria ser um brinco.

É que eu prefiro fazer outras coisas a arrumar a casa, o tempo inteiro. Todo mundo que sustenta sua casa sabe que louça e roupa são um carma, nunca se acaba e não se sabe quando começou. Mas nem um homem mora contigo, como é que o banheiro parece de rodoviária? Eu moro com dois gatos.


Além de preferir ver séries antes de lavar louça; preferir beber com os amigos a esfregar o pátio do apartamento; preferir fazer um café bem forte e perfumado ouvindo meus discos e lendo alguma coisa, eu também prefiro deixar meus gatos correrem loucos pela casa, derrubarem meus batons da bancadinha do banheiro, tomarem a água do chuveiro e encher de marcas de patinha molhada pela sala ou rasgar papel higiênico. Eu sou permissiva.

Mas essa contação toda é um pano de fundo pra um estereótipo que se abateu sobre mim assim que pagar a minha vida ficou mais tranquilo. É um tema conhecido esse da mulher sozinha, pobre coitada, que de tão sozinha começou a pegar gatos pela rua pra sanar superficialmente sua solidão sem fim, afinal, nem um homem bom, trabalhador e gentil a quis para casar – casar com ela, desprovida de inteligência e ação.

O caso é que já fui casada. E a casa limpa que eu tinha e nenhum gato pra sujar o mármore da pia não fez da minha vida uma felicidade sem fim. Ao contrário. Eu precisava era da escolha. A escolha de ser quem eu sempre fui. Uma sujona? Capaz! Eu sempre fui uma criatura faceira de dar gosto e a minha casa e meus gatos materializam esse caos interior, dramático e bonito, que quase todo mundo tem.

Mulher vive sob o jugo de estereótipos, de mil tipos: a gorda, a mal comida, a seca de ruim, a invejosa, a fofoqueira, a mentirosa, a traída, a doninha de casa, a solteirona dos gatos. O que muita gente que reafirma isso não quer pensar de vez em quando é que mulher pode se amar sendo gorda; que mulher sabe se comer e quase sempre não tem a ver com um corpo necessariamente masculino pra atividade; que mulher pode ser amiga das amigas e dar o coração por isso, mais até do que por um relacionamento hetero e previsto; que mulher pode amar fazer comidinhas em casa pro marido e que isso não tem a ver com submissão; e que uma mulher pode querer muito ter seus gatos, o que não significa ser mal amada – não é parte da genética de um gato viver com mulheres solteiras. No fim das contas, mulher fica bem feliz em poder produzir sua própria sujeira.

by Raquel Leão

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