quarta-feira, 11 de março de 2015

o que passa pela nossa cabeça quando reconhecemos nossos privilégios

Tenho pensado muito sobre porque é tão difícil falar sobre feminismo, porque tem tanta gente com tanto ódio de feministas. E especialmente homens, muitos homens odeiam feministas. Junto com isso, vejo vários outros ódios e militância contra causas de minorias, causas que só querem trazer mais igualdade e uma vida melhor para todo mundo. Esses odiadores do feminismo parecem inverter os valores. A mesma coisa acontece com essa palhaçada de dia do orgulho hetero. O que acontece nessas situações? O que se passa na cabeça de uma pessoa privilegiada que ela acha que está perdendo seus direitos no momento em que minorias reivindicam uma vida melhor? Bom, cheguei a algumas conclusões que levam em conta o reconhecimento de privilégio. Realmente não é fácil se reconhecer privilegiado.

Primeiro, vamos ver algumas categorias básicas de privilégio:

Homem
Heterossexual
Cisgênero
Branco
Classe média/alta
Magro

Assim que nossos privilégios são colocados na nossa frente, a gente tem duas escolhas: podemos rejeitar essa verdade dolorida esfregada na nossa cara, ou podemos aceitar a verdade e começar a realizar pequenas mudanças na nossa vida.

Eu tenho os meus privilégios, assim como, provavelmente, tu aí que tá lendo esse texto (não precisa te encaixar em todas as categorias, uma já é suficiente). Eu escolho todos os dias (sim, todos os dias, essa é uma luta diária que tu deve ter contigo mesmo) reconhecer que sou privilegiada e tentar fazer realmente diferença em situações de opressão.

O privilégio é um tapete mágico que te permite voar por cima das preocupações dos outros sem ter que olhar para baixo. E olhar para baixo é difícil, dá torcicolo. 

Se nesse momento do texto tu ainda não entendeu ou sentiu nem um pouquinho o teu privilégio, por favor, pare de ler. O que escrevo aqui é para aqueles que estão sentindo o medo e a raiva de ter que escolher pela verdade do privilégio. Continue e vamos ver quatro pensamentos desconfortáveis que passam pela nossa cabeça quando a gente precisa se reconhecer como privilegiado e, de repente, conseguir mudar as nossas atitudes.



1 – Eu sinto que sou acusado como vilão

Ninguém gosta de pensar que é uma má pessoa. Ninguém é mau, vilão de novela é uma coisa que não existe. Por isso, ninguém gosta de ser acusado como alguém que faz mal aos outros. Quando tu é identificado como alguém que se beneficia de machismo, racismo, homofobia, discriminação social, tu automaticamente te vê como um vilão que perpetua privilégios e preconceitos. Portanto, o mais fácil é negar os privilégios que tu tem, assim te livrando do papel de vilão.

E aí que começa a inversão de papéis. Quando um homem é apontado como perpetuador do machismo, ele se sente na hora acusado de estuprador, opressor maligno de mulheres. Mas ele tri se acha um cara legal. Pra se defender, ele tenta virar o jogo, apontar o que ele vê como privilégio feminino. Aí ele fala “mas os homens nem têm um dia só pra eles”, “as mulheres nem precisam se alistar no exército”, “as mulheres têm a lei Maria da Penha e os homens nem têm uma lei própria”, “homens morrem muito mais do que mulheres”. Homem, isso é tudo verdade, tu tá certo. Tu só tá errado num pequeno detalhe: essas continuam sendo amostras dos teus privilégios e não das mulheres. 



Ou ainda tem aqueles que partem para ataques pessoais na tentativa de invalidar o argumento de quem tá apontando o privilégio. E aí mais privilégio aparece quando o cara fala: “tu é uma mal-comida, frustrada, mal-amada, gorda, feia”. Ou então: “as feministas odeiam homens e estão querendo uma ditadura”. Clássico argumento para invalidar uma luta que aponta privilégios. 

Querer que os homens reconheçam seus privilégios sociais, econômicos e políticos = odiamos os homens. Hmm, acho que tem alguma coisa errada nessa lógica. 

É normal se sentir apontado como vilão quando reconhecemos nossos privilégios. Mas fugir disso é fugir de autocrítica e transformação para melhor. Se tu sente essa espetada do reconhecimento do privilégio, para e escuta. Não sai gritando, te defendendo, negando tudo e invertendo papéis, só escuta um pouco pelo menos uma vez na tua vida.

Sim, isso é difícil. Uma das melhores coisas de ser privilegiado é que quase nunca somos censurados. A gente sempre pode sair por aí dizendo a nossa opinião sobre tudo. Aí chega alguém e nos diz que a gente tem que ficar quieto e ouvir? Como assim, isso é censura, eu tenho os meus direitos!! Ok, mas se tu quiser ser uma pessoa melhor e não oprimir minorias, tu vai ter que aguentar, ficar quieto, considerar que a tua opinião não é tão importante assim e escutar o que os outros têm para te ensinar.

2 – Eu sinto que toda a minha família está sendo atacada!

Se eu sou privilegiado, provavelmente toda a minha família também é. Ah, não, aí é demais, vocês tão atacando a minha familinha querida que nunca fez nada pra ninguém. Meu pai trabalhou a vida toda, a minha mãe criou os filhos com tanto amor (ui, olha o machismo aí!). Eles são anjos!

Quando alguém da nossa família passou por algum tipo de dificuldade na vida, a gente já pensa que é impossível então sermos privilegiados. Pô, olha como meu pai se fodeu na vida pra ter a empresa dele! Isso não é privilégio, isso é trabalho duro!

Uma das coisas mais interessantes do privilégio é que tu não precisa se dar conta que ele existe para que ele trabalhe a teu favor.

De novo: para e escuta. Não é porque tu ou a tua família sofreram de alguma forma que vocês não são privilegiados.



3 – Mas eu não me sinto privilegiado.

Claro que não! Lembra que o privilégio é esse tapetinho mágico que te faz flutuar lindamente por cima de qualquer problema? Pois é, esse tapetinho é invisível!

Quem sofre perdas e considera que trabalha bastante, automaticamente não se sente privilegiado. Como posso eu ser privilegiado se eu nem tenho uma mansão com três piscinas cheias de espumante? Eu to aqui trabalhando das 8h às 18h! Eu to aqui parado nesse trânsito infernal todo dia pra conseguir dinheiro para sustentar a minha família! Eu ajudo a minha mulher em casa!



Reconhecer privilégio parece que é o mesmo que reconhecer que tu não merece o que tu tem, que tu não trabalhou para conseguir conquistar o que tu possui. Não é nada disso. Claro que tu merece as tuas coisas.

Reconhecer o teu privilégio não diminui as tuas conquistas. Só te mostra que a tua linha de partida para conseguir o que tu quer não fica no mesmo lugar para todo mundo. Alguns precisam começar bem mais para trás. A tua linha de partida é o teu privilégio. Tu ainda vai ter que correr pra chegar no teu objetivo, mas vai ter que correr um pouco menos que outros. 

Dá uma olhada pra trás e reconhece a posição que tu ocupa. De repente tu vai conseguir ajudar algumas pessoas no caminho.

4 – Mas assim estão pedindo para que eu mude!

Pois é, estamos. Mudar é sempre difícil, mas pode ser muito bom pra ti e para os outros na tua volta!
É mais difícil ainda quanto tu não acha que faz nada de errado. Tu só tá vivendo a tua vida como qualquer outra pessoa, tu tem a tua casa, teu trabalho, sai com amigos, faz caridade, consome, te diverte, é legal com os teus amigos, faz piadas. Só isso, eu sou super legal! Por que eu devo mudar? Porque o teu privilégio machuca e oprime. Reconhecer isso sem fazer birra é muito importante para diminuir o impacto desses privilégios todos.

Tu não tem escolha, não importa o que tu faça, tu vai continuar sendo privilegiado, não tem como fugir da tua classe social, da tua identificação de gênero, da cor da tua pele. Então, não adianta negar, não adianta gritar, xingar as feministas, sair pra rua no dia do orgulho hetero. A única coisa que tu pode fazer é aceitar isso todos os dias. Enxergar todos os dias onde o teu privilégio te leva e onde a tua opressão começa. Escuta, lê e usa esse espinho na tua pele pra fazer alguma diferença de verdade. 



inspiração, tradução livre, cópia desse texto aqui!

Um comentário:

  1. Amei o texto. Aborda os sentimentos dos privilegiados que se sentem oprimidos pelas ações e reações dos oprimidos, ao invés de aprenderem parar de oprimir.

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