quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

besteiras traumatizantes que meninas escutam

se tu te cuidar...

Ouvi muitas vezes na infância e adolescência a seguinte frase: "Se tu te cuidar, tu vai ser linda quando crescer". Quando eu era mais novinha não entendia muito bem o que era esse "te cuidar". Claro que logo que cresci um pouco, meu corpo mudou e eu percebi que poderia engordar, eu me dei conta que o "te cuidar" era fazer dieta, era ser magra.

De todas as vezes que ouvi isso, uma delas foi a mais marcante. Eu tinha uns 12 anos e estava na sala de casa com a minha mãe e algumas amigas dela. Essas amigas todas falaram isso pra mim: "Guria, tu vai ser muito linda quando crescer se tu te cuidar". Eu fiquei envergonhada por estarem falando de mim, e, ao mesmo tempo, senti que tinha que agradecer, entender aquilo tudo como elogio. Foi muito constrangedor. Fiquei com vergonha do meu corpo de 12 anos. A promessa de que eu seria linda ~se me cuidasse~ foi um grande peso. Com 12 anos eu comecei a fazer muita dieta. 



E não é só na infância que a gente escuta isso. Se tu tá fora do peso: ah, não te cuidou! Foi estuprada: ah, andou pela rua pedindo, não te cuidou! Engravidou: se tivesse te cuidado não engravidava! Tudo pode ser evitado apenas te cuidando! Se a gente for detalhar, ser mais específica sobre o significado desse "cuidado", vamos chegar a submissão e obediência:

- fazer dietas super restritas
- não beber
- fazer muito exercício físico
- tomar anticoncepcional, usar camisinha, e, claro, fazer pouquíssimo sexo, porque nenhum método contraceptivo é 100% garantido, melhor é ficar sem fazer nada mesmo, aí tu te cuida e te preserva
- não caminhar na rua sozinha
- não caminhar na rua nunca, na verdade

Desde de pequena martelam isso nas nossas pobres cabecinhas. Me livrei de muita coisa, mas essa frase volta na memória muitas vezes pra assombrar minha revolta feminista.



quando tu crescer vai dar trabalho pro teu pai...

Faz pouco tempo que eu realmente me dei conta do quanto ouvi isso, do quanto era nojento encontrar algum amigo do meu pai e escutar essa merda e sentir olhares escrotos direcionados a mim. Sempre odiei os amigos do meu pai e nunca entendi direito porque, afinal, eles nunca ~fizeram nada~. 

Vamos mexer nessa memória horrível então e tentar entender essa situação: tu é uma criança, talvez pré-adolescente, não tem total consciência ainda do teu corpo, do papel social de mulher que vai ser empurrado pra ti, aí tu tá com o teu pai, passeando por aí, e encontra um amigo dele que tu nem conhece direito; esse cara toma a liberdade de te analisar, te abraçar talvez, tocar em ti, e, achando que é um elogio ainda, diz pro teu pai: essa daí vai te dar trabalho! 

O que significa "dar trabalho"? Tu, criança naquele momento, não entende completamente. Anos depois tu vai saber o que isso significava. E vai levar mais alguns anos ainda pra tu te livrar (se tu realmente conseguir) de mais essa coisa horrível que meninas escutam. "Dar trabalho" significa que tu vai ser linda (gostosa provavelmente é mais o que eles tavam pesando mesmo quando te viram) e os guris vão correr atrás de ti e o teu pobre pai vai ter que te proteger das garras desses outros homens. Tu vai ser um lindo troféu nessa disputa de machos. Claro, porque quem decide com quem tu vai ter algum relacionamento é o teu pai. 



Essa expressão é tão problemática que até quando ela não tá presente ela machuca. Quem são as meninas que escutam isso? As mais padronizadamente bonitinhas, claro! É preconceito e sexismo para todos os lados! Lógica patriarcal em peso! Só o feminismo salva mesmo!

senta direito que nem uma mocinha!

Ó, deusa, quantas vezes minhas tias, minha vó, minhas professoras me disseram isso! Em geral essa frase é dita de mulheres para meninas. Que sororidade!

Mais uma frase que implica submissão, controle. Sentar direito é sentar de pernas fechadas, coluna ereta, mãos no colo, sorriso no rosto. Os meninos sentam de qualquer jeito mesmo, eles são assim, sujos, bagunceiros, brutos, selvagens. As meninas precisam ser mocinhas desde que pequenininhas! Elas precisam mostrar sua obediência, calma e delicadeza!



Às vezes caio na ilusão de que isso não acontece mais. Pobre feminista inocente! Tenho pouco contato com criança e família, mas esse pouquinho já é suficiente: uma priminha de dois anos tava bem feliz assistindo desenho animado atirada no colo da mãe dela, puro conforto e felicidade jogada de qualquer jeito em cima da mãe, coisa mais boa que uma criança pode fazer. Uma tia viu essa cena e falou pra menina: senta aqui do meu lado que nem uma mocinha! Enquanto ela dizia isso, também mostrava com gestos como a menina deveria sentar: com as perninhas fechadas e a coluna bem retinha! O bom é que a mãe dessa criança é ótima e ignorou essa tia, deixando a menina se esparramar do jeito que queria! 

Mais uma vez, demorei na vida pra me dar conta do horror que é "sentar que nem uma mocinha"! Demorei pra me libertar e sentar como eu quiser. Usar vestido e sentar de perna aberta mesmo. Saber que minhas pernas grossas não vai ficar cruzadas do jeito "certo" e isso não é um problema. Entender que ser uma mocinha delicada é ser obediente e submissa e não era isso que eu queria. 



Assim como essas, existem muitas outras frases nojentas que a gente escuta desde criança, das mais descaradamente violentas às mais veladas e aparentemente inocentes. Isso não é normal. Sempre foi assim e tem que mudar!

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