sábado, 8 de novembro de 2014

pra cavalo velho, capim novo

"Faltava uma mulher bonita do meu lado mais novinha do que eu pra eu ficar completo. Para cavalo velho, capim novo." Sábio Zezé Di Camargo (ainda não acredito que consegui terminar de reproduzir a frase)


Essa pérola veio de uma pessoa da qual a gente certamente não espera muita coisa. Nem por isso deixaremos de escrever, afinal, assim como o Zezé Di Camargo, outros escrotos por aí tem maior visibilidade pra falar absurdos e cometer crimes contra as mulheres (crimes acobertados pelos maiores números de visualizações e likes). Por isso mesmo, a cada absurdo dito, um texto precisa ser escrito por uma mulher. 

Escroto nº 1 de maior visibilidade:
Confesso que tenho pouca paciência pras feministas. Vejo-as como coletivistas que no fundo odeiam mais os homens do que qualquer coisa. Fruto muitas vezes da inveja das 'mocreias', o movimento feminista pretende lutar contra a liberdade individual, incluindo a das mulheres e não pelas mulheres. Rodrigo Constantino, a gente te confessa que tu é bastante ignorante, não sabe nada do que diz. Como o Zezé, tu também é um escroto. Um copo de chorume em teu nome! (Ainda vem um texto só pra isso)

 

De volta ao cavalo velho, motivo desse texto: a frase do Zezé consegue acabar com quase todas as mulheres do planeta, inclusive com a mulher bonita e mais novinha que ele trata como o capim. O capim que o alimenta.  Pra ele, quando o homem fica velho, sendo um cavalo, precisa dar aquele plus na comida (a mulher, o capim que ele come), afinal, a mulher-capim-velho já não serve mais para satisfazer sua fome.

A frase do Zezé contém toda a essência do machismo. In-crí-vel! A mulher serve para um homem. E serve assim como um vegetal - ela não tem uma existência humana. A mulher que serve apenas serve, no nível mais objeto-coisa que podemos supor. Além disso, após um casamento de 30 anos com a antiga esposa, o capim-velho, o Filho de Francisco parece não ter aprendido nada. Fico aqui pensando, o que faz com que um homem, 30 anos com a mesma mulher, consiga pronunciar tamanha violência?

Socialmente, as mulheres ainda são fabricadas pela sua desumanização. Em 2014 existem homens que tratam mulheres como objetos. Em 2014 existem mulheres que se tratam e deixam tratar como objetos.

Procurando sobre o caso no google, a desumanização está por toda parte. A Caras publica fotos comparando as duas mulheres. Incita competição. Propõe, discursivamente, que se fale sobre aparência. Nos comentários, mulheres escrevem sobre qual delas é mais bonita. Aparecem as palavras "falsa", "piranha", "interesseira" e elogios às duas.



É importante pensarmos no que uma frase tão absurda pode produzir. Mas mais importante ainda é pensar sobre as frases que não nos parecem tão absurdas assim, aquelas que a gente quase não percebe. Por exemplo, essas aí de cima "as duas são lindas". Essa frase só reafirma machismos, de variadas maneiras. Como se falar da aparência (bonita, linda, diva, maravilhosa) não fosse, por si, uma forma de a) se autorizar a falar sobre a aparência de outras mulheres e b) dizer que existem as feias ou "mocreias", como afirma o Rodrigo Constantino, lá em cima. Assim como quando ouvi de um professor de história esse ano (sim, o mundo está completamente perdido, não se engane) a expressão "ela não é carro batido", ou seja, ela é uma mulher nova, com poucos quilômetros rodados, nenhum arranhão; não está suja, quebrada. É virgem. É limpa. É boa. Isso passa por elogio, muitos vezes. Mas se pensarmos só um pouquinho, vemos o poço sem fundo de machismos implicados.

Assim como quando liguei o rádio da Ipanema (94.9) ao meio dia de ontem e escutei o pior programa de rádio de todos os tempos, em que os "comunicadores" falavam sobre homens que têm um "baita currículo", porque "pegaram" só mulherão. Diziam eles que Aécio Neves era um desses "pintas". Aliás, não é tão difícil ver esse tipo de pauta naturalizada por aí. Tem até uma página com a lista das 10 mulheres do Aécio:

Link: http://www.poulwoosh.com/2014/03/as-10-mulheres-invejaveis-do-candidato.html 

A frase do Zezé só não é mais impressionante porque há muitos Zezés entre nós. "Panela velha é que faz comida boa" e a reafirmação da potência masculina precisa ser feita com capim novo, afinal, será apenas a mulher mais jovem que poderá afirmar um Zezé socialmente. Esse kit que compõe o sub-homem às vezes vem junto com:

O ~carrão~


A certeza do ~pênis~

Talvez um ~terno~

E claro, uma menina bem novinha, que é pra garantir um "bom currículo". O importante disso tudo que aqui queremos pôr à vista é o quanto o machismo é nocivo para todos. Para homens e mulheres. Para as mulheres de 35, 60, 18 ou 45. Ele prejudica a Zilu e a Graciele. Ele faz mal às leitoras da Caras que escrevem que ambas são bonitas.  Ele altera a capacidade de pensar das mulheres. Ele elimina direitos. Ele legitima deveres. Ele dá vasão aos textos do Rodrigo Constantino, homofóbicos, ignorantes, criminosos. O machismo é ruim pra todo mundo. Mesmo que a gente dê risada do Barney Stinson (How I Met Your Mother), não é um mundo feito de Barney's e de desumanização feminina o que queremos.

Angélica Freitas e sua agudeza poética é do que precisamos pra encerrar esse post:


uma mulher insanamente bonita
um dia vai ganhar um automóvel
com certeza vai
ganhar um automóvel

e muitas flores
quantas forem necessárias
mais que as feias, as doentes
e as secretárias juntas

já uma mulher estranhamente bonita
pode ganhar flores
e também pode ganhar um automóvel

mas um dia vai
com certeza vai
precisar vendê-lo

Angélica Freitas
In: O útero é do tamanho de um punho

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