segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

10 atitudes machistas dentro de casa


Como muitas de nós já dividimos uma casa com um machista e já vivemos em situações abusivas, sem muitas vezes nos darmos conta, preparamos uma listinha que pode te ajudar a perceber como o machismo pode ser presente e sutil no cotidiano de quem divide um apto ou uma casa com uma pessoa machista.


1. Ele controla o quanto tu come
Isso é bem comum e nem sempre acontece explicitamente. Pequenos comentários como “nossa, tudo isso pra uma pessoa tão pequena” ou simplesmente apertar tua barriga, como quem faz um “carinho” tem a ver com controle do teu corpo. Esse controle passa por “desse jeito vai ficar baranga antes dos 30” até “tu devia fazer mais exercícios físicos, não acha?”. Conheço um cara que uma vez foi olhar na lixeira do apto quantas cascas de ovo a namorada tinha quebrado depois de ter feito o almoço pros dois. Dá pra acreditar? Não permita que ele emita qualquer opinião, gesto ou comentário sobre teu corpo, tua alimentação, tuas atividades físicas.


2. Só tu faz a comida básica
O cara machista geralmente é aquele que tem apenas um ou dois pratos que ele cozinha “como ninguém”. Isso se encaixa bastante no perfil do esquerdomacho desnecessário, aliás. Ele banca uma de supercozinheiro de lasanha ou de alguma gororoba, pra dizer que cozinha e divide as tarefas de casa, mas na maior parte dos outros dias, sobra pra mina fazer a comida que ele vai comer todos os dias (a mina pode ser a mãe, a irmã, a namorada). Conheci um cara que fazia o churrasco e carreteiro do churrasco – e só. O resto, não era com ele, afinal, pra quê empregada, néan? E mais: churrasco é a comida do ominho fazer – ele até lava a própria grelha e espetos - um escroto do bem! Cozinhar é maravilhoso e dividir isso com alguém é fundamental pra se conviver de um jeito bacana numa casa. Não vire a cozinheira de ninguém!

3. Ele não lava o banheiro
Isso é bem comum. O cara usa o banheiro direto, deixa tudo podre, mas quem lava o box e o vaso acaba sendo a mina (a mãe, a namorada, a colega de apto). Afinal, ele é tão desajeitado, nem sabe por onde começar, melhor a gente fazer, que aprendeu desde pequena sobre limpeza, néan? Chega de tornar as tarefas mais nojentas obrigações femininas. Isso é medieval, machista, escroto, triste. Não se coloque nessa posição. Levanta teus joelhos do chão do box e vai divar na rua: quem sujou, que limpe!


4. É tu que estabelece as regras de quem faz o que
Nos dias de limpeza geral, faxinão, é tu que tem que mandar o cara fazer tais ou quais tarefas: porque ele não sabe, não enxerga, não vê o que precisa ser feito pra limpar a casa que vocês dividem. Isso é machismo! Não é um dom da mulher perceber a sujeira e o cara simplesmente não “enxergar”. Não contribua pra que essa atitude se mantenha. Se tu divide uma casa com alguém, essa pessoa precisa conhecer suas próprias obrigações.

Esse LIXO aí em cima ajuda muito a manter atitudes MACHISTAS. As mães têm poderes de fazer o bolo de chocolate pro filhinho e usar o sabão em pó? ESCROTOS!

5. Ele não sabe usar produtos de limpeza
É muito comum caras não saberem pra que serve água sanitária ou desengordurante. Afinal, desde muito crianças a gente vê a publicidade toda associando sabão em pó, máquina de lavar e cheirinho de casa limpa à MULHER! Meninos não são socializados para a organização por mães e pais machistas. Mulher, melhore! Se o cara não sabe usar um produto de limpeza, tu sabe menos ainda. Existem rótulos explicativos e um pouco de experimentação – não ensine a limpeza como algo inato à mulher!

6. Ele "ajuda" em casa
Ajudar em casa é uma das formas mais machistas de se achar um cara legal, bacanão, feminista. Amigo, isso tá errado. Tu não “ajuda” uma mulher, simplesmente porque não é tarefa dela a responsabilidade doméstica. Ajudar alguém a fazer algo significa prestar socorro, dar assistência, auxiliar. A gente presta socorro quando alguém vive uma situação em que protagoniza. A mulher não é a protagonista e a rainha do lar. Medo! Minha nossa! Substitui tua rica ajuda por: vou aí criar vergonha na minha cara!


7. "Deixa que eu faço!"
Muitas mulheres afirmam que os caras não sabem limpar, cozinhar, organizar a casa do jeito "certo". Muitas mães correm e fazem logo, porque é mais rápido do que esperar a criatura lavar a louça ou estender a roupa do jeito "certo". Mulheres de minha vida, mães e namoradas, PAREM! Vários caras se baseiam nessa informação, de que logo alguém se irrita e acaba fazendo por eles. Ou, mesmo com boa intenção de dividir tarefas, muitos caras, por terem sido crias do machismo a vida toda, vão fazer as coisas lentamente ou ridiculamente. Que seja assim, então. Não faça nada do que não cabe a ti. Que ele lave a louça, dobre as cuecas ou estenda a roupa do jeito que for. E que aprenda, com a vida dando na cara, que quanto mais tempo uma roupa fica molhada dentro da máquina, mais ela mofa! Tu não é obrigada!
  
8. "Eu trabalho fora, então não preciso fazer nada em casa"
Conheci um cara que trabalhava fora a semana inteira e a namorada trabalhava em casa, também a semana inteira. Logo, ele se sentia livre pra não fazer absolutamente nada no lugar em que vivia. Afinal, ela que ficava em casa é que devia se responsabilizar por isso:SOZINHA! Amigas, não! 


9. Ele vai dizer que tu é bagunceira
Muitos caras se defendem das responsabilidades chamando as minas de bagunceiras, relaxadas e sujas também. Mulher: não permita que um cara te chame de suja, relaxada ou bagunceira. Não te autodestrói. Tua casa e escolhas são completamente tuas. O cara se eximir de responsabilidades porque considera que tu não tem nenhuma é apenas MACHISMO. 

10. Sou perfeito pra namorada, mas péssimo pra mãe!
Não adianta nada bancar o feminista e trabalhar incrivelmente na casa que se divide com a namorada, mas na casa da mãe não fazer nada. Ganhar comidinha servida da mãe, não lavar a louça depois do almoço, não arrumar a própria cama ou limpar o vaso do banheiro só demonstram uma coisa: teu machismo anda escondidinho e tu não é perfeito pra mulher nenhuma. Amigo, melhore! Minas de todas as idades e vidas: não permitam! É preciso mudar em todas as esferas da tua vida, se tu luta por um mundo mais igual e digno. 


*Todas as ilustrações desta postagem são de Alicia Varela/ Bárbara Alpuente.
**O texto se concentrou em atitudes machistas cometidas, em geral, por caras. Mas é importante ficar atenta aos próprios machismos que reafirmamos, pra nós, mulheres. 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

besteiras traumatizantes que meninas escutam

se tu te cuidar...

Ouvi muitas vezes na infância e adolescência a seguinte frase: "Se tu te cuidar, tu vai ser linda quando crescer". Quando eu era mais novinha não entendia muito bem o que era esse "te cuidar". Claro que logo que cresci um pouco, meu corpo mudou e eu percebi que poderia engordar, eu me dei conta que o "te cuidar" era fazer dieta, era ser magra.

De todas as vezes que ouvi isso, uma delas foi a mais marcante. Eu tinha uns 12 anos e estava na sala de casa com a minha mãe e algumas amigas dela. Essas amigas todas falaram isso pra mim: "Guria, tu vai ser muito linda quando crescer se tu te cuidar". Eu fiquei envergonhada por estarem falando de mim, e, ao mesmo tempo, senti que tinha que agradecer, entender aquilo tudo como elogio. Foi muito constrangedor. Fiquei com vergonha do meu corpo de 12 anos. A promessa de que eu seria linda ~se me cuidasse~ foi um grande peso. Com 12 anos eu comecei a fazer muita dieta. 



E não é só na infância que a gente escuta isso. Se tu tá fora do peso: ah, não te cuidou! Foi estuprada: ah, andou pela rua pedindo, não te cuidou! Engravidou: se tivesse te cuidado não engravidava! Tudo pode ser evitado apenas te cuidando! Se a gente for detalhar, ser mais específica sobre o significado desse "cuidado", vamos chegar a submissão e obediência:

- fazer dietas super restritas
- não beber
- fazer muito exercício físico
- tomar anticoncepcional, usar camisinha, e, claro, fazer pouquíssimo sexo, porque nenhum método contraceptivo é 100% garantido, melhor é ficar sem fazer nada mesmo, aí tu te cuida e te preserva
- não caminhar na rua sozinha
- não caminhar na rua nunca, na verdade

Desde de pequena martelam isso nas nossas pobres cabecinhas. Me livrei de muita coisa, mas essa frase volta na memória muitas vezes pra assombrar minha revolta feminista.



quando tu crescer vai dar trabalho pro teu pai...

Faz pouco tempo que eu realmente me dei conta do quanto ouvi isso, do quanto era nojento encontrar algum amigo do meu pai e escutar essa merda e sentir olhares escrotos direcionados a mim. Sempre odiei os amigos do meu pai e nunca entendi direito porque, afinal, eles nunca ~fizeram nada~. 

Vamos mexer nessa memória horrível então e tentar entender essa situação: tu é uma criança, talvez pré-adolescente, não tem total consciência ainda do teu corpo, do papel social de mulher que vai ser empurrado pra ti, aí tu tá com o teu pai, passeando por aí, e encontra um amigo dele que tu nem conhece direito; esse cara toma a liberdade de te analisar, te abraçar talvez, tocar em ti, e, achando que é um elogio ainda, diz pro teu pai: essa daí vai te dar trabalho! 

O que significa "dar trabalho"? Tu, criança naquele momento, não entende completamente. Anos depois tu vai saber o que isso significava. E vai levar mais alguns anos ainda pra tu te livrar (se tu realmente conseguir) de mais essa coisa horrível que meninas escutam. "Dar trabalho" significa que tu vai ser linda (gostosa provavelmente é mais o que eles tavam pesando mesmo quando te viram) e os guris vão correr atrás de ti e o teu pobre pai vai ter que te proteger das garras desses outros homens. Tu vai ser um lindo troféu nessa disputa de machos. Claro, porque quem decide com quem tu vai ter algum relacionamento é o teu pai. 



Essa expressão é tão problemática que até quando ela não tá presente ela machuca. Quem são as meninas que escutam isso? As mais padronizadamente bonitinhas, claro! É preconceito e sexismo para todos os lados! Lógica patriarcal em peso! Só o feminismo salva mesmo!

senta direito que nem uma mocinha!

Ó, deusa, quantas vezes minhas tias, minha vó, minhas professoras me disseram isso! Em geral essa frase é dita de mulheres para meninas. Que sororidade!

Mais uma frase que implica submissão, controle. Sentar direito é sentar de pernas fechadas, coluna ereta, mãos no colo, sorriso no rosto. Os meninos sentam de qualquer jeito mesmo, eles são assim, sujos, bagunceiros, brutos, selvagens. As meninas precisam ser mocinhas desde que pequenininhas! Elas precisam mostrar sua obediência, calma e delicadeza!



Às vezes caio na ilusão de que isso não acontece mais. Pobre feminista inocente! Tenho pouco contato com criança e família, mas esse pouquinho já é suficiente: uma priminha de dois anos tava bem feliz assistindo desenho animado atirada no colo da mãe dela, puro conforto e felicidade jogada de qualquer jeito em cima da mãe, coisa mais boa que uma criança pode fazer. Uma tia viu essa cena e falou pra menina: senta aqui do meu lado que nem uma mocinha! Enquanto ela dizia isso, também mostrava com gestos como a menina deveria sentar: com as perninhas fechadas e a coluna bem retinha! O bom é que a mãe dessa criança é ótima e ignorou essa tia, deixando a menina se esparramar do jeito que queria! 

Mais uma vez, demorei na vida pra me dar conta do horror que é "sentar que nem uma mocinha"! Demorei pra me libertar e sentar como eu quiser. Usar vestido e sentar de perna aberta mesmo. Saber que minhas pernas grossas não vai ficar cruzadas do jeito "certo" e isso não é um problema. Entender que ser uma mocinha delicada é ser obediente e submissa e não era isso que eu queria. 



Assim como essas, existem muitas outras frases nojentas que a gente escuta desde criança, das mais descaradamente violentas às mais veladas e aparentemente inocentes. Isso não é normal. Sempre foi assim e tem que mudar!

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Jessica Jones: superação de abuso e sororidade

Então que a Marvel fez uma série feminista. Esse é um daqueles pequenos momentos que nos sentimos vencedoras. Uma série baseada em personagens de histórias em quadrinhos, com superpoderes, lutas, vilões, e, incrivelmente, os personagens principais são femininos, quem salva o mundo são mulheres. Lindo né? Para uma pessoa como eu, que já assiste tudo que é coisa de super-herói, que tem um um ladinho (talvez um lado bem grande) meio nerd, isso é realmente uma conquista. 

A Jessica é uma mulher que precisa lidar com o fato de ter sido abusada. Ela tem traumas, por isso ela bebe, ela não consegue se relacionar com mais ninguém, e, ainda, precisa caçar seu abusador. As situações pelas quais ela passa são tão realistas que a gente esquece toda a coisa de superpoderes.

Ela tem medo de andar na rua e ser violentada:


Ela bebe pra esquecer seus problemas:


Ela não consegue esquecer tudo que fez quando estava sendo manipulada por seu abusador:


Kilgrave (quem é nerd como eu vai amar a escolha do David Tennant, o 10º Doutor de Doctor Who), o vilão, é literalmente alguém que consegue controlar as mentes das pessoas. Esse é o poder do cara. O que ele faz com isso? Estupra mulheres e as força a viver com ele, faz com que todos a sua volta o sirvam e depois manda todo mundo se matar. Ele é o super vilão abusivo. Mas, apesar desse superpoder, ele não poderia ser mais realista. Foi difícil escolher as melhores falas do Kilgrave pra colocar aqui, porque tudo que ele fala é típico de homem abusivo.

Ele quer decidir sobre o quanto a Jessica deve beber:


Ele diz que ama a Jessica, que tudo que ele fez foi por amor:



Ele odeia a palavra estupro e nega que foi isso que ele fez com a Jessica (e várias outras), que ainda tem que se prestar a explicar pro cara o que é estupro:


Ele manda Jessica sorrir o tempo todo:


Ele dá opinião sobre as roupas dela:


Ele se faz de coitadinho, como todo homem abusador que adora essa tentativa de virar o jogo:


Ele não se acha perseguidor, nojento, violento, mas romântico:


Além do personagem do Kilgrave ser construído desse jeito cuidadoso, tornando extremamente verossímil, e até um pouco doloroso de assistir, o que mais gostei da série é a quantidade de mulheres. Não são todas umas queridas que se ajudam, tem umas desgraçadas também que só ficam atrapalhando a vida uma da outra. Mas o que é importa aqui é que as ações principais são feitas por mulheres.


Homem aqui só atrapalha e toma decisões erradas. Não tem nenhum super-herói salvador carregando mulheres machucadas no colo. A Jessica passa metade da primeira temporada com a costela quebrada e continua apanhando, correndo, ajudando as amigas, procurando se vingar de Kilgrave. 

Dava pra escrever um texto sobre cada relação da série. Existe um triângulo amoroso só de mulheres. Tem uma relação difícil e também de abuso entre mãe e filha. Tem uma menina que faz um aborto com a ajuda de outras mulheres. Tem muita amizade feminina.



Tem mulher mandando homem calar a boca e se colocar no seu cantinho insignificante:



Jessica Jones é uma série sobre abuso, sobre mulher, sobre sororidade, sobre culpa. E no final não tem nenhum príncipe no cavalo branco pra salvar mulher nenhuma. A Jessica cavalga sozinha e chega lá com a ajuda de outras mulheres.




quarta-feira, 25 de novembro de 2015

pra quem serve o poliamor?

Amar livremente, sem posse, sem hierarquias é uma ideia bem bonita. Bonita demais pra ser levada adiante por homem que quer uma desculpa pra trair a namorada ou chamar ela de louca ciumenta. Temos que rever que poliamor é esse que se prega por aí.



Amor, hierarquia, relacionamento saudável, pra mim, não tem nada a ver com monogamia ou relação livre/poliamor. Tem a ver com trabalho sobre si mesmo, maturidade, ética, respeito, empatia. Tu pode ter uma relação monogâmica por 20 anos ou 20 parceiros diferentes, se tu não tiver respeito, noção de privilégio, desconstrução de paradigmas ou maturidade, tu vai estar envolvido em um relacionamento hierárquico e provavelmente abusivo.

O discursinho do poliamor e do "não rotular relacionamentos" tem me irritado bastante. Principalmente porque vejo isso vindo de homens. Homens jovens, bonitos, brancos e ricos. Ominhos que impõem esse comportamento para as suas parceiras.

A ideia de poliamor não leva em conta nenhum recorte social. O simples fato de uma pessoa ser pobre e trabalhar muito já pode impedir que ela "pratique" esse desprendimento amoroso. Quando a pessoa é trans, negra, pobre, gorda, o poliamor não parece ser uma opção tranquila. Mas aqui vou me concentrar na relação "aberta" heterossexual, aquela que serve, muitas vezes, para legitimar a hierarquia patriarcal.

Claro que existe todo tipo de relação de "poliamor", mas vou falar daquelas que tenho mais conhecimento, que mais vi, que mais me parecem comuns e prejudiciais para a mulher:
1 - ominho fica com a menina
2 - se envolve com ela, começa a integrar na relação vários elementos de namoro
3 - aí percebe que namorar exige certos compromissos
4 - então ele começa a dizer para os amigos que não quer rotular sua relação, mas ele percebe que só não rotular não é o suficiente
5 - enfim ele diz pra menina que ele quer um relacionamento aberto
6 - a menina aceita para não ser chamada de moralista/possessiva
7 - o ominho fica com várias outras meninas
8 - a menina sofre
9 - a menina percebe que não tem porque sofrer e resolve então embarcar nessa ideia e fica com outros caras
10 - o ominho fica com ciúmes que a menina ficou com outros caras e volta atrás na sua decisão de poliamor

- Eu vou me matar sem você!
- Ok... mas não faz muita bagunça!


Existem mil outras opções possíveis para esse cenário que eu descrevi, mas dessa situação descrita aqui que me ocupo agora, pois vejo acontecendo o tempo todo e acho preocupante.

Isso que eu descrevi de 1 a 10 não é poliamor, viu ominho que adora discurso de amor livre? Isso é legitimação de machismo, de lógica patriarcal, de posse do homem sobre o corpo da mulher. Isso é achar que existe um tipo de liberdade para o homem e outro para a mulher. Isso é achar que existe "natureza masculina", aquela que justifica traição e violência.

Hoje ainda é muito difícil para uma mulher pensar nessa possibilidade de relacionamento. A gente sabe que, normalmente, quem acaba se ferindo somos nós. Quem vai ser chamada de vadia somos nós. Quem talvez engravide de um cara qualquer e fique sozinha tendo que fazer aborto clandestino somos nós. Mas, ainda assim, algumas minas têm achado legal essa ideia de não se prender a uma pessoa só, têm tentado ver como é essa tal libertação sexual (que já foi inclusive problematizada e criticada aqui no blog). Aí o problema é um homem que realmente goste de uma mulher livre assim. Por isso acredito ainda que, nessa altura da história, com essa onde conservadora louca dos últimos tempos, o poliamor (pelo menos heterossexual) praticamente não existe.

olha os "maridos" ciumentos inflados por sua natureza de macho!

Então propomos um outro exercício na vida: repensar relações hierárquicas e rever (todos os dias!) nossos privilégios. Qualquer relacionamento pode ser abusivo e não é o número de pessoas com quem tu faz sexo que vai mudar isso. A tua relação contigo mesmo pode ser abusiva também. De repente tenta mudar essa antes, a tua relação contigo, o jeito que tu te vê, o modo que tu percebe teus sentimentos e necessidades. Só uma pessoa livre de si mesmo, livre de seus medos é que pode proporcionar liberdade para os outros.


sexta-feira, 6 de novembro de 2015

não é normal

Ah, é normal caras falarem cantadas na rua

É normal filmes Hollywoodianos serem sexistas

É normal taxista cometer assédio

Ah, mas é normal ouvir piadinhas de colegas de trabalho

É normal meninas jovens terem relacionamentos com homens mais velhos, sempre foi assim

É normal religiosos serem contra o aborto

Mas o que tu esperava do Cunha? É normal um cara como ele ser preconceituoso e machista!

Ah, mulher, não te estressa com isso, é normal



Ouvi essa semana a seguinte frase (de um professor maravilhoso) que destoa de todas essas aí: toda vez que alguém diz que algo é normal, se perde a possibilidade de educação, porque educar é ir contra o normal.

Claro, ouvi muito mais essas coisas horríveis do começo texto. Gente achando que eu me estresso demais, ou, pior ainda, achando que eu sou ingênua por criticar alguma coisa, afinal, o que eu esperava? É normal!

Dizer "é normal" acaba com qualquer possibilidade de questionamento, de desconstrução, de pensamento. Fecha tudo. Enche de categorias prontas e impossíveis de serem quebradas. Em vez de dizer "é normal", devemos nos abrir para as infinitas possibilidades da conversação, do ato de escutar o outro sem preenchê-lo previamente.

Não é normal, em 2015, estarmos lutando por direitos tão básicos da mulher. Não é normal religião e estado quererem controlar o corpo, em especial, feminino. Não é normal trabalhar com gente machista e ter que sorrir diante de violência. Não é normal uma menina de 12 anos ser assediada. Não é normal ter medo de pegar táxi sozinha. Não é normal ter que lutar para a população (rica e branca) não andar armada e pronta pra atirar no primeiro negro, ou primeira mulher (vadia, claro) que passar.

O maior perigo do nosso tempo é a normalização. Sai uma pesquisa que diz que a maioria dos homens acha que a mulher tem que ficar em casa lavando a louça. Isso só prova que a maioria dos homens é escroto, nojento, machista. Mas isso não é normal. O normal não é o que a maioria pensa. O normal é o fechamento das ideias. Dizer que algo é normal é uma violência.

O mesmo vale pro "sempre foi assim". "Sempre foi assim" jamais será um argumento válido. Sempre foi assim? Bah, que merda, vamos mudar então! É normal? Puxa, vamos "desnormalizar"! 


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

o que caras legais podem com o feminismo

Há tempos vários amigos e colegas, caras que começaram a pensar sobre violência, sexismo, desigualdade e que, de certa forma, querem rebater vários sulcos de uma cultura machista me perguntam, após longos debates sobre violência, desigualdade, opressão: então, o que eu posso fazer com o feminismo? O que eu posso fazer pra ajudar o feminismo?

Tu, como um cara legal, tem consciência de que não existe isso de "ajudar o feminismo". O feminismo não precisa da tua ajuda. E tu sabe disso. Por isso, esse é um primeiro aspecto importante a se considerar quando se decide pensar sobre uma luta que certamente não é tua: ela existe, é forte e combativa, não precisa da tua ajuda. 

Mas existe algo muito importante que, certamente, um homem que deseja se questionar e se reconhecer como um privilegiado que, como corpo social, exerce poder e violenta, é saber que o feminismo nos ensina muito; o feminismo tem uma potência transformadora. Sendo um cara legal, com o feminismo se pode muito, muito mesmo! 


Com o feminismo tu, que te considera um cara legal, pode conversar com teus amigos sobre o quanto é absurdo um deles virar o pescoço na rua pra olhar pro corpo de uma mulher. Ou de ver um cara passar a mão em uma mulher no ônibus e fingir que não foi contigo. Tu tem a obrigação social de jamais deixar pra lá todas as formas de machismo que operam nas interações da tua vida, das mais sutis e cotidianas às mais violentas. 

Mas muito cuidado! Nenhuma mulher está te pedindo nada. Nenhuma mulher precisa da tua ajuda.

O que uma mulher quer ou precisa não tem absolutamente nada a ver contigo: com a tua suposta proteção, defesa ou cuidado. Não, não. Não se engane. Se tu é um cara legal, debate com outros homens esse tema. Mostra pra eles que o mundo pode ser realmente diferente e que vocês, juntos, podem ACABAR COM ISTO:

1. Regular a vida, as escolhas, os direitos da mulher - sobre o corpo, a saúde, as formas de ser;

2. Sentir-se absolutamente tranquilo, achar natural, com o fato de abusar, violentar, assediar uma mulher: com olhares, palavras, agressões físicas e todo o tipo de relação simbólica que constranja, oprima, rebaixe, diminua, destrua a mulher;

3. Achar que sexo é biológico e que, por isso, homens são isso e mulheres aquilo; 

Isso só pra começar. 

Esse vídeo é ótimo. Não adianta se achar um cara bem legal e bem sensível e deixar passar, decidir não se "indispor".

Sabe aquele grupo do whatsapp que tu mantém com teus amigos, "Os cuecas" ou "Os fodões", em que eles ficam compartilhando fotos de mulheres nuas, falando das mulheres que eles "comeram ou querem comer" e que tu acha horrível, mas continua lá? Sai desse grupo. Fala com teus amigos, frente a frente, sobre o quanto esse tipo de interação é negativa e fortalece uma série de violências amplas - tão amplas que eles não conseguem imaginar. Mostra, pra que eles consigam imaginar, os casos de milhares de mulheres que morrem por conta de uma cultura que as objetifica. Seja o chato do teu grupo. 

Humaniza tuas relações.

Frequentemente na rua, quando passo por grupos de caras conversando, dois ou três, SEMPRE escuto fragmentos de conversas extremamente violentas e machistas. Tive o trabalho de anotar algumas que já escutei e que amigos escutaram, horrores do mundo:

"ela tava de soutienzinho preto toda se querendo"

"essa aí ou e muito santa ou é muito puta"

"tem umas que pedem"

Já reparou que caras legais quase não tem amigos homens? Muito raro ver dois caras conversando em algum lugar sem que no meio da conversa não surja algum tipo de preconceito ou machismo.  É incrível isso. Falar de mulher não é natural, camaradas. É machista e é social. Assim como carro e cerveja - numa associação breve que qualquer um pode fazer. Falar da tua chefe chata mal-comida não é natural, brincadeira. É puro machismo.  



Esvazia aquela conversa machista. Deixa seco esse campo de preconceitos e vê o que sobra das tuas relações com outros homens. Se não sobrar nada, só o silêncio, é hora de agir.

O teu corpo social é o mesmo do cara escroto que passa a mão em guria no ônibus, que diz que a menina de 12 anos do Masterchef Jr é "uma safada", que estupra uma mulher.

Teu corpo social é o do Eduardo Cunha, do Estatuto da Família, do cara que acha que uma mulher estuprada tem que fazer um B.O. antes de receber todo o atendimento que é seu direito. Teu corpo social é o mesmo do cara que estuprou essa mulher: ou seja, tu tem, obrigatoriamente, que lidar com o conflito do maldito machismo do lugar social ao qual tu pertence. Se tu ficar quieto pra evitar confrontos com os machistas a tua volta, tu te torna igual a esses machistas - é preciso lutar contra isso!

Aprender com o feminismo, cara legal, não é entrar nos debates de mulheres e achar que tem o direito de dizer qualquer coisa sobre como elas devem ser ou agir. Esquece tua atuação no feminismo. Usa toda a tua vontade pra mudar a tua RELAÇÃO com o cara mais próximo a ti. 

Quem sabe isso deixa de ser um absurdo e passa a ser uma diferença?


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

chega de abaixar a cabeça

Esses dias, eu e a Raquel (a outra escritora desse blog), passamos uma tarde linda caminhando por aí, aproveitando o sol, indo nas livrarias e lojinhas que a gente gosta, em cafés fofos que só a gente conhece, conversando sobre tudo e divando pelas ruas. Uma tarde puro amor e liberdade entre amigas lindas que se amam. Quase no finzinho dessa beleza de tarde, estávamos voltando para nossas casas e aconteceu o seguinte:


Logo na nossa frente, na calçada, um grupo de mais ou menos cinco homens conversava alto, bebia cerveja, fazia piadas e ria muito. A medida em que nos aproximamos do grupo, ficamos cada vez mais quietas e chegamos mais perto uma da outra. Os caras continuaram rindo muito, e abriram um pequeno espacinho pra gente passar por eles. Na nossa frente, tinha um corredor de homens barulhentos, que ocupavam o espaço como se fossem donos da rua e davam a impressão de serem enormes. A gente passou pelo meio deles em silêncio, encolhidas e com a cabeça baixa. Logo que passamos, levantamos a cabeça, nos olhamos e nos demos conta do absurdo que foi isso. Nós abaixamos nossas cabeças, nos encolhemos e ficamos em silêncio para passar no meio de caras.



Para a grande maioria das pessoas, esses caras não fizeram nada e nós é que fomos exageradas. Eles realmente não nos falaram nada e mal olharam pra nós. Mas o que é que fez a gente, sem combinar, agir assim diante deles? O que nos fez sentir automaticamente que tínhamos que nos encolher diante de homens? O que faz duas mulheres lindas e maravilhosas e feministas, que passaram uma tarde empoderadora andando por mil lugares, abaixarem suas cabeças e ficarem em silêncio para passar por caras??

O que nos fez agir assim foi o medo, o machismo que existe em cada momento das nossas vidas. Foram as experiências anteriores de assédio. Foi a linguagem corporal dos caras que inflaram e gritaram mais ainda quando nos aproximamos. Foi a certeza de que se a gente olhasse para um deles, nós ~daríamos~ motivo para ouvir alguma piadinha, ou algo muito pior. Foi o medo de homens mais velhos que nós, que nos olham como menininhas vadias (assim como aqueles que olham para Valentina).

Entendam bem essa situação, os caras realmente não precisavam fazer muita coisa. Eles podiam ser caras super legais. Um deles pode ser teu colega de trabalho que te admirou quando tu escreveu sobre o teu #primeiroassédio. Outro pode ser teu amigo que se acha "feministo". De repente, teu pai estava lá naquele corredor de homens barulhentos. Talvez, tu, caro homem leitor, já esteve num corredor ameaçador desses e nunca te deu conta. Não importa o quanto tu acha que ~não faz nada~. Um olhar pode ser violento, uma risada, a tua presença na rua, homem, já é uma possibilidade de ameaça para uma mulher que vive todos os dias com medo de assédio.


É isso mesmo que uma mulher passa andando na rua. E temos que continuar repetindo isso, porque muita gente ainda não entendeu a gravidade da situação. Por mais que eu e a Raquel sejamos mulheres que escrevem sobre machismo, que tentam ajudar outras mulheres com situações de assédio, por mais que tenhamos amadurecido e nos fortalecido nos últimos anos, nós ainda sentimos o medo que nos faz encolher nossos corpos diante dos homens, ainda sentimos que precisamos tentar passar despercebidas, ainda sentimos culpa por sermos mulheres.

Enfrentar assédio, fazer um escândalo, não abaixar a cabeça, nunca ficar em silêncio. É isso que devemos fazer. E esse é um trabalho diário. Todos os dias precisamos nos lembrar de quem somos e da força que temos. Precisamos nos lembrar que não somos sujas, não temos culpa, não estamos a serviço dos homens. O nosso corpo é nosso, sempre, em qualquer lugar. Chega de abaixar a cabeça.


segunda-feira, 21 de setembro de 2015

estudos comprovam que a ciência é machista

A gente está acostumado a falar ou ouvir dados científicos que comprovam uma certa opinião. Nada mais comum que trazer um dado do IBGE para provar aquilo que estamos tentando dizer. Mas será mesmo que é legal e tão objetivo/neutro assim um estudo científico?

Por quanto tempo as mulheres foram oprimidas por números, porcentagens, dados científicos mil que comprovavam o quanto elas tinham sei lá que parte do cérebro menos desenvolvida, ou dificuldade em matemática, dificuldade em lógica, dificuldade de dizer onde é esquerda e onde é direita?? Esses estudos existem, circulam e convencem com o poder esmagador da ciência!

Eu nunca uso estudos científicos numa discussão justamente por isso: eles não passam, em sua maioria, de opinião, de manipulação de dados, de combinação arbitrária de números. A gente pode comprovar muita coisa com números. Vamos ver um exemplo retirado de um comentário aqui do blog?


Peço desculpas pelo Allan, o comentador chato-louco-paranoico-burro oficial aqui do blog, ele escreve mal mesmo e fica difícil de entender o que ele está querendo dizer. Mas, de qualquer forma, vemos aqui um belo exemplo de como usar números para provar o que a gente quiser. O querido Allan aqui mostrou que o número de homens mortos pelas suas parceiras é maior que o número de mulheres mortas pelos seus parceiros. Claro, Allan. Teoricamente, se a gente colocar no papel e verificar, a conta do Allan está certa. O problema é essa combinação de dados, isso é aleatório, isso é arbitrário.

O Allan adora dados. Ele trouxe tantos pra nós. A maioria em vídeos chatos e cansativos que não vou colocar aqui e fazer todo mundo perder seu tempo. Mas olha só outra lógica perfeita amparada por porcentagem:


Segundo o Allan, já que a maioria da população é composta por mulheres, então as eleições, os empregos, as leis, tudo é aprovado pelas mulheres. Afinal, se elas quisessem mudar era só votar, certo? Essa lógica nos mostra que: a maioria da população é composta de mulheres, e a maioria da representação política é composta de homens, portanto, as mulheres querem ser representadas por homens. Lógica perfeita apoiada por números. Será que é assim mesmo que funciona o mundo, com porcentagem?

Estudos realmente comprovam tudo que é coisa (não só sobre homens e mulheres):







Sabe qual é o grande problema desses estudos? Eles passam a ideia de que existe algo biológico, natural, que faz com que homens e mulheres sejam de uma forma ou de outra. A pessoa lê que estudos comprovam que a mulher é mais organizada, e automaticamente a pessoinha pensa que tem algo lá no cérebro da mulher que faz ela ser tão cheia de habilidades de organização e limpeza. Mas a gente sabe o que faz com que a maioria das mulheres limpem e organizem melhor, né?? É o machismo, é claro! O machismo que faz as meninas brincarem com bonecas, fogões, vassouras! 

Um tempinho atrás, um cara entrou em contato comigo para elogiar um texto meu e pedir que eu postasse um infográfico que ele achou que tinha tudo a ver com o blog. O infográfico era sobre promiscuidade e mostrava, com base em dados científicos e constituição biológica do homem e da mulher cis, que homem é naturalmente promíscuo e mulher é naturalmente seletiva. Ahãn. O que isso mostra? Que mulheres devem ser comportadas, monogâmicas, desejarem a maternidade e casamento com um único homem a vida inteira. Só essas é que são mulheres de verdade. E, ainda, se o cara trair a mulher não foi culpa dele, ele é naturalmente assim. Isso ainda acaba validando estupro. Lindo infográfico, não sei como a pessoa achou que tinha algo a ver com o blog. Vamos analisar umas partes:


Então, desejo sexual relaciona-se SOMENTE com testosterona. Logo, homem cis tem mais desejo sexual porque tem mais testosterona. Ta-ran!! Apenas com um simples dado acabamos com o significado de desejo sexual, relacionamento e possibilidade da mulher cis querer ter múltiplos parceiros sexuais.


Por causa do número quase ilimitado de espermatozoides, os homens são ávidos competidores, lutam para ver quem terá mais mulheres. Não é porque eles são machistas, controladores que veem a mulher como mercadoria, capaz, é só biologia, gente. Já as mulheres têm só alguns óvulos então elas cuidam deles com muito carinho e passam a vida procurando o parceiro ideal que irá fecundar esse bem precioso que ela guarda dentro do seu útero com tanto amor e expectativa para ser mãe. Tudo que uma mulher quer é ser mãe, é isso que seu corpo manda. A preocupação da vida de uma mulher é com o número de óvulos que ela possui. A cada menstruação vem a depressão de não ter sido fecundada, então, quando a mulher chega perto dos 30 anos e já teve muitas menstruações sem gravidez, nossa, ela fica desesperada, ela só pensa em casar.

O infográfico inteiro mostra isso que descrevi. E nada disso é novidade, isso é a sociedade patriarcal, machista, controladora dos corpos femininos. Isso é a ciência do machismo.

Encontrei esse texto hoje, que foi um alívio no meio dos "estudos comprovam" que pesquisei. Retirei esse trecho:


Acho que a autora deixou tudo muito claro. Deu de determinismo biológico. Deu de pesquisa sobre homem e mulher que não leva em consideração socialização, relações homossexuais (como o infográfico citado) e pessoas trans.


Querida, é ciência mesmo. Mas é machismo também. 

terça-feira, 15 de setembro de 2015

mulheres que amamos: Liv Ullmann

Eu sou apaixonada pelo cinema do Ingmar Bergman e pelos filmes dele conheci a Liv Ullmann.


Essa mulher é muito maravilhosa. Linda, linda demais. Atriz sensível, inteligente. Não tem olhar igual ao dela. 

E essa diva incrível tem um livro chamado "Mutações". É uma autobiografia. Comecei a ler esse livro faz tempo e não terminei. Hoje abri na página em que eu havia parado e li o seguinte trecho:

Uma coisa aprendi.
Que um marido é uma espécie de álibi para a mulher. Não importa o que ele é de verdade, por trás do pano.
Ele pode ser gordo, estúpido e velho, mas se sente no direito de criticar o corpo flácido da mulher e sua menopausa, e sempre encontra simpatia, quando a troca por outra mais jovem. O mesmo vale para a vida profissional. Como para a particular.
Houve períodos em que vivi na situação desprotegida de mulher solteira ou divorciada. Fui a mulher que todos sabem que "não tem ninguém".
Um homem pode ir a um restaurante sozinho, à noite, mas eu não posso fazer o mesmo e evitar: a) críticas; b) o oferecimento de companhia masculina na qual não estou interessada; c) causar pena.
Ao discutir meu salário, pedi o mesmo que um colega homem. Embora tivéssemos trabalhado em teatro o mesmo número de anos, disseram-me que ele deveria ganhar mais do que eu, porque sustenta uma família. Eu, que tenho uma filha, uma casa e responsabilidades, não estou na mesma categoria. Porque sou mulher.
Sou o apoio de minha família, mas não tenho ajuda gratuita em casa, sob forma de uma esposa, como ele tem.
Em casos de divórcio, o marido, com maior frequência, tem a possibilidade de escolher.
A mulher é levada a se sentir culpada, quando quer ou precisa trabalhar e deixa outras pessoas tomarem conta de seu filho. Porque é mulher, e a criança precisa dela, em casa. Como ele é homem, é normal que dê atenção prioritária à sua profissão.
Quando o homem e a mulher não se casam, é ela a mãe de um filho ilegítimo.
É dela a responsabilidade. Tem de sacrificar dezoito anos de sua vida para o que é melhor para a criança. Ela tem de recusar trabalho e contato com outras pessoas, quando não pode pagar por ajuda ou obtê-la. Tem de correr para casa e ser pontual, porque sabe que qualquer pessoa que ajuda irá embora, caso se sinta explorada.
Penso em minha pensão e fico imaginando como se ajeitam as mulheres que não podem manter os filhos, mas têm de depender do que um homem considera uma soma razoável para seu sustento.
Tenho amigas que passaram um ano sem sair de casa à noite, porque ficavam exaustas com sua dupla responsabilidade: a pressa para manter os horários, o sentimento de culpa, a falta de sono. Elas eliminam a necessidade de contato emocional com outras pessoas, além de seus filhos, esperando uma oportunidade futura, quando poderão dormir, descansar, ter um dia só para si.

Esse texto é da Liv Ullmann, mas podia ser meu, ser teu, ser de qualquer mulher, especialmente de qualquer mãe. Ser mãe não é natural para toda a mulher, ser mãe não é só amor, ser mãe não é obrigação da mulher. Vamos parar de romantizar o sujeito-mãe, ao mesmo tempo que oprimimos o sujeito-mulher.

Esse texto da Liv me deixou triste porque pensei primeiro "que merda, até essa mulher maravilhosa da Liv passa por isso!!". Mas depois me dei conta de uma coisa linda: "até a Liv, essa mulher maravilhosa, está junto comigo, sabendo e sentindo o que eu e outras mulheres sentimos". Ter a Liv do nosso lado é reconfortante. 


Quer amar ela como eu? Assiste "Sonata de outono", "Persona" e "Gritos e Sussurros". E lê o livro "Mutações". Ela dilacera nossa alma.