quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Homenzinho de Merda TM

Já faz um tempo que as lindas do Lugar de Mulher iniciaram a campanha contra uma patologia universal que parece tomar conta da vida de alguns amigões por aí: a síndrome do Homenzinho de Merda. Acreditamos na relevância dessa campanha, nos aliamos a ela, e desejamos propagar, cada vez mais, o entendimento sobre essa triste doença comportamental que se alastra, muitas vezes, pertinho de nós. 

Banner da Polly, Lugar de Mulher
Imprima, adesive, cole na face do Homenzinho de Merda mais próximo

Muitas gurias já tiveram ou têm relações com esse tipo de comportamento machola. Ele pode assumir variadas facetas mas, em boa medida, tem a ver com traços de machismo/patriarcado/sentimento de perda de privilégios. A Mari do Lugar de Mulher descreveu bastante bem a cultura do HM: 

Um homenzinho de merda é o cara que não vê separação entre flerte e assédio, que anula qualquer debate com “sua louca”, que impõe seu modus operandi como universal, um reizinho capaz de defecar pela boca na velocidade da luz. Mas eu nem preciso te dizer isso, né, certeza que tu já sabe EXATAMENTE o que é um homenzinho de merda, como ele se porta e, quiçá, onde vive. Infelizmente.

O HM tem, como principal característica, uma grande vontade de bombar a tua autoestima - visto que ele é um cara inseguro e de ego ferido, só se afirma quando te coloca pra baixo. O Homenzinho de Merda vai te chamar de louca e histérica nas discussões. Ele pode provocar situações em que tu começa a duvidar de ti mesma e do teu poder ou cria a ilusão de que tu deseja a opinião dele sobre ti. Tu vai arrumar teu cabelo bem bonito, por exemplo, e ele vai dizer que fica melhor de outro jeito. Vai dar um jeito de falar do teu corpo e das tuas escolhas. De certa maneira, a manipulação do HM serve pra atacar o empoderamento feminino: sutilmente ele pode fazer tu achar que precisa da validação masculina pra ser feliz. 

Ele fala mal de outras mulheres - forjando elogios a ti. Pratica sexo sozinho e nem lembra que existe orgasmo feminino. Tive um grande amigo HM, triste caso. Ele controlava de maneiras engraçadinhas até o que eu comia na frente dele, dando a entender que eu não podia fazer minhas próprias escolhas alimentares ou não podia escolher me amar e ser linda com minha barriguinha de chope. Ele age sutilmente pra poder se afirmar. E, não se engane, é ardiloso, fica difícil discutir com esse tipo, principalmente porque ele não discute, ele pratica Gaslighting. Pra vocês verem que isso não é brincadeira, tem até uma expressão pra nomear o comportamento.

Gaslight (1944) deu origem à expressão
O cara tentava bombar a sanidade da personagem da Ingrid Bergman

A Mari nos dá algumas dicas pra identificar esse fenômeno cultural e se livrar dele:


Gurias, queremos um mundo melhor. Nesse mundo melhor, nosso poder não será fragilizado. Se aparecer um Homenzinho de Merda, que ele vá tomar sorvete e se tratar em terapia. Segue firme tua luta. 


terça-feira, 27 de janeiro de 2015

gorda pra quem?

Já escrevemos aqui sobre feminismo pop e o quanto isso pode ser, ao mesmo tempo, bom e problemático. O mesmo vale para qualquer outra coisa no mundo que já foi considerada marginal e hoje, teoricamente, faz parte do mainstream. O problema é que essa coisinha aí, quando passa da margem para o centro, deixa de ser o que era. O lado bom é que pode dar pelo menos um pouco de visibilidade e ajudar em alguma luta de minorias. Assunto complexo e não sei chegar a uma conclusão. Talvez cada caso seja diferente. Falemos então sobre corpo, sobre ser gorda (gorda, sim, não gordinha, fofinha, cheinha).

imagem que circula por aí com o objetivo de dar nojo nos gordofóbicos


Acho que o Brasil todo já está sabendo da história da Vanessa, menina gorda que resolveu se inscrever no Garota Verão e desfilou bem bela e faceira de biquíni no meio das gurias magras. Essa história fez uma galera pirar, um bando de idiota escreveu merda sobre ela, aquelas merdas bem fáceis e já batidas, mas que continuam repetindo, tipo: essa gorda só quer aparecer. Porque ninguém no Garota Verão quer aparecer, né? Todas as outras magras estão lá sendo discretas, mas a gorda que fez a mesma coisa que elas quis aparecer?? Ok, mundo escroto.

Bom, na verdade essa história e a própria Vanessa não precisam de um texto em defesa dela, muita gente já fez isso. E é justamente o que me chamou atenção. Muita gente que passa a vida fazendo dietas loucas, cirurgias, que ri da gorda de barriga de fora no verão, que usa todos os truques possíveis para esconder qualquer dobrinha do corpo, toda essa galera aplaudiu a Vanessa e disse que ela sambou na cara da sociedade. Querides, ela sambou na cara de vocês.

Elogiar a Vanessa, para várias pessoas, é quase como querer se salvar de ser gordofóbico, mas continuando com a ideia de que gordo não é saudável e repudiando qualquer quilo a mais no próprio corpo. É tipo assim: "que lindo, Vanessa, continue botando a cara a tapa e quebrando padrões, mas eu vou ficar aqui te aplaudindo sendo bem magrinha e padronizada, ok?". 

Vamos ver um exemplinho disso? Alguém aqui leu a "carta" da Gabi Chanas para a Vanessa? A Gabi obviamente não é um exemplo de pensadora, de alguém que reflete sobre padrões e quebra eles, ela na verdade propaga um monte de coisinha mainstream. Ela já falou várias vezes sobre seus problemas com peso e dieta e por isso se sentiu afetada pela história da Vanessa. Gente, leiam a carta, vomitem no cantinho e depois me digam se não é exatamente o que eu falei! Ela parece dizer: "obrigada, Vanessa, por me dar uma lição, mas eu vou continuar sendo padrão, eu vou continuar tendo espaço na mídia, eu vou continuar falando sobre moda, enquanto tu vai ser pra sempre a gordinha do Garota Verão, mas, valeu aí". Pode ser que eu esteja sendo cruel, mas essa história de valorização da gorda tá foda de aguentar.



Nos últimos tempos estão surgindo cada vez mais modelos plus size e lojas de roupas com tamanhos maiores. A moda parece estar olhando para a gorda, finalmente. Tem várias blogueiras de moda plus size também, cheias de dicas e fotos lindas. Esse é mais um caso da margem sendo apropriada pelo centro. Apropriada e transformada. Vamos dar uma olhada em algumas modelos plus size e pensar sobre o quanto elas representam a valorização da "real beleza gorda":

sim, acreditem, essa é a modelo plus size da Calvin Klein





A gorda valorizada é, na verdade, magra. Ela tem exatamente o mesmo formato de corpo da magra, só é um pouco mais larga, com mais carninhas. Essa gorda não tem barriga, não tem celulite, não tem estria. O que ela tem? Peito e quadril largo. Só. Essa gorda é aquela que o homem "tem onde pegar", é a gostosa, é a do fetiche. Acho elas muito lindas e fico muito feliz de ver gurias assim conseguindo uma carreira de modelo. Mas isso não é de forma nenhuma a valorização da beleza real, como adoram dizer. Essa nova gorda ainda é cheia de padrões e essa propagação de novas regras não causa uma imagem positiva de corpo. A gorda que anda na vida por aí vai lá numa loja comprar um biquíni plus size achando que vai parecer uma pin up gostosa e vai se frustrar como sempre. Essas meninas continuam sendo modelos de beleza impossíveis de se alcançar.  

A moda plus size ainda acha que deve existir para disfarçar gorduras, como mostra essa notícia. Além de ser difícil de se encontrar algo que seja moderno, que acompanhe a moda das magras, e que não seja destinado apenas para um formato de corpo. Gorda tem que ter peito grande, cintura fina e quadril largo. Tá cheio de gorda por aí que tem bunda reta, zero de quadril e um barrigão. Tem outras com seios muito pequenos que não conseguem achar um sutiã que sirva nas costas e nos peitos ao mesmo tempo. E aquelas que não tem a cintura marcada? Coitadas, essas não são gostosas.



Essa exigência de formato de corpo sempre existiu, não é novidade. As magras já tinham que seguir isso. A novidade é ter fingido incorporar mulheres gordas na moda, mas ainda aplicando as mesmas velhas e cansadas regras. Meu problema com isso não são as modelos plus size, mas o discurso de valorização e aceitação de corpos diferentes. É claro que existe de tudo nesse mundo, e a modelo Tess Munster está aí pra representar a meninas maiores que a modelo 40 da Calvin Klein:


Ainda assim, Tess tem aquele rostinho de boneca que desculpa qualquer gorda. Afinal, desafio uma gorda a dizer que nunca ouviu o seguinte "elogio": tu é bonita de rosto. BAM! Vontade de matar a pessoa que diz isso.


Mais uma vez é aquela briga entre ser bom ou ruim algo antes discriminado se tornar popular. É óbvio que é bom existir modelos plus size, ler as dicas da Ju Romano (que tá uma diva platinada), enaltecer a Vanessa. Mas a gente não pode se deixar enganar que esse movimento valoriza corpos diferentes e que agora as gordas são aceitas. Se aceitar como gorda, ser segura de si, é uma luta diária que ainda tem que vim de cada mulher. Até porque, na sociedadezinha machista em que fomos abençoadas a viver, a mulher sempre existe para o consumo masculino, então, mulher gorda/magra/alta/baixa, não espere que um ômi vai fazer alguma coisa real para o teu empoderamento.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

quem manda no corpo feminino?

A mulher não manda no próprio corpo. Quem decide que roupa ela deve usar, quando deve se expor, quando é vadia, quando é santa, quando pode transar, quando pode mostrar os seios, quando pode sambar pelada na televisão, é o homem. É assim que funciona esse mundinho escroto, machista em que vivemos. Como que alguém pode não achar a coisa mais absurda do mundo uma mulher não poder decidir sobre seu PRÓPRIO corpo? Como que pode ser certo a mulher ficar a mercê de homens que têm controle sobre os seus corpos? 

Quando uma mulher qualquer, uma celebridade, uma menina menor de idade tem fotos nuas suas expostas sem consentimento, qual é a primeira coisa que algum machinho (e muita mulher machista também) diz? Quem mandou tirar foto pelada, agora aguenta as consequências. Ou seja, a mulher é uma vadiazinha que gosta de tirar foto sem roupa e então o homem tem direito de fazer o que quiser com ela. É assim mesmo, sociedadzi?



A mulher usa uma saia curta e é estuprada. O que a gente escuta por aí? Ninguém mandou usar saia curta, ela que provocou. O homem foi lá e machucou violentamente a mulher, estuprou, bateu, fez sangrar, humilhou, mas a culpa foi da mulher e do seu corpo à mostra. Ela tava pedindo.

Onde a mulher tem permissão para mostrar o corpo? Nas revistas masculinas, para consumo masculino.


A mulher corre pelada no parque e é presa. A globeleza samba pelada na TV e isso é lindo, é carnaval, é a beleza brasileira.

A mulher não pode fazer topless na praia, mas o cara sentado do lado dela sem camisa pode ler a playboy.

Toda vez que a mulher decide sozinha sobre o seu corpo, essa é imediatamente uma decisão errada. Uma mulher gorda que resolve fazer vídeos para mulheres incentivando imagens positivas sobre corpo, aceitação e aumento da autoestima, recebe várias mensagens de homens fazendo questão de dizer pra ela que ela é uma gorda nojenta e que nenhum homem vai querer ela. Isso aconteceu com a linda Loey Lane e ela desabafa nesse vídeo.

Ela é segura com o corpo dela independente do que homens acham, ela se ama, ela ousa mostrar um corpo que não é padrão, que não está lá para apreciação masculina. Claro, isso não é permitido, uzomi ficam chateados, ninguém perguntou o que eles pensam, ninguém pensou nos gostos deles, nem é um vídeo de uma “gostosa” satisfazendo as fantasias sexuais que eles nem sabem de onde vieram. 

Acabei de ler um texto da Lola sobre o Danilo Gentili (o cara mais escroto desse país, não vou nem perder meu tempo falando dele porque só vou vomitar ódio e fazer mal pra mim mesma). Danilinho odeia a Lola, faz piadinhas com ela, montagens com suas fotos, e a maioria das “críticas” são pelo fato dela ser gorda. Uma gorda realmente incomoda muita gente. A Lola é feminista, é super lida por muita gente, tem muito apoio e ela é gorda, gente!! Gorda não pode falar sobre nada. Como que ela ousa ser gorda nesse mundo fitness e ainda tirar foto, ir na marcha das vadias com a roupa que tem vontade?? Danilinho não sabe lidar com tanto empoderamento feminino.



Nosso corpo é político. Cada roupa que a gente coloca, cada acessório, cada alisamento no cabelo, cada cacho afro, cada piercing, cada pinta, tudo é político, tudo é social, é construído, é entrecruzado de discursos, é marcado historicamente. E o corpo da mulher é marcado por opressão, por regras que não foram decididas por ela. A mulher é tão cuidadosamente medida que o tamanho do minguinho do pé pode ofender a sociedade. Uma miniblusa para não passar calor é motivo de estupro.

Mas as mulheres são fortes e lutam todos os dias. 

Emma Holten foi chantageada por um ex-namorado por ele conter fotos nuas dela. Esse tipo de situação não é novidade, chamamos isso de revenge porn e acontece o tempo inteiro, infelizmente. Muitas mulheres têm suas fotos expostas por homens que se acham no direito de vingança quando o relacionamento termina. Essas meninas são humilhadas, chamadas de vagabundas, são as culpadas. A vítima é o homem coitadinho que levou um pé na bunda da mulher malvada. Mas Emma não foi nem vítima, nem culpada, ela recuperou o poder sobre o próprio corpo.



Quer sair por aí me chamando de vadia e me chantageando com fotinhos? Toma essas fotos então, as fotos que eu escolhi, que eu quis, que eu tirei!


Antes que o machinho fizesse alguma coisa, Emma expôs fotos dela. Tirou o poder de seu corpo das mãos do homenzinho de merda.

A artista Isa Sanz também tomou atitudes de empoderamento do corpo feminino. Do corpo e da menstruação. Sim, lá vem a feminazi falando de menstruação de novo! E vou falar quantas vezes mais for necessário para que parem de achar que ficar menstruada é uma maldição. Sangro, pero no muero. 


A mulher quer retomar o poder sobre seu corpo. Por que é errado uma mulher postar fotos dela nua e é certo posar pelada para o consumo masculino? Por que é errado e nojento uma artista fazer fotos com sangue menstrual e é super legal duas mulheres de biquíni brigarem no barro num programa de televisão? Por que é um pedido de estupro usar minissaia e um homem pode andar sem camisa se sente calor? A diferença dessas coisas é a permissão masculina. Quando o homem quer, paga, consome, aí pode. E tem gente que chamou a Emma de exagerada.

Uzomi vão seguir achando que controlam o corpo feminino? Pois então a mulherada vai seguir correndo pelada pelas ruas!



A sociedade machista vai continuar achando que quem manda no corpo da mulher é o homem e o mercado? Então vai ter marcha das vadias com peito (e gorduras, e celulite, e estria, e ossos, e cicatrizes) de fora, sim!


Mulheres, retomem o poder sobre seus corpos!

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

a invenção da liberdade sexual feminina

Recentemente escrevi um texto aqui que tratava sobre um certo tipo de relação de dominação em posições de poder: casos específicos de alguns professores que usam sua posição privilegiada pra seduzir alunas, de variadas maneiras. Muitos comentários surgiram e o mais interessante disso tudo foram as observações sobre o fato de que muitas meninas (com menos de 18 anos) podem querer, por vontade própria, ter um caso com o professor:


O que intrigou muita gente é isso: se a mulher quer, tá tudo bem (ainda que "a mulher" em questão seja menor de idade) afinal, as feminazi não lutam pra que a mulher seja livre? Então! Liberdade é dar pro professor se tu quiser - ou pra 40 ômis em um mês. Mas será mesmo? Duvido. Parece que muita gente tem esquecido que esses "desejos" individuais são completamente pautados pela cultura - por regras sociais construídas com base num conjunto de aprendizados sobre ser mulher e ser homem - e sobre uma lógica liberal, de consumo, a respeito da tantas vezes maldita liberdade.



O tema da liberdade sexual das mulheres é bastante discutível, principalmente quando lembramos que, por séculos, as mulheres foram educadas para servir aos ômis. Quantas ainda lavam a louça pro marido, todos os dias, depois assistem a novela, se perfumam e cumprem suas obrigações conjugais na cama? Quantas mães ainda servem seus filhinhos de 30 anos na mesa ou passam suas camisetinhas (já vi mãe que dobra a cuequinha também, juro que vi)? Quantos pais viram o pescoço pra olhar a bunda de uma mulher na rua, mas protegem suas "filhinhas"? Esses são machismos clássicos e visíveis. Já fazem parte da institucionalização sobre machismo.



Mas não é apenas dele que nos ocupamos neste blog. Até porque, a construção social machista é altamente sutil e geralmente indefinida, pra maior parte das pessoas. O machismo é tão naturalizado que ozômi se autoriza a chamar feminista de exagerada ou de feminazi. Mas o que que isso tem a ver com liberdade sexual feminina? Como tudo que se refere à mulher, nessa vida, passa por relações de poder e dominação, Voilà!, a mulher não é sexualmente livre - ainda. E há uma tendência a vender esse discurso bem arrevesado da mulher livre.  



Confesso que fiquei intrigada com o título dessa matéria do Terra. Tem alguma desvantagem em ser LIVRE? O próprio título já pressupõe que uma mulher solteira é livre - de um ômi, claro -, mas é livre e infeliz - pela falta do ômi. E a matéria dá dicas de como tu aprender a ser feliz, mesmo sem ter um ômi.



WTF? A mulher ainda deve pensar sua liberdade a partir do que teoricamente agrada um homem.Tu é livre e solteira, mas se for pra balada, te controla! Homem não gosta de mulher pegajosa, que não dá espaço pra individualidade!



Outra dica é valorizar sua autoestima. E vejam só! Autoestima da mulher livre, DE NOVO, tem a ver com o que o homem pensa de ti. Ou seja: é o homem que vai te ver como uma mulher "bem resolvida" - se tu não ficar com caras meia boca! É ele quem julga. E depois querem que a mulher construa sua própria autoestima. 



Vocês já pararam pra pensar que, na maior parte das esferas da vida, a mulher não é livre ou ainda não tem os mesmos direitos garantidos aos ômi? É ridículo até a gente escrever isso aqui, mas tem cada comentário no blog, que, pelamordadeusa! Tem muita gente que não sabe disso ainda. Infelizmente. 

A mulher ainda ganha menos ou tem menos oportunidades de trabalho. Muitas mulheres enfrentam todos os tipos de assédio moral e abusos por onde andar. A maior parte dos escritores legitimados do nosso e de outros tempos, são ômis. A lindeza de 2014 foi a Veronica Stigger ter ganhado o São Paulo de Literatura com Opisanie Swiata (livro sensacional). Isso pra citar pouca coisinha a que se impõe determinadas subordinações. 

A mulher não é sexualmente livre porque toma pílula. A mulher não é livre, sexualmente, porque "pode escolher" com quem transar a hora em que bem desejar. A mulher não se torna necessariamente livre e empoderada de seu corpo quando transa com todos os caras do mundo. Ou quando "decide" fazer mil dietas e exercícios porque, oh, com certeza, a Fátima Bernardes ensina que o importante é se arrumar e ficar linda pra si mesma, não para as outras invejarem ou para os ômis desejarem. Como se esse "si mesma" estivesse livre de tudo o que o machismo impõe!


Tudo isso e muito mais não torna a mulher livre, sexualmente, porque o sexo é um produto da indústria e vende baratinho ali na pornografia mais próxima. E vende pros ômi. Porque ainda há nesse mundo quem jamais tenha tido um orgasmo sequer e tenha fingido absolutamente todos. A mulher não é livre, sexualmente, porque ser lésbica é se bastar, entre mulheres - e quase ninguém fica de boas em ver duas mulheres se amando muito e sendo felizes. A mulher não é livre, sexualmente, porque o sexo ainda tem a velha cara da servidão. E o corpo, esse templo plenamente político, reproduz variadas práticas de aprisionamento (Vide o conjunto de tabus e desconfortos sobre masturbação feminina, pra citar um pequeno exemplo).

Nos últimos tempos começamos a ouvir muito sobre isso: Ahhh, mas a mulher já conquistou muitos direitos, mulher é livre, mulher pode tanto quanto o homem. Que que vocês ficam brigando aí? (Mulher pode votar, vê só! Tem licença maternidade e os ômi não tem! Tão reclamando do que?) O triste de tudo é que a nova tendência de dizer que a mulher livre e bem resolvida tem a ver, completamente, com a mulher que ganha a alforria pela mão do patriarcado. E pra isso, minha nossa, há uma submissão muito sutil implicada nessas supostas "práticas de liberdade". Separamos abaixo duas categorias - que podemos chamar de paradoxos - sobre essa invenção de uma liberdade que, para nós, ainda carrega a servidão ao macharedo:

Pra ser livre: Tem que servir ao ômi
No fim das contas é isso, minha gente. O estigma da mulher bem resolvida tem se construído sobre aquela que, por exemplo, pega geral na balada - age como o cara galinha ou pegador. Ser livre é passar o rodo nos ômi. A mulher livre, pro discurso machista, é a que dá pra todos e, só  depois disso, ganha a liberdade de dizer que não se importa com nada.  É claro que, de modo algum estamos dizendo que ficar com todo mundo é aprisionamento. Mas sim, pode ser uma forma de forjar a liberdade. Nós queremos e lutamos pela liberdade dos corpos. Lutamos para que uma mulher possa ficar com quem quiser e ser o que quiser. Mas vejam bem: ser o que ELA quiser - ela e sua construção social e histórica. Aqui, falamos de um fenômeno bastante específico que se impõe pra muitas mulheres: achar que ser livre é ser a mulher rodada, sem uma reflexão a respeito do que isso pode significar pra si mesma numa relação profunda com a história das mulheres e da luta das mulheres. 


"Andei rodando e não dei pra ti" O tumblr da mulher rodada ajuda a pensar nisso. 

Pra ser livre: Tem que ser um ômi
Esses tempos ouvi de uma amiga que a chefe dela era "ticudona". Não é à toa que é a chefe, vejam! Ela age como homem - é bom de trabalhar com ela porque não tem as frescuras de mulherzinha. Ela ganha bem e é diretora da empresa porque tem colhões. Por isso, também, é livre. MENTIRA! Várias vezes já ouvi que o problema da educação são as mulheres. Você acreditam? Enquanto uma mulher precisar agir como homem pra ser livre, RÁ! estamos fritas. Enquanto a mulher for cópia do homem por tentar ser humana, estamos operando com a ideia de que ser humano significa ser homem. 



Então, gurias, talvez seja importante tomarmos cuidado por aí com essa história da mina bem resolvida. O que é ser "bem" "resolvida"? Esse papo de "Se quer ser piriguete seja" só tá valendo, de verdade, com muita reflexão e consistência - pra si mesma. Que seja bem ou mal resolvida, mas que seja uma premissa feminina e nunca masculina (e com isso, quero dizer - fundada sob pontos de vista patriarcais). É sempre importante pensarmos pra quem esse discurso serve e, afinal: quem tem ganhado com isso através dos tempos?

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

patriarcado e carnivorismo

Há uma relação impossível de ser negada entre masculinidade e consumo de carne. Explorando um pouco mais: há uma relação entre patriarcado, machismo, sexismo e dominação, com a cultura da carne. Homens que comem carne, muita carne, são mais machos que aqueles que não comem. Tenho mil histórias de amigos vegetarianos que contam quantas vezes foram chamados de bichas (sim, nesse termo bem bonito e respeitoso) por não comerem carne. Desculpa, gente, mas isso não pode ser negado e quem diz que isso é mentira é cego, ou burro. Sorry!

Descobri recentemente um livro sobre o assunto: A política sexual da carne, de Carol Adams. Confesso que só li resenhas, ainda não tive o prazer da leitura completa do livro. Quando descobri esse livro, fiquei chocada por não ter pensado sobre esse assunto antes! Comecei a pesquisar mais e encontrei um milhão de estudos lindos sobre a relação entre o consumo de carne e a formação da sociedade machista. No fim desse texto vou deixar vários links para quem quiser ler mais sobre isso.

Churrasco é coisa de homem, picanha sangrando é coisa de macho, quanto mais carne o homem come, mais másculo ele é nesse mundinho em que vivemos. Podemos ligar isso a um tempo extremamente longínquo em que o homem era caçador e trazia no final do dia o animal que matou para alimentar a sua família. O homem que fosse melhor caçador, melhor provedor era, melhor homem era. Não sei o que vocês acham, mas talvez a gente já tenha saído da idade das cavernas, não? Não conheço nenhuma pessoa que caça o que come, nenhum homem que sai pra selva atrás do javali que alimentará sua família por uma semana. Por que então, ômis, vocês ainda querem medir a masculinidade pelo consumo de carne?


Tem uma outra coisinha importante aqui: a mulher também é um pedaço de carne. Comer carne aqui deve ser lido literal e metaforicamente. As mulheres têm seus corpos divididos em pedaços assim como um boi ou porco. Tal mulher tem uma bunda gostosa, assim como tal vaca tem uma alcatra deliciosa. Outra mulher tem peitos macios e suculentos como um frango. 


Carol Adams fala em seu livro sobre a relação do corpo da mulher com os corpos dos animais e, ainda vai além, menciona o quanto damos tantos outros nomes para essas tantas partes, desvinculando a carne (tanto feminina quanto animal) do corpo real, tornando muito mais fácil uma opressão sem culpa visível. 

O homem se delicia com a carne e com os corpos femininos que desfilam a sua frente. Ambos estão a sua disposição para uso. Comer carne e comer uma mulher marcam a sua posição de dominador, de homem no topo da cadeia alimentar. Ah, como é lindo estar acima, usar, cortar, morder, desumanizar, dar o nome que quiser, assar, dourar. Parece que ser homem, branco e hetero é estar com constante água na boca com tantos pedaços suculentos disponíveis por aí. 

Em 2012, uma marca de cerveja horrível fez uma propaganda que conseguiu juntar toda essa palhaçada de preconceitos:


É tudo tão claro e literal nessa propaganda que explicações são dispensáveis.

A gente pode ampliar essa relação entre machismo e carnivorismo para qualquer outro tipo de opressão. Existem várias teorias que também fazem uma analogia entre o racismo ou a homofobia com a exploração animal. Tudo isso se encaixa na ideia de exploração dos “mais fracos” pelo homem hetero branco superior. 

Homem que come carne não é um malvado machista estuprador, tá, galera hater? Mas a gente não pode negar o vínculo histórico-social-cultural entre essas coisas. Onde há fixado um estereótipo de masculinidade, há machismo, há opressão contra as mulheres e os gays. 

Assar churrasco é uma atividade masculina, assim como pintar as unhas é coisa de mulher. Preferir um suculento pedaço de gado é uma atitude vista como masculina, assim como a mulher preferir salada. Infelizmente essas são características fixadas socialmente.

Quero ver quantos homens já passaram pela clássica experiência futebolzinho com os amigos + churrasco? E quantas mulheres fazem churrasco com as amigas? 

A questão aqui não é condenar o consumo de carne e dizer que isso é coisa de machista, mas não podemos deixar de pensar sobre a relação que esses hábitos culturais têm e que devemos quebrar estereótipos todos os dias.

Esse assunto ainda é novo pra mim, provavelmente voltarei a escrever sobre depois de estudar ainda mais. Para quem quiser ler mais:






Pequena nota contra o ataque às generalizações: jamais falei que todo homem que come carne é machista; jamais falei que as feministas devem ser vegetarianas; nunca pensei nem disse que todas as pessoas do mundo pensam que comer carne é coisa de homem. Tu aí que adora chamar as feministas de generalizadoras: o que apontamos aqui é um discurso do senso comum, estereótipos existentes e marcantes na sociedade.

Pequena nota contra comentários do tipo “mas eu não acho que comer carne é bla bla bla”: ok, legal, brigada pela tua opinião, mas aqui não foi levada em consideração as opiniões individuais e isoladas de cada ser da Terra. Legal que tu não acha que comer carne é coisa de homem, mas aceita que isso é o senso comum e que essa ideia existe, tá? Flws vlws.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Gone Girl

Antes de começar a leitura deste texto, responda uma pergunta: Já assistiu Gone Girl (Garota Exemplar)? Não? Então não continua lendo, assiste primeiro que esse filme merece atenção! 
Mega spoilers à frente!


Li de tudo sobre esse filme e confesso que demorei a assistir porque odeio o Ben Affleck (que acabou sendo uma bela surpresa de atuação). Depois de ler um debate sobre o filme ser feminista ou machista e a Mari do Lugar de Mulher escrever sobre ele, então me convenci de que precisava assistir esse drama de 2h30. Amei e acho que pela primeira vez discordei da Mari.

Esse é um filme sobre vingança, mais especificamente, sobre uma mulher se vingando do marido. Isso podia dar muito errado, a personagem podia ser apenas uma louca, ou então uma vítima coitadinha. Mas Amy é muito mais. Ela é muito inteligente, cuidadosa, fria. Vibrei com cada detalhe bem pensado do seu plano para se vingar do cara que “matou ela”.

Amy era como muitas mulheres, estava se sentindo presa em um casamento infeliz. Seu marido tinha um caso com uma aluna muito mais nova que ele e ela foi se sentindo cada vez pior, mais sufocada, menos ela mesma. 


O espectador vai recebendo as informações aos poucos. No começo do filme, nós temos dois pontos de narrativa: Nick (Ben Affleck) percebendo que sua mulher desapareceu e agindo como alguém que não sabe o que aconteceu, mas com um jeito bastante suspeito de homem que quis se livrar da bitch com quem era casado; a segunda narração é o diário de Amy, onde ela se mostra uma mulher com medo, agredida pelo marido, alguém que sentiu a necessidade de comprar uma arma para se proteger, que termina o diário dizendo que o marido pode matá-la a qualquer momento.

O filme segue com uma revelação linda: o desaparecimento de Amy foi todo planejado por ela, com tanto cuidado e inteligência que a gente fica de boca aberta diante de personagem feminina tão poderosa, tipo uma Malévola da vida real. Aí chega um dos momentos que mais amei: Amy explica o quanto Nick fez mal para ela. Incrivelmente, uma mulher precisa ainda explicar o motivo de querer se livrar de um casamento infeliz, precisa esclarecer como as pequenas coisas de uma relação machista de dominação podem passar despercebidas. A narração da personagem (que, aliás, tem uma voz linda e hipnotizante) acompanha suas primeiras horas de fuga, onde ela pinta e corta o cabelo, muda suas roupas, aluga uma casa, compra comida e come muito chocolate. Amy se libertou de ser a mulher que Nick queria, mulher que não era ela, que era infeliz. A sua vingança foi planejada para que Nick fosse preso e condenado à morte por assassinato. Para ela não era suficiente apenas se divorciar, sair de casa, até porque isso não é tão fácil, isso é impossível para muitas mulheres. Amy foi má, foi fria, foi inteligente e libertou muitas mulheres com ela.



Até que o filme tem outra reviravolta: Amy é assaltada e perde todo o dinheiro que tem, forçando uma adaptação de planos. Ela recorre a um ex-namorado que ainda era apaixonado por ela, revela algumas coisas para ele se colocando de vítima, não deixando transparecer toda a sua força. Amy usa este personagem, que é a mesma mistura de inocente-dominador como Nick, para forjar mais um evento: ela teria sido raptada por ele e mantida em cativeiro, conseguindo se libertar e matá-lo em legítima defesa. Volta ensanguentada para casa, deixando o país e a mídia morrendo de pena dessa pobre mulher frágil e violentada. 

Amy decide voltar para Nick. Essa é uma decisão dela, não é mais a mulher obrigada a ficar casada. Ao voltar para casa, ela inverte os papéis colocando Nick na posição de medo. Afinal, ele sabia de tudo, sabia que ela havia armado seu desaparecimento e assassinado o ex-namorado. Nick está consciente de toda a força e manipulação de sua mulher e fica de mãos atadas. Agora é ele que tranca a porta para dormir de noite, é ele que quer se divorciar e não sabe como. Mais que isso, está num casamento que parece perfeito para a maioria das pessoas, do qual ele não pode se livrar sem ser condenado por isso.

Muitas pessoas consideraram esta última parte uma decadência da personagem Amy, como se ela voltasse a representar um papel clássico feminino de manipuladora, controladora através de questões como sexo e gravidez. Mas, na verdade, não acho que importa muito como ela tenha “aprisionado” Nick no casamento, e sim a própria inversão de papéis. Não há vingança maior do que colocar um homem no papel da mulher, como fraco, violentado, com medo, encurralado. Clap, clap, Amy!