domingo, 2 de novembro de 2014

a fantástica fábrica de fazer machismos

No Dia das Bruxas, o IBGE publicou uma das pesquisas de Estatísticas de Gênero 2014, relativa ao estudo demográfico do Censo de 2010. Conforme a pesquisa, em 2010, 12,5% das mulheres com 25 anos ou mais tinha completado o ensino superior, enquanto apenas 9,9% dos homens na mesma faixa etária concluiu sua graduação. Para ter uma ideia, na área de Educação, 83% dos formados são mulheres. O mais chocante revelado pela pesquisa é que, apesar de estudarem mais, as mulheres ganham menos em nosso país. Mas então, o que permite que isso nos aconteça?


Conforme a coordenadora da População e Indicadores Sociais do IBGE, Bárbara Cobo, as inúmeras tarefas que as mulheres precisam desempenhar atualmente prejudicam a igualdade no emprego e na renda:

Por motivos que vão além das políticas educacionais e de mercado de trabalho, você não vê essa maior escolarização das mulheres refletida em inserção no mercado de trabalho. Um dos principais motivos é a questão da maternidade. A mulher ainda enfrenta a questão da dupla jornada e, muitas vezes, os cuidados com pessoas da família e serviços domésticos ainda estão substancialmente a cargo delas. 

Obviamente a pesquisa do IBGE vai pensar nesses fatores aí de cima pra analisar os dados – fatores aliás bastante problemáticos, pois ainda (incrível e tristemente), o papel social da mulher é vinculado ao lar e aos filhos. Mas aqui queremos falar de um outro aspecto que não aparece nos dados estatísticos: uma certa tendência a preferir profissionais homens a mulheres, por motivos extraprofissionais (ou até sobrenaturais, eu diria).

Um amigo participou de uma entrevista de emprego em um cursinho pré-vestibular. Ao descobrir que todos os professores do curso eram homens, perguntou à moça (dona do curso e diretora) o motivo de não ter nenhuma mulher. Sabem o que essa moça respondeu? Tu sabe como é o ambiente de cursinho, né? Homem faz mais sucesso. Mulher não faz tanta piada. Não tem muita graça, leva muito a sério. Mulher não encanta tanto as aluninhas.


Quer dizer então que uma mulher afirmou isto: homem é melhor pra ser professor de cursinho? É isso? Por essa lógica, poderíamos dizer então que pra ser engenheiro elétrico, civil, mecânico, trabalhar numa obra, ser motorista, precisa ser homem, afinal, pelo que sabemos, circula por aí que :

homem é melhor com as exatas
homem sabe falar melhor com homem
homem gosta mais de carro e construção, porque quando era criança brincava de carrinho e tinha uma maleta de ferramentas
homem tem mais força física, consegue carregar mais peso


E se uma mulher trabalha na construção civil, por exemplo, ela teria que agir como homem? Afinal, trabalhar como uma menininha não pode, né? 

Ela é mulher mas é durona! 
Ela é policial mas pinta as unhas!

Esse vídeo lindo pode ajudar a pensar um monte de questões que aqui se interpõe #likeagirl:


Nesse caso todo, um caso que envolve carreira e profissionalismo, pelo menos dois pontos precisam ser pensados:

1. Quando a mulher legitima e superestima o trabalho masculino

Partiu de uma mulher afirmar a preferência por homens trabalhando em seu cursinho, visto que eles apresentam características intrínsecas de "piadistas" e "sedutores", o que os torna mais capacitados para a função. Essa e outras falas muitas vezes são explicitadas por mulheres - mulheres machistas - tão imersas em um discurso opressivo que as torna incapazes de questionar a série de preconceitos implicados na crença. 

Inúmeras vezes vi, no trabalho, após a discussão de um tema, a tomada de decisão ser feita somente depois da palavra final masculina, legitimadora da palavra feminina que esteve em debate. Eu mesma já passei  por situação parecida... um ano inteirinho debatendo com a chefe sobre uma outra forma de fazer projetos e ela jamais se importou em escutar. Aí, contrataram um colega novo, homem, com uma formação parecida com a minha. A primeira coisa que ele propôs em reunião foi exatamente o que sempre disse para fazermos e, como que por encanto, a chefe passou a concordar e achar uma ideia suuuuuuperrr N-O-V-A!

2.  Seduzir e contar piadas é parte de um certo tipo de educação

Sobre esse assunto, de tamanha seriedade, temos apenas um conselho: Pra escolher uma instituição de ensino bacana, observa como essa instituição trata as mulheres e os homens; observa a política do lugar; observa que capacidades dos professores estão sendo valorizadas ou não. Isso pode ajudar a identificar lugares em que o machismo e a heteronormatividade imperam. O professor legal e valorizado do lugar é aquele que passa a maior parte do tempo fazendo piadas sobre mulheres, LGBT, falando de futebol e de como ele precisa ter um carro caríssimo? Desconfia.


Mas como é que se garante direitos e oportunidades iguais de trabalho à mulher? 

Talvez, um primeiro passo seja começar a desnudar um pouco as pequenas interações do cotidiano, no trabalho, em casa, sobre esse papo chato de que homem é melhor que mulher em alguma coisa. Isso não existe. 

E depois de desnaturalizar esse discurso, um ótimo passo pode ser o de começar a vingar las viejas brujas e fazer arder na fogueira mais alta e vermelha todo o lixo, posto em palavra e ação, que fez das mulheres escravas daquilo que lhes mandaram ser, pensar, dizer e fazer. 


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