sábado, 25 de abril de 2015

sobre Camille Paglia

A entrevista com Camille Paglia publicada na Folha de S. Paulo não merecia o destaque que ganhou. Não merecia leitura, não merecia debate. Não merecia diversas feministas concordando e achando que deveriam refletir sobre. Mas foi isso que aconteceu, por isso precisamos fazer o nosso papel e esclarecer as coisas.

Não, aquilo não é feminismo. Ela começa a entrevista se dizendo feminista. Ela está errada. Tudo que ela fala é uma perpetuação muito burra e triste do machismo.

Mas acho que o maior problema dela é sua visão de história linear. Como ela mesma deixou bem claro, Camille não gosta de Michel Foucault. Engraçado que eu passei a entrevista inteira pensando exatamente que estava faltando um Foucaultzinho básico pra ela, até que ela disse que essas ideias estúpidas atuais vieram todas de Michel Foucault. Pronto, ficou claro o quanto o modo de pensar dela é linear, evolutivo, biológico, saudosista.

Não existe o feminismo dos anos 20, o feminismo dos anos 70, o feminismo atual. Essas correntes de pensamento não existem independentes umas das outras, não termina uma para começar outra. Essa é uma forma de pensar história que já deveria ter sido descartada. Alguém que diz que o feminismo bom e certo era dos anos 20 ou 30 e que lá as mulheres eram fortes de verdade, é alguém saudosista, que não entende de história, de condição de existência, de discurso. Camille, desculpa, mas tu não entende mesmo de história, não adianta citar nomes e datas quando se tem uma visão de linha do tempo evolucionista.

Essa entrevista só serve para tentar dar argumentos toscos a pessoas que estão se cagando de medo da força do feminismo contemporâneo. Camille fala em um momento que o feminismo atual está perdendo suas forças. Errou, errou feio, errou rude. Se tivesse perdendo as forças, a Folha de S. Paulo não teria que publicar essa entrevista para tentar enfraquecer aquilo que só se enche de forças a cada dia que passa.

Para Camille, existem dois tipos de mulheres: a maternal e a profissional. Obrigada pelas duas opções de vida, Camille! E pior ainda: ela acha que a mulher deveria ser só maternal e não ficar tentando ter uma carreira e competir com os homens. Camille tem peninha dos homens, que estavam lá tão felizes com seus empregos e agora as mulheres tomaram conta e não deixaram nada para eles, que estão hoje em crise, tadinhos.

Me dei o trabalho de copiar algumas frases dela, porque não dá pra acreditar que alguém realmente falou tanta merda e ainda se diz feminista. E pior, tem uma galera (feminista ou não) apoiando.

"As feministas culpam os homens por tudo."

Não. Apenas não.

"As mulheres de hoje não são tão fortes quanto as dos anos 20 e 30."

Hoje tem mais participação negra, acho que isso já faz o movimento ser mais forte.

"Os homens heterossexuais jamais serão capazes da arte da análise emocional."

WHAT THE FUCK?????? Essa é a velha história de que homens são racionais e mulheres são sensíveis e emotivas. Foda aguentar isso depois de tanta feminista lutando para livrar as mulheres dessa ideia reducionista de psicologia, pensamento, visão de mundo.

"Os homens não precisam casar para fazer sexo."

As mulheres precisam????

"Para os homens é frustrante porque, se o trabalho que eles fazem pode também ser feito por uma mulher, no que consiste sua masculinidade afinal?"

Tadinhos, gente, onde vão usar toda a sua masculinidade?? Nem podem ocupar os melhores cargos nas empresas e ter os melhores salários! 

"O machismo vem do medo do poder da mulher sobre o homem."

O homem fica com medo então estupra. Claro.

"As mulheres que têm sucesso com os homens são aquelas que mantém uma certa qualidade maternal e entendem as fraquezas dos homens. E têm pena deles por isso. Elas tratam homens com humor e conseguem entender as necessidades dos homens e nutri-los de certa forma."

Pronto, agora ela quer que as mulheres sejam sempre mãezinhas de todos os homens ao redor delas. Eles são coitadinhos, frágeis, que precisam de colinho, que precisam que a gente deixe eles terem seus empregos e salários altos pra que eles não fiquem tristinhos e com dorzinha na masculinidade.

"Gloria Steinem é responsável por isso. Ela e seus problemas psicológicos."

Culpou uma mulher por toda a situação atual capitalista de trabalho. E ainda chamou ela de louca. Parabéns, você acaba de cagar em cima da cabeça de todas as mulheres.

"Como você vai expor seu corpo para protestar contra a indústria do sexo se o que você está fazendo é gerar excitação sexual?"

Camille, tu não entendeu nada. Volte 10 casas. 

"Se você é uma mulher livre, você tem que aceitar que, toda vez que se vestir de modo convidativo, está enviando uma mensagem."

Uma das principais lutas feministas é exatamente sobre isso: poder usar a roupa que quiser sem se preocupar com essa "mensagem". Isso é burrice mesmo, é não entender de relação, de cultura, de sociedade.

"Temos que tentar parar de glamurizar a beleza da mulher madura."

Onde isso está sendo feito? Nas pequenas tentativas de mostrar diversidade de beleza? Nos poucos ensaios fotográficos e obras de arte que tentam mostrar outros corpos e valorizar todos os tipos de pessoa? Valorizar diversas belezas é ruim? Sério?

A entrevista é o maior chorume já publicado nos últimos tempos. Olha que eu leio muita merda. A pessoa consegue ser gordofóbica, transfóbica (ao mesmo tempo que se diz transgênero), machista, classista, analfabeta cultural.

A maior "tese" dela é que a mulher deve se preocupar em ser mãe e que o maior erro do feminismo foi ter abdicado da maternidade. Camille, maternidade é uma escolha e não uma obrigação. O papel de uma mulher não se limita a procriação. Vai ter mulher no mercado de trabalho sim, vai ter mulher ocupando cargos "de homens" e, ainda por cima, vai ter mulher tendo filho a hora que quiser, ou não tendo filho nunca também, porque ela que decide.

Outro grande erro é insistir que o feminismo atual (ai, deusa) se reduz a ódio aos homens. Vou tentar esclarecer (mais uma vez) uma coisa: o chamado ódio aos homens, ou a misandria, é uma tática de luta, não é o objetivo do feminismo, não é o que define e limita o feminismo. É uma forma de se defender, de se sentir protegida. Só isso, não precisa se assustar, ninguém vai castrar homem em praça pública.

Sinto muito, Camille, mas as feminista não vão engolir isso. Te encole na tua caverna, finge que tu está nos anos 20, te esconde e para de falar merda. O mundo vai continuar, as feministas vão continuar.


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