quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Garota Verão e a anti-diversidade

Aahh, o concurso Garota Verão! Belas meninas, douradas, magras, cheias de graça desfilam pelas praias do Rio Grande do Sul! A musiquinha tan tan tan tan tan ran já está na memória de todos os gaúchos. A beleza gaúcha (que é tão diferente do resto do país, né? Porque aqui a gente é loira, a gente é quase alemã) é valorizada. Meninas que ainda nem desenvolveram completamente seus corpos, os exibem com orgulho, para serem julgadas por uma comissão super inteligente e pensante.

E melhor ainda, gente! Esse ano a campanha fala sobre a diversidade de beleza! Sério, me emocionei (só que nuncaaaaa):


Uma das frases da propaganda diz exatamente isso: “A beleza tem várias idades, estilos, cores e gêneros e, no verão, uma de suas milhares de formas ganha destaque”. 

Então, vamos tentar entender juntas: existem muitas formas de beleza, todas lindas e maravilhosas, mas, no verão, a que a gente escolhe para valorizar em um concurso de beleza é aquela padrão que já é valorizada em todos os momentos da vida, mas super apoiamos as gordinhas, velhas e negras. É isso? Confere, produção? 

A cara de pau de um concurso desses querer se passar por algo que valoriza a beleza é impressionante!!

Como mulher gaúcha de classe média, eu cresci assistindo ao Garota Verão e me comparando todos os anos com aquelas meninas. Justo na adolescência, fase cretina da vida, que a gente se acha um lixo sempre, não tem maturidade para encarar a vida, a gente ainda tem que ligar a TV e por dois meses só ver gurias muito magras, lisas, loiras (e não me venham com “ah, mas tem gurias de cabelo crespo e morenas!!”) e todas elas super novinhas, o que me fazia pensar que eu, com quinze anos, também deveria ser como elas. Pior ainda é para alguém que tinha alguma amiga, parente, conhecida que disputava no concurso. Parece que todas as gurias do estado são lindas e podem ganhar o Garota Verão, menos tu.

Concursos de beleza são tão integrados na nossa sociedade que muitos não param pra pensar sobre o quanto eles são terríveis, tipo, do mal mesmo. As gurias tão lá desfilando de biquíni, e o pior, são biquínis escolhidos pela produção do concurso, ou seja, as poucas perdidas que talvez não sejam assim tão padrão, serão desmascaradas quando não conseguirem ficar tão “lindas” quanto as outras no mesmo biquíni. E aí, nessa posição vulnerável, mostrando muito o corpo, naquele vento desgraçado que assola nosso litoral, elas são julgadas por pessoas quaisquer sobre a sua beleza. É exatamente isso. Tu, guria novinha e cheia de inseguranças, provavelmente bastante imatura para lidar com uma frustração muito grande, vai lá, te enche de vontade, e um idiota qualquer diz que a guria do teu lado é mais bonita que tu, por isso tu é eliminada. Eliminada depois de ter usado um biquíni horrível e embaraçado o cabelo no vento.

Além do sofrimento das próprias gurias do concurso, tem as que são mais coitadas (Eu!) que nem poderiam participar, por se distanciarem do padrão buscado ali. Quer dizer, nem é o padrão buscado ALI, mas buscado no mundo. Um concurso desses é uma manutenção de um padrão de beleza tóxico. Os gordofóbicos gostam tanto de falar sobre a saúde dos gordinhos, e os problemas de saúde que são provocados pelas constantes dietas feitas por meninas para conseguirem mostrar tantos ossos quanto as gurias dos concursos? Um padrão de magreza é muito mais prejudicial à saúde do que a existência de um gordinho cuidando da sua própria vida. 

Além do padrão de corpo magro, podemos falar do cabelo, dos olhos, formato do rosto, tudo mostrando que a diversidade não é valorizada de forma nenhuma.

Ok, alguém pode chegar aqui e me dizer que este ano, uma menina negra foi uma das vencedoras do Garota Verão.



Ainda assim é permitido apenas um cabelinho crespo. Em todo o resto ela se encaixa. Além disso, ela ficou em 3º lugar, jamais ficaria em 1º. E alguém reparou que as outras duas são exatamente iguais?

O que me motivou a escrever sobre esse assunto não foi o concurso em si. Existem muitos concursos de beleza e são todos ridículos, nojentos e deveriam parar de existir nesse exato momento. Mas o que me provocou foi a propaganda. As pessoas “diferentes” podem até se emocionar ao ver por alguns segundos a sua beleza na mídia, até levarem um tapa na cara mais uma vez. Para mim essa campanha foi golpe baixo, sujeira mesmo.

Não sou contra dizer que uma pessoa magra e loira é bonita. Sou contra dizer que SÓ ela é bonita. E, muito além disso, sou contra insistir tanto que alguém é bonito, como se a gente só servisse para sermos enfeites belos para o mundo. A opressão da beleza dói em muita gente. Ninguém tem que ser bonito para agradar aos outros. Em especial, mulher nenhuma é obrigada a se encaixar em um padrão que não é o dela para agradar aos homens. Afinal, não é por acaso que o concurso se chama GarotA Verão.


4 comentários:

  1. Se tem algo que concordo plenamente com o feminismo é essa história de padrões de beleza. É muito mais cruel com as mulheres pois do nada virar bombadona é cool e depois ser magra.

    Não fica só nos concursos de beleza, mas imagino que o simples ato de meter um biquíni e ir pra praia deve ser um martírio pra várias. E sim, nesse caso é bem diferente do homem, pois se tá barrigudo é sinal de experiência, tiozão gente boa...

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  2. Olá, Ananda. Sou dono da Agência Bistrô, responsável pela criação da campanha de Garota Verão deste ano. Cheguei no seu blog acompanhando as reações ao comercial que, como já prevíamos, seriam polêmicas e suscitariam o debate. Gostaria de dizer que respeito imensamente a sua opinião e certamente é muito positivo exercer a reflexão sobre conteúdos da indústria cultural, como concursos de beleza, publicidade, programação televisiva - todos saímos ganhando com o debate. E é em respeito a tua iniciativa que eu me propus a trazer aqui nesse comentário uma problematização com relação a tua fala de que a campanha foi "golpe baixo, sujeira mesmo". Primeiro, tenho que dizer que a Bistrô é uma empresa muito séria (podes acompanhar nosso trabalho pelo nosso site ou fanpage), que recebeu da RBSTV uma encomenda de uma campanha que abordasse o tema Garota Verão sob uma perspectiva nova. É visível que há um movimento na RBSTV de atualização da sua linguagem, e o desafio de fazer isso em um concurso de beleza, uma tradição do estado, é ainda maior. Nossa opção foi lançar um olhar sobre todos os tipos de beleza e dizer que todas são relevantes - a beleza mais "convencional" (no sentido de estar adaptada às convenções de beleza desse tipo de concurso) é UMA DAS FORMAS que se manifesta no Verão. Não é a única, não é exclusiva, não é a mais importante. É a que atende a um concurso de beleza específico que estamos divulgando. Utilizamos para comunicar isso uma linguagem de câmera cinematográfica, uma atualização da trilha sonora clássica do concurso, um visual inspirado inclusive na cena final do filme Benjamin Button, na qual personagens de diferentes tipos são apresentados de uma forma muito emocional (podes assistir aqui: https://www.youtube.com/watch?v=TPylaZGRj8o). É possível ter restrições com relação ao conceito do PRODUTO concurso de beleza em si, mas é inegável que a campanha que produzimos buscou um novo olhar para o tema (ao invés de uma propaganda enfocando exclusivamente o corpo como objeto do desejo masculino, a única alternativa até então apresentada em todas as campanhas anteriores). Nesse sentido, acho que dizer que a campanha é um "golpe baixo" desrespeita os profissionais da minha empresa, todos eles éticos e comprometidos. A sua interpretação do texto do comercial (talvez impregnada por uma natural rejeição ao produto Garota Verão) levou a uma generalização e a imputação de um rótulo ao trabalho da minha agência. Percebo no seu trabalho nesse blog justamente uma luta para derrubar rótulos e preconceitos, portanto acreditei que poderia contribuir deixando essa mensagem aqui. Viva o debate! Acho que o comercial já cumpriu o seu papel de instigar um pensamento sobre beleza e diversidade, e isso muito me orgulha. Abraços!

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    1. Olá, Gabriel. Sou ex-redator publicitário e cheguei no teu comentário acompanhando, justamente, o que o gerou: este blog. Por minha estreita relação com ambos os mundos - o feminista e o publicitário -, me senti à vontade para vir até aqui defender o primeiro do segundo (mesmo que talvez tu não veja a questão em termos de um confronto).

      Quero deixar claro que não tenho nada contra a tua agência, ao menos não de acordo com os critérios que tu estabeleceu: uma empresa "muito séria", com profissionais "éticos e comprometidos". Mas, sob uma certa ótica, a campanha é, sim, golpe baixo e sujeira. E por um motivo bem simples: ela é inseparável do produto que promove. Restrições a este (concurso de beleza) recaem, inevitavelmente, sobre àquele (o comercial).

      Tu pode até dizer que a campanha buscou um "novo olhar". Mas se esse novo olhar quer dizer "não ver o corpo feminino como objeto de desejo masculino", então ele é o MÍNIMO - e atinge o menor objetivo possível. Desculpa, mas acho que as autoras concordam que a tua mensagem é, ainda, bem convencional (ainda mais ao se inspirar na cena final de Benjamin Button, recurso fácil - golpe baixo, talvez? - que emociona ao dividir as pessoas em "tipos", ou seja: categorias fixas). E é suja porque utiliza um conceito delicado (beleza) para promover a si mesma (em sua busca por uma imagem não-"corporativa", "quadrada" e "sisuda", como diz o teu site), e pelo próprio ato de transformar tal conceito em um produto (em sua busca por agradar ao cliente). Talvez o comercial instigue um pensamento, mas é um pensamento sem-saída e nada diverso. Talvez os profissionais sejam comprometidos, mas a qual ética? Talvez o padrão garota-verão não seja o único, nem o mais importante - mas é, sem sombra de dúvidas, EXclusivo.

      Espero ter contribuído com a discussão sem despertar rancores pessoais - mas também espero não ter sido apaziguador. A tua interpretação do texto do post (talvez impregnada por uma natural não-confrontação) levou a boas intenções, sem dúvida (como defender aqueles que trabalham pra ti). Mas intenções que, por melhores que sejam, ainda precisam, às vezes, ser rotuladas e generalizadas como forma de confrontar o que se rotula e se generaliza TODOS OS DIAS. Assim como certas pessoas (escondidas atrás de cargos profissionais) precisam, de vez em quando, ser desrespeitadas, mesmo quando ignorantes do quanto contribuem com uma sujeira que é jogada pra baixo de um tapete vermelho.

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  3. Olá, Gab!
    É um prazer imenso saber que um publicitário e dono da Agência Bistrô leu nosso texto e acompanhou outras publicações de nosso blog. Realmente, o objetivo das publicações sobre as quais trabalhamos é lutar contra estereótipos, preconceitos, machismos e, principalmente, pôr em debate temas relevantes a respeito de igualdade de direitos para as mulheres. Então, falar desses produtos da mídia que, em geral, são reificações de velhos valores (de beleza, de construção de identidades de gênero, de papéis sociais) é sempre uma pauta significativa para o debate feminista.

    Em primeiro lugar, relembramos que a seriedade da Agência Bistrô ou até mesmo da RBSTV não foi posta em discussão no texto. Tampouco o comprometimento e a ética dos funcionários de sua agência. Além disso, é inegável a produção imagética e os recursos cinematográficos que compõem essa peça. Entretanto, apesar da beleza de recursos, nossa crítica recai justamente na tentativa de formulação de outras possibilidades de beleza pela propaganda. Temos nos debruçado sobre o estudo da construção de identidades de gênero contemporânea. Sobre ser homem e ser mulher, socialmente. Sobre o fato de que a construção da identidade mulher, branca, ocidental, de classe média, em larga medida, é feita por meio da legitimação de determinados padrões de beleza – discussão que certamente conheces.

    Entendemos que, talvez, a agência tenha buscado um olhar sobre todos os tipos de beleza. Mas o vídeo produzido não atualiza essa tentativa. É possível notar a exposição de várias formas de “ser mulher” e de ser “bonita” como mulher no vídeo. Mas qual a única que tomará o verão gaúcho? A mesma. De sempre. “UMA DAS FORMAS que se manifesta no Verão” tem sido a ÚNICA forma durante muito tempo na história das mulheres ocidentais. É a única, de todas as mulheres apresentadas no vídeo, que será enfocada e fará parte do concurso Garota Verão. Nesse sentido, consideramos que a campanha não modifica ideologicamente uma visão acerca do concurso, ao contrário, ela opera pela manutenção da mesma ideologia que formula padrões de beleza e apresenta, talvez, uma outra posição-sujeito a respeito da mesma formação discursiva.

    Sobre utilizarmos a expressão “golpe baixo” ou “sujeira” não estamos considerando os profissionais de sua empresa, pois esse é um debate muito mais amplo, ele não diz respeito a ações de uma dimensão individual, mas a produtos que contribuem para a construção de um certo corpo social. O fato é que a campanha parece forjar um discurso pelas minorias ou pelas mulheres nunca antes contempladas na história da beleza. E parece forjar justamente porque, no fim das contas, não é essa que fará parte do concurso – apesar de ela existir e a campanha reconhecer sua existência – novamente – a única mulher a ser contemplada é a que atende a padrões reificados. Nesse sentido, o “golpe baixo” se aplica. É como um jornal que se diz neutro, mas publica apenas matérias de cunho direitista. É como um patrão que diz estar ao lado dos seus funcionários, mas prefere não assinar a carteira e pagar por fora, assim, numa ação feita “pelo fio do bigode”. Isso é uma dobra ideológica. É sobre as dobras que escrevemos.

    Agradecemos novamente a ti, em nome da Agência, pela leitura e participação em nosso blog. A campanha gera muitas possibilidades de discussão e isso é importante. Foi importante em nosso blog e certamente abre espaço para mais discussões e construção de conhecimento. Um grande abraço! Segue nos lendo! 
    Raquel e Ananda

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