sexta-feira, 3 de outubro de 2014

as mulheres-machos


Em alguns círculos de convivência, principalmente no trabalho, sou conhecida por ser uma “mulher diferente das outras”. Nunca sei exatamente o que pensar quando alguém me diz isso. É bom ser diferente das outras? Quem são as outras?

Sou professora, trabalho em uma escola grande, com a maior sala dos professores que eu já vi e lotada de gente que eu nunca vou conhecer direito. Essa sala tem vários ambientes: as mesas do lado da janela, os sofás, e as mesas e cadeiras que ficam um pouco escondidas pelos armários formando um cantinho secreto. Cada espaço é ocupado por um grupo. Cada professor novo que entra encontra seu grupo e ali permanece. Eu sou do grupo dos homens.



É claro que existe o grupo dos homens e o grupo das mulheres. Nesse caso, como tem tanta gente, são vários grupos de mulheres e um grande grupo de homens. Logo que entrei na escola passei por aquela fase awkward que a gente não sabe muito onde sentar ou com quem falar. Fui me aproximando de uma pessoa, depois de outra, aos poucos conhecendo aquelas com quem eu tinha ou não afinidade. E não é que cai no bendito grupo masculino mesmo? Eu e mais uma mulher-macho somos as integrantes outsiders, que foram aceitas por não serem como as outras. Ó, mundo machista, o que me aprontaste agora?



Essa ideia de mulher-macho não fui que inventei, foram meus próprios colegas mesmo. E o meu apelido ainda tem um acessório: mulher-macho-bicha. Claro, eu uso vestido e batom, não sou tão macho assim. A outra colega que usa calça é que é macho de verdade, quer dizer, mulher-macho de verdade.


Como fui parar no grupo dos homens? Falo palavrão, odeio falar sobre dieta, falo alto, não converso por mais de 5 minutos sobre receitas, pano de prato ou preço do tomate, e não consigo manter um certo tipo de sorriso que algumas mulheres parecem ter que estampar no rosto para conversar.
Algumas mulheres se encaixam nesse estereótipo horrível e parecem não ver saída desse mundo chamado de “mulherzinha”. Essas características que definem as mulheres fazem parte do machismo velado, que oprime silenciosamente, que cria estereótipos femininos. Escutamos tanto que somos assim, que acabamos sendo assim mesmo.

Eu tento não ser assim. Isso não me faz uma mulher melhor, mas isso me desloca dos grupos. Esse deslocamento confunde, abala, traz um desconforto que deve logo ser acalmado com uma nova caracterização estereotipada.

Tem duas mulheres no grupo dos homens, elas agem diferente, elas falam sobre sexo e mandam tomar no cu, elas bebem, elas saem sem os maridos, elas falam sobre futebol. E agora? Como um homem machista e acostumado a falar com mulheres em uma relação hierárquica vai lidar com isso? Claro, basta dizer que essas mulheres diferentes aí são homens. Ufa! Tudo resolvido. O mundo voltou a ser dividido em dois: os machos que falam palavrão e cospem no chão, e as mulherzinhas superficiais e ingênuas. 


As atitudes machistas aparecem caracterizando ou descaracterizando uma mulher. Chamar uma mulher de “mulherzinha” e achar que ela cumpre seu papel falando sobre esmalte com as amigas (não exatamente amigas, né, porque mulher é invejosa) é a forma mais comum e nojenta de machismo cotidiano, aquele que vem camuflado de brincadeirinha.

Dizer que uma mulher não é mulher porque ela não segue as tuas expectativas sobre o mundo feminino não é um elogio. É machismo. E ainda quando tu faz isso todas as tuas fraquezas e inseguranças como homem aparecem. É machismo para todos os lados, respingando na cara de todo mundo. 

O mundo não é dividido em dois. Não é rosa ou azul. Não é frágil ou forte. Não é oprimido ou opressor. Não é come ou dá. Quando se restringe o mundo feminino, restringimos também o masculino.

E vão continuar aparecendo mulheres (e homens heteros ou gays, travestis, lésbicas) na tua vida que vão contrariar teu mundo bipolarizado.


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