terça-feira, 7 de abril de 2015

mulher é bicho ruim

Eu sou uma pessoa má. Sou errada sempre. Cuidar de mim é egoísmo, meu papel é cuidar dos outros. Cuidar dos outros para me redimir por ser tão má. Má e suja. Todos os relacionamentos que dão errado aconteceram assim porque eu sou errada. Os problemas da minha família cabem a mim resolver. Eu que devo sofrer, resolver todos os problemas, abdicar de mim mesma. Culpa é a minha punição eterna por ser uma pessoa ruim, torta, irracional, burra, provocadora. A culpa está colada em mim desde que eu nasci e dela não consigo me livrar, afinal, sou errada mesmo.



Terminou com um namorado que nunca te fez bem, te tratou mal o tempo todo? Ai, foi tudo culpa minha, eu que não soube entender ele e estraguei mais uma relação.

Gritou com o namorado, aí ele te chamou de louca, e tu ficou mais braba ainda e quebrou um prato? Ai, que horror, eu sou louca mesmo, que descontrolada. Tudo culpa minha.

O namorado ficou doente depois de jogar futebol na chuva? Eu não devia ter deixado ele ir, tudo culpa minha!

Tu e o marido estão com uma dívida alta no cartão de crédito? Culpa minha, não devia ter comprado nada, sou muito consumista mesmo.

O namorado disse que tu engordou? Engordei mesmo, que gulosa, que horror, ele tem todo direito de me achar horrível!

O namorado te traiu? Tudo culpa minha, não dei a atenção necessária, recusei sexo algumas vezes e ainda nem sei cozinhar direito!

Tu quis conversar sobre problemas na relação e o namorado não deu bola e achou uma chatice e disse que não tem nada de errado no relacionamento? Realmente, eu invento coisas, se tem alguma coisa errada é culpa dessa minha cabeça louca que procura erro em tudo.

Saiu pra dançar com as amigas, te divertiu, chegou bêbada em casa e o marido te chamou de escandalosa e descontrolada? Eu sou mesmo, que absurdo sair e beber tanto com as minhas amigas, ele tem mais é que me chamar de vadia mesmo. Tudo culpa minha!

Não tem nada pra comer em casa? Claro, eu fui uma desorganizada, não fui no supermercado e agora meu marido tá com fome, tadinho!

O namorado disse para os pais dele que vocês não vão passar o fim de semana na casa deles? Tudo culpa minha, eu to influenciando ele a não dar mais atenção aos próprios pais.

Tua sogra te tratou mal, tu reclamou com o namorado e ele ficou brabo porque tu falou mal da mãe dele? Ele tem razão, não tenho direito de falar da mãe dele, mesmo que ela me humilhe todos os dias. Eu devo ter feito alguma coisa pra ela me tratar mal, é culpa minha.

O teu filho bateu num colega na escola? Tudo culpa minha, eu que não eduquei ele direito.



Mulher, nada disso é culpa tua. 

Por experiência própria e troca de histórias entre amigas, vejo todo dia uma mulher se colocando culpa e pesos que não são dela. Muitas mulheres têm essa característica, especialmente dentro de um relacionamento com um homem. Nós assumimos papel de namorada, mãe, amiga, brinquedo sexual, cozinheira, enfermeira, terapeuta. E temos que ser super bem sucedidas em todos eles! Se alguma coisa der errado só pode ser culpa nossa, já que teríamos que estar tomando conta de tudo. Controlando tudo sem ser controladora, sabendo de tudo sem ser muito sabida.



Para cada cara que faz uma cagada, tem uma mulher pra levar a culpa por ele. As mulheres são culpadas pelos próprios estupros, imagina que não seriam culpadas pela traição do marido, ou por qualquer instabilidade que possa ocorrer na vida do pobre ominho ao lado dela! O cara é um escroto? A culpa não é tua! Ele te traiu? A culpa não é tua! Ele foi demitido? A culpa não é tua! Ele tem ciúmes? A culpa não é tua!

Tenho uma pessoa bem próxima de mim (e várias outras conhecidas) que passou a vida casada com um cara que fazia muito mal pra ela, um cara doente, alcoólatra. Sabe o que fez ela passar a vida com ele? Culpa e punição. Ela chegou a se convencer que esse era o papel dela na vida: ajudar esse cara, apoiar ele e esquecer de si mesma. Claro, o que mais poderia uma mulher fazer do que tomar conta de um homem. E o cara? Ah, esses escrotos adoram se vitimar (os mesmos que chamam as feministas de vitimistas). Esses são papéis muito bem elaborados por uma ética cristã-patriarcal: a mulher é errada, culpada e deve ser punida e carregar o carma de apoiar o homem em todas as suas decisões; o homem só erra quando a mulher não o apoia do jeito certo. Que confortável, hein, ômi?



O jeito de amar da mulher é errado. A atenção que ela quer do namorado é errada. O jeito de falar e se vestir é errado. Ela tem culpa até quando não faz nada, porque, na verdade, tudo tem uma influência maléfica dela. Se a mulher pensar em si mesma por um segundinho, os desastres são catastróficos! São poucos os homens que vivem sem culpar uma mulher. E isso não é assim tão racional, tá tudo no meio desse fel chamado de sociedade machista-patriarcal-cristã-capitalista. 
No meio disso tem muita coisa, muitas práticas de punição, culpa, vitimização. 

Tem uma situação que parece se repetir e que eu gostaria de um dia realizar uma pesquisa séria e ter dados que comprovem essa teoria: são poucos os homens que realmente tomam a iniciativa de terminar um relacionamento. Eles agem diferente: eles ficam distantes, criam situações de briga, provocam, fazem um joguinho de ciúme. Tudo isso pra mulher pirar e brigar e ele dizer que não tá acontecendo nada. Aí depois de inúmeras brigas e ele chamar a mulher de louca e neurótica 250 vezes, a mulher cansa e termina. Aha! A mulher que termina, ela é a culpada pelo término do relacionamento! Agora ele pode ampliar o seu papel de coitadinho, fazer carinha de doente e deixar a mulher se esmigalhando de pena e dor, mais do que ela já estava.

Mulher, joga fora essa culpa. Primeiro passo de empoderamento: te orgulha de ti e das tuas decisões, para além do carinha que possa estar ou não na tua vida. Cuida de ti, olha pra ti, presta atenção em ti. Tu merece o teu próprio cuidado, esse que tu tanto dedica aos outros. Tu merece um tempo contigo mesma, esse tempo que tu usa pra rolar na cama de tanta culpa e ansiedade. As tuas decisões são tuas e julgá-las como certas ou erradas não é nada produtivo. A gente toma as decisões que o momento nos proporciona. Julgar um comportamento passado com a clareza do presente é injusto contigo mesma. Esses omis escrotos vão continuar te culpando, não espera que eles mudem pra tu mudar. Eles que se fodam. Tu é merecedora, tu é incrível, tu é demais e tu te basta. Tu não é culpada de nada, nem do fato de te sentir culpa, tu não deve te punir. Ri dos teus erros e aprende com eles pensando no teu melhor e não no dos outros.



(este texto é especificamente sobre relacionamentos heterossexuais e os papéis que muitas mulheres acabam tomando para si. Não pretendemos com isso ignorar outros tantos tipos de relacionamentos que existem, apenas fazer um recorte).

7 comentários:

  1. Amei o texto, muito inspirador para o momento pelo qual estou passando. OBRIGADA!!!!!

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  2. Obrigada pela leitura, Renata! Que bom que tu te identificou e espero que só te traga boas inspirações e empoderamento!

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  3. Muito bom. Eu vivo assim: minha vida, eu primeiro. Se me sobrar amor, deixo transbordar ate chegar ao outro. Caso contrário, deixo só pra mim. E espero q o camarada aja da mesma forma, equilíbrio de amores, carinhos, tarefas, cias, doações ao outro... Se não, arrumo minha mala e digo tchau! ;)

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  4. Estou passando por isso. Um namorado infantil, mimado, extremamente dependente. Um enteado que não suporto. E uma sogra que adora se fazer de vítima, de super proteger o filho, de se sobrepor aos outros... resultado é que sou louca x 1000. Sou mal humorada, sou perturbada, sou instável. Sou culpada por tudo que dá errado, por tudo e por nada. E conversar??? não sabe, uma pena. Meu casamento está indo pro lixo por tudo isso que você expressou tão bem no seu texto.

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