quinta-feira, 20 de novembro de 2014

a calça ideal

Saí pra comprar uma calça mais esportiva pra começar a praticar Yoga. E APENAS isso define o início do drama de uma mulher em novembro. Porque novembro é a metade do projeto verão que inunda mentes, corpos, anúncios do youtube, spam da Dieta Dukan e até folhetinhos no centro de Porto Alegre com promoção em academia. A gente já falou sobre projeto verão por aqui. 

Obviamente praticar Yoga não faz parte de um projeto verão pra mim. Conto.

Duas mulheres conversavam sobre fazer exercícios físicos. Uma delas diz que pensa em entrar numa academia. A outra lhe pergunta o porquê. A primeira não sabe o motivo. Por que é assim que é? Por que lá é o lugar de fazer exercícios? Por que todas as mulheres vão? Por que é o que se pode? Por que tem por 49,90? A segunda mulher diz que sempre gostou muito de suas pernas. Nunca se importou com os braços ou com abdome. Também não achou que seu trapézio precisasse ser definido. Jamais cogitou levantar pesos pelo glúteo. Ela sempre gostou de ter força nas pernas. Agilidade.  Por isso ela corre – no parque, em frente a sua casa. Sempre que pode ela corre. Três vezes por semana corre.


O diálogo dessas duas mulheres me ensinou que exercício físico é como qualquer aspecto, desejo, faceta, atividade da minha vida: tem que ter a ver com as outras escolhas que faço, com quem sou, do que gosto em mim e do estilo de vida que tenho. Yoga veio como mais uma das mil coisas que tem a ver comigo. Tem a coisa boa da roupa folgada, da flexibilidade, do pé descalço. E tem a ver com o que não gosto também: não uso tênis, nem roupa colada; não curto televisão ligada, no mudo, com música pop alta, enquanto sinto cheiro de suor e ferro e lido com o sentimento (forjado) de inferioridade por levantar apenas 2kg no braço.

E o plano aqui não é usar 34 ou pagar 300 reais em uma calça

Yoga calhou de ser em novembro, e trouxe o drama de comprar uma roupa esportiva que combinasse mais com o tipo de jeito que gosto de me sentir fazendo alguma atividade física. Peregrinei por várias lojas em busca de um abrigo, uma calça de moletom, daquelas cinzas que ficam com o joelho marcado com o tempo. Adivinha? Não existe essa calça.  Renner, Centauro, Riachuelo, Marisa, as lojas “do povo” não têm absolutamente nada pra mulher que não quer usar legging, bermuda curtinha ou mais justa. Tem legging de montaria, étnica, bermudinha de tactel curta, mas calça folgada não tem.

No site da Centauro tem até as dicas de certo e errado, para mulheres baixas usarem a legging que eles vendem. Já para mulheres altas não há dicas. Segundo a página, as altas podem usar o que quiserem. Ai, Deus do chorume! 

Fazer exercícios tem a ver com apenas uma forma de vestir pra maior parte das repartições esportivas dessas lojas, que comandam as roupas que mulheres como eu usam. Obviamente não estou afirmando que academias, roupas coladas e certos tipos de exercícios são ruins. Mas eles não são bons pra mim. E, certamente, o ambiente tóxico da maioria das academias é ruim pra milhares de mulheres como eu. Talvez, milhares de mulheres como eu (ou como as mulheres da conversa lá em cima) prefiram correr num parque; pedalar na rua; jogar rugby. Ou preferem não fazer exercícios e simplesmente adquirir o conforto de uma calça de abrigo.


Uma mulher precisa se sentir livre pra escolher o que gosta. Pra aprender o que gosta. E isso leva muito tempo. Então, até quando o conceito hegemônico de beleza/ vida saudável vai definir, inclusive, a roupa que devo usar pra me exercitar?

Pensar nessa relação estética com o corpo é, de certa forma, pensar nos modos como desejo torná-lo, para mim, um espaço político. É uma construção árdua e bonita. É uma construção política e de amor a um “si” mulher. Então, como a gente não vai se entregar para o que é mais fácil, a gente segue procurando a calça de moletom ideal. 

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