quarta-feira, 5 de agosto de 2015

literatura feminina: abandonar ou ressignificar?

Recentemente, uma amiga me perguntou o que eu acho do uso da expressão "literatura feminina". A minha resposta imediata foi: acho um absurdo! Afinal, o que significa literatura feminina? Que todas as mulheres escrevem do mesmo jeito? Que é uma literatura inferior? Pensando assim, claro que eu não concordo com isso! Aí a gente conversou um pouco e vimos que não é tãããoo simples assim.

Esse ano eu decidi ler mais mulheres. Isso realmente teve que ser uma decisão consciente e tive que fazer um esforço pra procurar mais livros de mulheres, conhecer mais escritoras e me dedicar mesmo a esse estudo. A maioria das pessoas (estou me referindo àquelas que leem mesmo) não lê muitas mulheres e nem conhece escritoras. Tem toda uma história aí que a gente pode resgatar e ver que as mulheres começaram a escrever (no sentido de publicar, porque elas já podiam escrever escondidas pra elas mesmas) bem depois que os homens e começaram a ter alguma relevância literária faz pouco tempo. Então, quando a gente vai procurar por escritoras, a gente só encontra a partir de uma certa época da história literária.

Outra coisa acontece também: literatura feminina é muitas vezes vista como literatura confessional, diário. Afinal, mulher vai escrever sobre o quê? Só pode escrever as amarguras da própria vida mesmo, tão sem criatividade essa cabecinha feminina. Algumas meses atrás, eu fui num sarau literário com a Clara Averbuck e ela disse que sempre perguntam pra ela sobre os personagens dos seus livros como se cada história que ela escreve fosse necessariamente sobre a sua vida. Cada livro dela é uma parte do seu diário da adolescência, sem criação. A Clara estava com um livro do John Fante nas mãos e seguiu dizendo: "por que não perguntam pro Fante se ele fez tudo isso que tá escrito aqui? O livro dele também parece ter esse caráter de relato confessional, mas como ele é homem o que ele escreve é literatura e não diário." A Clara tem toda razão.

Mulher não escreve ficção científica




















Mulher só escreve coisas meigas

 

Só dona de casa rica com tempo livre que escreve




















Mulher não escreve best seller












As mulheres não escrevem todas do mesmo jeito, sobre o mesmo assunto. Mulher escreve de múltiplas formas, assim como homem, pelamordadeusa! Então, por que ainda usar "literatura feminina" como se fosse um gênero literário único?

Como eu disse no começo, eu e essa minha amiga conversamos um pouquinho sobre o assunto e ela me disse: "usar essa expressão também tem a ver com a conquista do nosso espaço". Pois é, aí eu pensei: "será que se a gente não falasse em literatura feminina, os livros feitos por mulheres não iam aparecer menos ainda??". Pode ser que começou a se dizer literatura feminina para caracterizar o que mulheres escrevem como inferior, mas agora a gente pode ressignificar isso! 

Talvez dê pra gente fazer uma relação com a implementação de cotas nas universidades: as cotas não existem porque negros têm menos capacidade de estudar e passar no vestibular, mas por terem menos oportunidade de acesso a uma educação de qualidade (resumindo bastante a história toda). De repente, "literatura feminina" seja um tipo de cota que mulheres ainda precisam por terem menos oportunidade de publicar, de serem lidas, de se perceberem como escritoras.

Por isso não é tãããooo simples parar de usar a expressão "literatura feminina" e jogar os livros escritos por mulheres no meio dos livros "masculinos". Afinal, homens e mulheres não têm ainda os mesmos direitos, o mesmo valor, as mesmas oportunidades. Essa aparente segregação pode ainda ser importante para destacar os livros escritos por mulheres. O que a gente tem que fazer é desmistificar a tal literatura feminina, ler mais mulheres, não usar essa expressão como sinônimo de um tipo único de escrita, mas como uma forma de lembrar quanta escritora maravilhosa que tem por aí!

Até agora eu li os seguintes livros de mulheres esse ano, amei e indico todos:
Hibisco Roxo, Chimamanda Ngozi Adichie
Não sou uma dessas, Lena Dunham
Eu quero ser eu, Clara Averbuck
Quarto de despejo, Carolina Maria de Jesus
A paixão segundo G. H., Clarice Lispector
Um teto todo seu, Virginia Woolf
O Segundo Sexo, Simone de Beauvoir

9 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. do que tu tá falando???????????????
      eruditos????????
      coisas meigas??????????????

      Excluir
    2. Este comentário foi removido pelo autor.

      Excluir
    3. a relação de "escrever coisas meigas" com a imagem é o que a Hilda escreveu, afirmando que escreve até sobre bunda. Bunda = coisa não meiga.

      Excluir
    4. Este comentário foi removido pelo autor.

      Excluir
    5. é exatamente sobre esse rótulo que escrevi aqui. Rotular toda a literatura feminina como uma só é uma discriminação, pois as mulheres não escrevem todas do mesmo jeito. As mulheres escrevem esses outros gêneros que tu citou, como noir, histórico etc. Se a gente qualifica toda a literatura escrita por mulher de literatura feminina estaríamos dizendo que todas as mulheres criam somente o mesmo gênero.
      No fim do texto problematizo uma ressignificação do uso, pensando que essa expressão talvez ainda seja necessária para dar mais espaço às mulheres, mas não pode ser vista como um gênero único.

      Excluir
  4. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir