quarta-feira, 6 de maio de 2015

o que tem de errado na propaganda da Dove?

Muitas pessoas compartilharam e choraram lágrimas de alegria e emoção com a nova campanha da Dove. Pra quem estava numa caverna nas últimas semanas e não viu, taí:


A ideia era que as mulheres deveriam escolher por qual porta passar: uma que diz bonita e outra que diz comum. A moral da história é: escolha bonita. Mas o que tem de errado nisso? O problema tá na Dove e em qualquer outra dessas campanhas publicitárias que parecem incentivar uma imagem positiva de corpo. (Spoilers: elas não incentivam coisa nenhuma!)

Claro que entre as propagandas escrotas que temos por aí (vide Itaipava e outras marcas de cerveja), a Dove e cia trazem uma ideia diferente, não objetificam a mulher e realmente fazem a gente se sentir bem no fim do vídeo. Por isso não condeno totalmente não, apenas acho que temos que ter um cuidado a nos entregarmos de corpo e alma a propaganda. Afinal, ainda é uma empresa, ainda é propaganda, ainda é a tentativa de vender um produto.



Não importa que produto seja e que ideia a propaganda passa, em resumo o objetivo é fazer a gente comprar alguma coisa, aspirar uma ideia, um ideal, é nos fazer pensar que sem aquele produto não vamos atingir aquela vida linda que a propaganda nos mostra. Portanto, antes de sair compartilhando vídeos da Dove ou qualquer outra empresa, dê um passinho pra trás e pense.

Para mim, existem dois pontos principais e mais problemáticos nas campanhas publicitárias desse tipo: 

1 - Mostram as mulheres como únicas culpadas pela sua própria infelicidade:

Quem escolhe a porta "Comum" e é criticada por isso? Quem faz um retrato falado de si mesma como uma pessoa feia e cheia de imperfeições? Quem tem medo de tirar a canga na praia? Quem, quem?? A mulher!! TAN DAN!

A ideia do comercial, então, é que nós nos colocamos pra baixo, nos achamos feias e sem direito de ser feliz. Não são as propagandas com corpos de modelos cheios de photoshop, não são os padrões de beleza, não são as atitudes machistas, não é a sociedade toda ao nosso redor. Somos nós. E o poder de se sentir bonita é todo nosso! Basta querer! Ah, e comprar produtos da Dove.

Nos dizem nessas propagandas que as mulheres são vítimas de si mesmas. Nós nos encolhemos no nosso ódio sobre nossos corpos e, através de vídeos como o da Dove, devemos ter uma super epifania sobre as imposições que nós mesmas nos colocamos. Nós precisamos dessa propaganda para esse momento mágico, precisamos daquelas mulheres (quase) parecidas com a gente, da música emocionante, das lágrimas para deixar de nos odiar. 



Toda essa catarse é clássica da propaganda e videozinhos bonitinhos da Dove não são diferentes do que qualquer propaganda de carro. Mas campanhas "body positive" criam uma inversão bem esperta: não é a propaganda, o marketing que enchem todo mundo de expectativas irreais e nos fazem infelizes, somos nós mesmas, as mulheres as culpadas por isso. E a propaganda é que nos salvará! TAN DAN!! (momento de epifania!!)

2 - Apoiam todo o empoderamento feminino na beleza:

Todas essas campanhas têm uma mesma conclusão: sinta-se bonita do jeito que tu é. Poxa, legal isso, hein? Por que essa gente tem que ver problema em tudo? Ai, feminazis!!

Me diz uma coisa: o que acontece naqueles dias em que tu não está se sentindo assim tão bonita como a Dove disse que tu tem que se sentir para ser feliz?

Esse é o momento exato em que os publicitários apostaram, esse é o momento que tu vai precisar deles, do vídeo emocionante e de um creme novo. Ou seja: para continuar vendendo esse tal produto, publicitários precisam que tu continue pensando que tu está "desempoderada", mesmo que a propaganda tenha como objetivo te "empoderar". Entendeu o esquema?



Mas e se pensarmos que empoderamento não tem nada a ver com beleza? E se empoderamento fosse algo que vem da gente e não de propagandas, vídeos, livros de autoajuda? (Spoilers: é assim mesmo que empoderamento funciona!)

Eu admito a minha própria culpa naquilo que estou aqui criticando. Tenho dias que to me sentindo um lixo, uma horrorosa e penso que preciso de uma mudança de visual. Corto o cabelo, compro um perfume, um creme, um esmalte, um vestido novo. Todo mundo faz isso, é assim que tem funcionado esse nosso mundinho. Mas a questão é: quando eu faço isso, estou ciente do porquê? Estou ciente do que esses rituais de beleza representam pra mim e pra sociedade? É aí que a gente precisa pensar um pouco para exercitarmos mais a nossa liberdade de escolha. As propagandas e a mídia não são todo o mal do mundo, não plantam sementinhas da tristeza na nossa cabeça e nos controlam sem que a gente queira. Mas tem que fazer uma coisinha que muita gente acha chata: pensar e criticar.

Não há nada de errado em querer se sentir bonita, escolher se sentir bonita, ou se aceitar como bonita, mas a gente não precisa deixar a beleza ser a causa do nosso (des)empoderamento.

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