terça-feira, 14 de outubro de 2014

até quando, Fabrício Carpinejar?


Toda vez que uma mulher perto de mim diz que adora os textos do Fabrício Carpinejar, eu morro um pouco. O desprazer de hoje não foi diferente. Uma cena bastante comum é ver, entre professoras, escorregarem preferências literárias fortemente questionáveis. O que me lembra uma velha comparsa desse Nejar aí de cima, adorada por mulheres que talvez ainda não tenham colocado fogo no pau da barraca - a Martinha Medeiros, rainha de clássicos ensebados do machismo branco do meu Brasil, que muita mulher ama e se identifica.

Pois vamos ao chorume do dia.

Exercitando o amor ao próximo e a vontade de afeto, lemos a crônica de hoje "Como você fala", elogiada pelas colegas que se viram identificadas nesses perfis femininos e conjugais absurdos, parcamente formulados pelo Brício. 



Mulher é!

Essa é a fórmula do amiguinho, que achávamos que até mesmo em seu código de escrita de reafirmação de rótulos, tinha caído em desuso. E daí tu já sabe o que esperar. Uma cadeia de estereótipos femininos, uma relação de novela das oito, em que um homem, pela sua genética homem, é uma criatura desprovida de entendimento do incrível e maravilhoso universo feminino, complexo e histérico; é a mulher briguenta e mimada que compõe a heroína adorada do Carpis. Ai, meu útero!



Sente só o trechinho inicial de "Como você fala":

Quantas vezes você, para superar a insensibilidade e o laconismo do macho, finalmente expressou o que ela ansiava ouvir e ela não ficou satisfeita? Esperava a libertação, o elogio, a recompensa e aguentará uma nova e inesperada crítica da esposa: 
– Não foi o que você disse, mas como disse. 

Você, homem insensível e lacônico, aprenda com Carpinejar a agradar uma mulher chata. É isso, minha gente, o que esse louco tem dito por aí há muito tempo. 



Fabrício Carpinejar já publicou 21 livros. É possível encontrar uma infinidade de crônicas suas na internet, quase todas irônicas, um pouco engraçadas e de fácil compreensão, que agradam grande parte dos leitores de fim de semana.
 
Carpinejar adora escrever sobre a mulher. A mulher, singular mesmo, porque pra ele só existe uma mulher. Essa mulher é complexa, intrigante, perseguidora, brava, implicante e fascinante como um experimento científico. O cronista tem um jeito bem seu de escrever que parece elogiar na medida em que cria estereótipos, tipifica, coisifica, diminui a mulher.

Mulher sempre sabe de tudo
Ela lhe cuida mesmo quando é indiferente, ela lhe observa mesmo quando vira as costas, ela lhe ama mesmo quando parece não amar.
Toda esposa é a justiça encarnada.
Ela vem com um aplicativo da Polícia Federal a mais no seu DNA.
É pior do que escoteiro: sempre alerta. É evidente que sua concentração absoluta tem efeitos colaterais: o estresse, a irritabilidade, as longas enxaquecas. Mas são consequências naturais para quem fica ligada dia e noite nas movimentações do amor.

A mulher sabe de tudo. De tudo sobre a vida do marido, porque é só isso que importa pra ela. A mulher cuida cada passo do homem, vigia seus movimentos como uma leoa caçando. Ela precisa cuidar do seu homem, precisa ser feroz, afinal vive numa selva onde várias outras leoas querem a sua presa.

A mulher certa
Você somente se apaixona pela mulher que sabe provocá-lo.
Você somente se apaixona pela mulher que faz tudo diferente de sua mãe.
Você somente se apaixona pela mulher que jamais entende, que é um mistério, que é motivo de metade da conversa com seu terapeuta. 
A mulher de sua vida é a melhor de suas inimigas. Como não consegue vencê-la, traz para seu lado. 

A mulher certa é inimiga da tua mãe, te provoca, é um eterno mistério, te causa anos de terapia, é tua inimiga também. Como o homem não consegue vencê-la a enche de estereótipos, marcas, algemas. Trazer ela para o teu lado é melhor forma de controlá-la.


Escrevendo assim sobre a mulher, Carpinejar conquistou muitos leitores e, em especial, leitoras. Mulheres que parecem adorar a caixinha de características elitistas e machistas na qual ele as coloca.

O que tira uma mulher do sério?
Deixar as tampas abertas dos potes;
Dizer que ela está ficando parecida com a mãe;
Pedir para ela cozinhar com a justificativa calhorda de que “ninguém faz aquela comida como você”;
Pegar a lixa preferida de unha dela como material de construção;

LuaLuê! disse...
Ai, nem fale! É realmente de enlouquecer uma mulher...rsrsrsrs, fico imaginando se você, "sabedor" de todas esses ítens, faz porque não percebe, não faz, ou faz para sacanear. O meu maridão leu e disse que "se faz" é porque não percebe, rsrsrsrs...
 
janalk disse...
Fabrício, vc é incrível! Se torna melhor a cada dia. Sucesso! E por favor, continue!! Você me ajuda a refletir com seus textos. 

Abraço,
Lajana

Fazer uma lista de coisas que irritam a mulher usando todos os estereótipos mais nojentos. Ver a relação homem e mulher como uma hierarquia. Criar imagens da mulher como louca e irracional. Mostrar que o mundo da mulher gira em torno do marido e da casa. E depois receber o comentário de uma mulher dizendo que o texto é incrível e que ela se identificou. Confere, produção?



O machismo do seu Carpinejar é visível em todos os textos dele. Ele a-do-ra falar de mulher, é um especialista. Claro, ser homem branco, se dizer intelectual, escritor, casado é o suficiente para ser especialista em mulheres, não é?

Não é não, meu querido!


Mas quem diz para as mulheres como elas devem se comportar, quem analisa suas mais complexas (pff) facetas, quem diz quando pode e quando não pode elogiar, não é o homem branco, macho alfa, intelectual? (vide Beyonce acima)

Esse machismo camuflado de elogio é perigoso e está impregnado por tudo. As mulheres leem e se sentem amadas, importantes, no centro dos assuntos masculinos. Os homens leem e se sentem superiores, aqueles que definem, aqueles que detêm o poder de julgar, de elogiar, de machucar. 

Momento autoajuda

Mulheres, ninguém que diz que “mulher é assim” está certo. Tu não te identifica com isso, tu não precisa ser isso. Tu não é um ser complexo, capaz de cumprir multitarefas, implicante, sensível, briguenta. Tu pode ser isso se tu quiser. Não sai por aí dizendo que amou não sei qual crônica do Carpinejar ou da Martinha, que assim tu mata a luta feminista, tu mata as tuas próprias características, tu acaba com qualquer construção singular que tu possa ter, ampliar. 

Hanna Arendt

Hoje Hanna Arendt faria 108 anos. Certamente o Fabrício só tem espaço pra escrever tanta bobagem hoje, dia 14/10, porque Hannah ampliou muito esse mundo. 

By Raquel Leão e Ananda Vargas

6 comentários:

  1. Carpinejar...sabe tudo sobre mulheres ''SQN''...rsss...

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  2. Concordo plenamente. O Carpinejar é a nova Martha. Até que enfim uma mulher se manifestou e disse o que penso. Parabéns pela tua lucidez!

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    1. e é bom ver mulheres compartilhando essas ideias com a gente, Delilah!

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  3. Caramba! Obrigada por esse texto. Tenho um sebo, e pela primeira vez ne chegou um livro do Carpinejar, eu só conhecia de nome e já pressentia a irmandade com Martha Medeiros. Li três crônicas e fuquei chocada. Corri no google e escrevi "Carpinejar é machista" e caí nesse texto. Ufa! É um machistinha de marca maior.

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