segunda-feira, 21 de setembro de 2015

estudos comprovam que a ciência é machista

A gente está acostumado a falar ou ouvir dados científicos que comprovam uma certa opinião. Nada mais comum que trazer um dado do IBGE para provar aquilo que estamos tentando dizer. Mas será mesmo que é legal e tão objetivo/neutro assim um estudo científico?

Por quanto tempo as mulheres foram oprimidas por números, porcentagens, dados científicos mil que comprovavam o quanto elas tinham sei lá que parte do cérebro menos desenvolvida, ou dificuldade em matemática, dificuldade em lógica, dificuldade de dizer onde é esquerda e onde é direita?? Esses estudos existem, circulam e convencem com o poder esmagador da ciência!

Eu nunca uso estudos científicos numa discussão justamente por isso: eles não passam, em sua maioria, de opinião, de manipulação de dados, de combinação arbitrária de números. A gente pode comprovar muita coisa com números. Vamos ver um exemplo retirado de um comentário aqui do blog?


Peço desculpas pelo Allan, o comentador chato-louco-paranoico-burro oficial aqui do blog, ele escreve mal mesmo e fica difícil de entender o que ele está querendo dizer. Mas, de qualquer forma, vemos aqui um belo exemplo de como usar números para provar o que a gente quiser. O querido Allan aqui mostrou que o número de homens mortos pelas suas parceiras é maior que o número de mulheres mortas pelos seus parceiros. Claro, Allan. Teoricamente, se a gente colocar no papel e verificar, a conta do Allan está certa. O problema é essa combinação de dados, isso é aleatório, isso é arbitrário.

O Allan adora dados. Ele trouxe tantos pra nós. A maioria em vídeos chatos e cansativos que não vou colocar aqui e fazer todo mundo perder seu tempo. Mas olha só outra lógica perfeita amparada por porcentagem:


Segundo o Allan, já que a maioria da população é composta por mulheres, então as eleições, os empregos, as leis, tudo é aprovado pelas mulheres. Afinal, se elas quisessem mudar era só votar, certo? Essa lógica nos mostra que: a maioria da população é composta de mulheres, e a maioria da representação política é composta de homens, portanto, as mulheres querem ser representadas por homens. Lógica perfeita apoiada por números. Será que é assim mesmo que funciona o mundo, com porcentagem?

Estudos realmente comprovam tudo que é coisa (não só sobre homens e mulheres):







Sabe qual é o grande problema desses estudos? Eles passam a ideia de que existe algo biológico, natural, que faz com que homens e mulheres sejam de uma forma ou de outra. A pessoa lê que estudos comprovam que a mulher é mais organizada, e automaticamente a pessoinha pensa que tem algo lá no cérebro da mulher que faz ela ser tão cheia de habilidades de organização e limpeza. Mas a gente sabe o que faz com que a maioria das mulheres limpem e organizem melhor, né?? É o machismo, é claro! O machismo que faz as meninas brincarem com bonecas, fogões, vassouras! 

Um tempinho atrás, um cara entrou em contato comigo para elogiar um texto meu e pedir que eu postasse um infográfico que ele achou que tinha tudo a ver com o blog. O infográfico era sobre promiscuidade e mostrava, com base em dados científicos e constituição biológica do homem e da mulher cis, que homem é naturalmente promíscuo e mulher é naturalmente seletiva. Ahãn. O que isso mostra? Que mulheres devem ser comportadas, monogâmicas, desejarem a maternidade e casamento com um único homem a vida inteira. Só essas é que são mulheres de verdade. E, ainda, se o cara trair a mulher não foi culpa dele, ele é naturalmente assim. Isso ainda acaba validando estupro. Lindo infográfico, não sei como a pessoa achou que tinha algo a ver com o blog. Vamos analisar umas partes:


Então, desejo sexual relaciona-se SOMENTE com testosterona. Logo, homem cis tem mais desejo sexual porque tem mais testosterona. Ta-ran!! Apenas com um simples dado acabamos com o significado de desejo sexual, relacionamento e possibilidade da mulher cis querer ter múltiplos parceiros sexuais.


Por causa do número quase ilimitado de espermatozoides, os homens são ávidos competidores, lutam para ver quem terá mais mulheres. Não é porque eles são machistas, controladores que veem a mulher como mercadoria, capaz, é só biologia, gente. Já as mulheres têm só alguns óvulos então elas cuidam deles com muito carinho e passam a vida procurando o parceiro ideal que irá fecundar esse bem precioso que ela guarda dentro do seu útero com tanto amor e expectativa para ser mãe. Tudo que uma mulher quer é ser mãe, é isso que seu corpo manda. A preocupação da vida de uma mulher é com o número de óvulos que ela possui. A cada menstruação vem a depressão de não ter sido fecundada, então, quando a mulher chega perto dos 30 anos e já teve muitas menstruações sem gravidez, nossa, ela fica desesperada, ela só pensa em casar.

O infográfico inteiro mostra isso que descrevi. E nada disso é novidade, isso é a sociedade patriarcal, machista, controladora dos corpos femininos. Isso é a ciência do machismo.

Encontrei esse texto hoje, que foi um alívio no meio dos "estudos comprovam" que pesquisei. Retirei esse trecho:


Acho que a autora deixou tudo muito claro. Deu de determinismo biológico. Deu de pesquisa sobre homem e mulher que não leva em consideração socialização, relações homossexuais (como o infográfico citado) e pessoas trans.


Querida, é ciência mesmo. Mas é machismo também. 

terça-feira, 15 de setembro de 2015

mulheres que amamos: Liv Ullmann

Eu sou apaixonada pelo cinema do Ingmar Bergman e pelos filmes dele conheci a Liv Ullmann.


Essa mulher é muito maravilhosa. Linda, linda demais. Atriz sensível, inteligente. Não tem olhar igual ao dela. 

E essa diva incrível tem um livro chamado "Mutações". É uma autobiografia. Comecei a ler esse livro faz tempo e não terminei. Hoje abri na página em que eu havia parado e li o seguinte trecho:

Uma coisa aprendi.
Que um marido é uma espécie de álibi para a mulher. Não importa o que ele é de verdade, por trás do pano.
Ele pode ser gordo, estúpido e velho, mas se sente no direito de criticar o corpo flácido da mulher e sua menopausa, e sempre encontra simpatia, quando a troca por outra mais jovem. O mesmo vale para a vida profissional. Como para a particular.
Houve períodos em que vivi na situação desprotegida de mulher solteira ou divorciada. Fui a mulher que todos sabem que "não tem ninguém".
Um homem pode ir a um restaurante sozinho, à noite, mas eu não posso fazer o mesmo e evitar: a) críticas; b) o oferecimento de companhia masculina na qual não estou interessada; c) causar pena.
Ao discutir meu salário, pedi o mesmo que um colega homem. Embora tivéssemos trabalhado em teatro o mesmo número de anos, disseram-me que ele deveria ganhar mais do que eu, porque sustenta uma família. Eu, que tenho uma filha, uma casa e responsabilidades, não estou na mesma categoria. Porque sou mulher.
Sou o apoio de minha família, mas não tenho ajuda gratuita em casa, sob forma de uma esposa, como ele tem.
Em casos de divórcio, o marido, com maior frequência, tem a possibilidade de escolher.
A mulher é levada a se sentir culpada, quando quer ou precisa trabalhar e deixa outras pessoas tomarem conta de seu filho. Porque é mulher, e a criança precisa dela, em casa. Como ele é homem, é normal que dê atenção prioritária à sua profissão.
Quando o homem e a mulher não se casam, é ela a mãe de um filho ilegítimo.
É dela a responsabilidade. Tem de sacrificar dezoito anos de sua vida para o que é melhor para a criança. Ela tem de recusar trabalho e contato com outras pessoas, quando não pode pagar por ajuda ou obtê-la. Tem de correr para casa e ser pontual, porque sabe que qualquer pessoa que ajuda irá embora, caso se sinta explorada.
Penso em minha pensão e fico imaginando como se ajeitam as mulheres que não podem manter os filhos, mas têm de depender do que um homem considera uma soma razoável para seu sustento.
Tenho amigas que passaram um ano sem sair de casa à noite, porque ficavam exaustas com sua dupla responsabilidade: a pressa para manter os horários, o sentimento de culpa, a falta de sono. Elas eliminam a necessidade de contato emocional com outras pessoas, além de seus filhos, esperando uma oportunidade futura, quando poderão dormir, descansar, ter um dia só para si.

Esse texto é da Liv Ullmann, mas podia ser meu, ser teu, ser de qualquer mulher, especialmente de qualquer mãe. Ser mãe não é natural para toda a mulher, ser mãe não é só amor, ser mãe não é obrigação da mulher. Vamos parar de romantizar o sujeito-mãe, ao mesmo tempo que oprimimos o sujeito-mulher.

Esse texto da Liv me deixou triste porque pensei primeiro "que merda, até essa mulher maravilhosa da Liv passa por isso!!". Mas depois me dei conta de uma coisa linda: "até a Liv, essa mulher maravilhosa, está junto comigo, sabendo e sentindo o que eu e outras mulheres sentimos". Ter a Liv do nosso lado é reconfortante. 


Quer amar ela como eu? Assiste "Sonata de outono", "Persona" e "Gritos e Sussurros". E lê o livro "Mutações". Ela dilacera nossa alma. 

sábado, 5 de setembro de 2015

o problema da educação

Não, não é a mulher. Eu e alguns colegas professorxs ouvimos tantas vezes esse comentário: "o problema da educação é esse monte de mulher, é esse monte de pedagoga", "porque quando junta muita mulher começa a intriga, a fofoca e aí ferra tudo". Isso é um estereótipo. É generalizante.  É uma forma de reafirmar preconceitos sobre identidades de gênero. Precisamos combater. 


Consideramos muito importante desconstruir esse clichê amplamente propagado, inclusive nas próprias universidades que nos formam professorxs. O problema da educação não é O problema. São vários. E esse estereótipo que culpabiliza as mulheres - por uma histeria, incompetência, ignorância para realizar o trabalho educativo - é violento e aterrador. É um dos mais graves para os quais devemos estar atentas quando pensamos em educação - escolar, familiar, trabalhista.
As mulheres ocupam muitos espaços educativos e suas posições oscilam constantemente entre cuidadoras, protetoras, "mãezonas" e mediadoras de certos conhecimentos, de certas relações. Mas nossas posições vão além disso tudo. Estão para fora de várias relações que escapam aos clichês, aos esperados. Quando ocupamos a posição de mães protetoras, embarcamos em um jogo de discursos facilmente cooptados pelo machismo e preconceito. Quando não atuamos nesse sentido, somos rapidamente vistas como mulheres mais duras, mais "rígidas, firmes", muito parecidas com "a natureza masculina" - ou seja, caímos novamente nos enunciados encavados pelo machismo e pela ignorância.

Gostaríamos muito que o povo repensasse suas crenças no sexo biológico como fator determinante de caráter, honestidade, competência. Homens não são menos fofoqueiros, mentirosos ou intrigueiros. Mulheres não são histéricas, barraqueiras, choronas, cuidadosas e mais sensíveis. É tão rude ainda ter que escrever isso. É tosco ainda ouvir que é da natureza da mulher ser competitiva e dissimulada. Muitas mulheres juntas - na educação, na rua, num encontro - não te autorizam dizer que "fica impossível conversar", já que "mulher não cala boca nunca", menos ainda a cair nessa furada ignorante de dizer que mulher é menos racional e orientada. Se em algum momento tu pensou ou pensa assim, que mulher unida é um problema, recomendamos fortemente uma reflexão. 


Agradecemos a todas as mulheres que nos educam e educaram, que nos ensinam, inclusive, as posturas machistas e intoleráveis, que não desejamos assumir. Consideramos, cada vez mais, a importância do debate sobre a igualdade de gênero na educação, porque este sim é um dos problemas da educação: não as mulheres, mas o machismo, o preconceito, a opinião desinformada, a brincadeirinha inocente que reafirma e reifica discriminações e opressões. Vamos aprender, mulheres, que juntas, não somos menores ou piores, somos mais fortes. Não façamos conosco o ato violento de desmerecer nossas conquistas. Mulheres na educação são lindas e têm muito poder, então, vamos aproveitar a conquista desse poder para empoderar mais ainda nossas lutas e trabalho e para sufocar estigmas e silenciamentos. Vale conferir o texto da Maíra Kubík sobre igualdade de gênero na educação, juntamente com o manifesto pela igualdade de gênero.