quarta-feira, 20 de maio de 2015

a bendita autoestima

A coisa mais importante da minha vida foi ter vencido a minha baixa autoestima. Tudo mudou, eu sou mais feliz, mais forte, uma pessoa melhor pra mim e para os outros. Se sentir bem na própria pele é tudo que a gente pode querer conquistar na vida, porque depois disso o resto fica muito fácil. É um processo longo e difícil e não é igual pra todo mundo, mas vou tentar contar aqui o que eu fiz e passei pra chegar nesse momento "paz e amor" comigo mesma.



Como a maioria das meninas, eu passei a adolescência me odiando. Eu me achava feia, gorda, burra, inútil, alguém que não merecia e não recebia amor, que não seria nada na vida, um fracasso. É pesado lembrar o quanto eu me odiava, mas era assim mesmo e sei que eu não sou a única guria que passou grande parte da vida com a autoestima arrastando no chão.

Meu maior problema era me achar gorda, mas emagrecer também adiantou de nada. Eu nunca me vi magra, nem em momentos que eu realmente fui magra. Eu diria, então, que meu problema não estava exatamente no tamanho da minha bunda e nos pneus na minha barriga.

Eu me achava burra também. Eu via as minhas amigas tirando notas mais altas que eu no colégio e eu me sentia medíocre perto delas. E meu namorado, então, ele também era mil vezes mais inteligente que eu. Ele lia mil livros por ano, entendia tudo, discutia sobre tudo. Além de todo mundo na volta dele só falar pra ele o quanto ele era incrível, inteligente, lindo, querido, e me falarem o quanto eu tinha sorte de ser namorada dele. E eu me apegava a essa sorte grande que eu tinha tirado e morria de medo de perder meu troféu.

Eu tinha também um outro dilema: eu achava que não tinha amigos de verdade. Mesmo rodeada de pessoas, eu sentia que eu não fazia diferença nos grupos, que eu era substituível. Claro, alguém com a autoestima tão baixa quanto a minha só pode pensar que nada tem a acrescentar aos amigos.

Ok, vamos lá, criatura, vamos superar essas merdas.



A primeira delas foi a burrice. Isso mudou na faculdade. Eu tive sorte de estudar algo que eu realmente gostava e entendia. Eu estudei muito, escrevi muito, tirei ótimas notas, aprendi a escrever artigos e pesquisar e não quis mais parar. Aprendi a valorizar minha escrita, minha produção, também porque tive uma professora incrível que depositou uma confiança enorme em mim. Mas eu aprendi, principalmente, que inteligência não tem nada a ver com notas e que a gente pode  (e deve) desvincular isso de uma instituição.

Ok, primeira neura vencida: eu sou inteligente!

Em relação aos amigos, eu lembro de ter mudado algo em mim quando morei fora do país. Passei um ano em Dublin e recebi mil mensagens de amigos toda semana dizendo o quanto eles estavam com saudade de mim. Isso me surpreendeu muito, porque eu tinha aquela lógica infalível de que eu era substituível. Mas olha que a galera sentiu minha falta. E me disseram isso mil vezes! E eu fui obrigada a largar essa teoria super bem elaborada de que ninguém me amava, tive que admitir que eu era uma boa amiga, uma amiga importante pra muita gente.

Segunda piração adolescente superada: não sou substituível, meus amigos me amam!

A última e mais difícil foi a aparência. Essa é uma superação diária, mas considero que agora estou super bem em relação a isso pela primeira vez na minha vidinha. Além de ser a mais difícil de superar, é a mais complicada de contar como eu consegui, mas vou tentar (claro, porque o texto tá tri curto e ainda vou escrever 200 parágrafos, MUAHAHAH!).

O momento mais crítico em relação a minha aparência foi o ano do meu casamento. Se mulheres já sofrem com padrão de beleza em qualquer momento da vida, imagina no casamento!! É muito foda. Noiva tem que ser magra, o dia do casamento tem que ser o dia na vida que tu tá mais linda, mais maravilhosa. E tu ainda tem que usar um vestido branco!! E tirar mil fotos!! Fotos que vão te assombrar pro resto da vida se tu não tava absolutamente diva, ou seja, magra. Eu casei em outubro, mas comprei meu vestido de noiva em fevereiro, logo depois de uma dieta louca pra ficar magra pro verão (ai, ai). Portanto, comprei o vestido em um daqueles momentos de magreza (mesmo ainda achando que eu era uma bola rolando por aí), um daqueles momentos que não duram muito tempo. O vestido ficou certinho, tendo ainda que soltar 1 cm pra servir melhor. O meu plano era emagrecer esse 1 cm. 



Pois então, foi um ano inteiro em pânico. Fiz as dietas mais loucas, corria todos os dias, fazia drenagem linfática duas vezes por semana. Chorava de desespero pensando que eu seria a noiva mais feia e gorda que já existiu no mundo. Por mais que eu fizesse esses dietas todas, eu não conseguia emagrecer. Claro, com 26 anos a gente não emagrece mais como com 18. Meu corpo não conseguia mais, não diminuía e meu medo de comida só aumentou. Até que tudo que eu comia, por acaso me deixava enjoada. Enjoada a ponto de vomitar. Aham, comer me dava vontade de vomitar, vontade mesmo, não é que nem aquilo que se vê em filmes com adolescentes bulímicas que colocam o dedo na garganta pra vomitar. Não, eu vomitava "naturalmente". Felizmente eu me dei conta do horror que isso era. Chegou o dia do meu casamento e eu tinha conseguido manter o peso de fevereiro, mas casei de tomara-que-caia com meus bracinhos gordinhos e minhas dobrinhas nas costas (que escândalo!!), bem orgulhosa, bem linda, um pouco bem resolvida.

Tomei a decisão consciente de nunca mais fazer dieta. Faz um ano e meio que cumpro isso e me fez muito bem. Claro, pra quem não sabe nada sobre mim e só vê os quilos que eu ganhei nesse tempo, vai obviamente pensar que eu só piorei. Até visualizo umas criaturas dizendo "bah, a Ananda embarangou!". Mas uma das coisas mais legais de realmente se sentir bem consigo mesma é cagar pra essas pessoas e até sentir pena de tanto recalque.

Não foi fácil cumprir essa promessa. Eu realmente engordei muito. Mas aprendi com a Sophie Deram que isso é normal, que depois de passar anos e anos fazendo dietas mil, o corpo entende que tem que comer tudo que vê pela frente. E realmente o meu apetite era infinito, eu comia muito porque tinha mesmo muita fome. Aí, quando comecei a engordar e passar do tamanho que me parecia tolerável pra mim mesma, aí é que começou o trabalho árduo de se amar com gorduras e estrias novas. Mas eu confiei no meu corpo, confiei que era isso que eu precisava. Foi tipo uma desintoxicação de dietas. Depois de um ano sem dieta, meu apetite diminuiu naturalmente e eu, finalmente, aprendi o quanto eu preciso comer pra me sentir bem alimentada e feliz.

A medida em que eu ia engordando, eu vi que nada mudava na minha vida. Todas as pessoas (que realmente importavam) gostavam de mim do mesmo jeito, eu ainda podia fazer as mesmas coisas, ir aos mesmos lugares, estudar, trabalhar, me maquiar e me sentir bonita. Claro que comprar roupa ficou mais difícil, mas isso também me ajudou a ser menos consumista, a pensar mais sobre cada artigo de roupa que eu comprava, a procurar lojas e estilos que realmente tinham a ver comigo, e não simplesmente comprar uma roupa porque tava na moda e me servia. Eu, acima de tudo, aprendi a me respeitar.


Tem muita gente ao nosso redor que faz com que a gente se sinta menos. Eu tive uma amiga que se achava tão bem sucedida que chegou a me dizer que "um dia eu ia chegar lá" como ela. Essa galerinha escrota sempre vai existir e sempre vai falar merda. A gente tem que saber rir da cara delas e ser feliz com as nossas escolhas. 

A gente não pode controlar o que os outros pensam de nós e não devemos nos preocupar com isso. Se a fulaninha lá acha que tu é gorda/feia/burra, que diferença isso faz na tua vida?? NENHUMA! Saber disso é libertador!!

As coisas que eu passei e a forma como superei são particulares, têm a ver com a minha trajetória de vida e alguém pode estar se perguntando como que vai superar essas coisas se baseando em um relato tão pessoal. Bom, existem algumas outras decisões bem práticas para se sentir melhor consigo mesma:

- para de dizer como tu ficou um monstro gordo e podre em cada selfie que tu tira com as amigas. Mesmo que tu pense isso, fica quieta, aguenta. Uma hora isso vai ser verdade, tu realmente vai olhar pras fotos e não se importar tanto se teu braço ficou grosso, tua bochecha redonda, tuas olheiras escuras.

- não lê mais nenhuma revista "feminina", tipo Nova, Cláudia, Boa Forma etc. Isso é tudo lixo, não pode nem dar uma espiadinha na fila do supermercado. Corta isso da vida!

- em vez de revistas que te dizem que tu é horrível e precisa emagrecer 5 kg em uma semana, procura blogueiras que sejam parecidas contigo. Procura as tuas referências, aquelas que te fazem bem, com as quais tu te identifica mesmo. Tu não tem que te adaptar, é o conteúdo dessas revistas e blogs que precisam ser adaptados pra ti!

- precisamos nos livrar também dessas pessoinhas tóxicas da nossa vida. Não que tu necessariamente precise mandar todo mundo tomar no cu (se quiser pode mandar também, pode ser bem libertador!) e se fechar em casa com teus gatos e dois amigos. Mas ninguém precisa aguentar "amigos" que fazem a gente se sentir mal. Pensa assim: quando tu fala com a pessoa x, tu fica mal contigo mesma? Tu começa a repensar as tuas escolhas e acha que cometeu muitos erros na vida? Hmm, essa pessoa não é legal pra ti. Larga ela. Não é só ex-namorado(a) que existe, tem ex-amigo(a) também.



- tira um tempo pra ti mesma e saiba aquilo que te faz feliz de verdade. Para algumas pode ser ir numa festa e dançar até às 5 da manhã, pra outras pode ser tomar um chá e ler um livro de poesia. Não importa, procura aquilo que faz sentido pra ti. Aqui não tem errado ou certo. Te dedica a ti mesma do jeitinho que tu quer.

- não te compara com ninguém. No segundo que um pensamento assim surgir na cabeça, joga ele fora. Quando tu pensar: ai, mas essa pessoa fica mais bonita com cabelo curto do que eu... Não! Tu vai pensar no lugar qualquer coisa legal sobre ti. E não me venha com "ah, mas não tem nada legal em mim", porque tu sabe que isso é mentira, é só não ter medo de se esforçar e admitir uma qualidade.

- faz um exercício físico que te agrade. Não com o objetivo de emagrecer, é pra se sentir bem, é pra perceber que teu corpo é lindo e merece amor. Se exercitar é dar carinho para o corpo. Pode ser qualquer tipo de exercício. Eu, por exemplo, odeio muito academia, me sinto sufocada naquele ambiente. Eu gosto de correr na rua, no horário que eu quiser, com a roupa mais velha que eu tenho, ouvindo as minhas musiquinhas, e depois ainda ficar sentada no parque pensando na vida. Essa é a minha rotina, ela funciona pra mim. Procura qual funciona pra ti. Sinceramente pra ti e não baseada no que outras falaram que é legal. Pode demorar pra achar isso, mas vai tentando e não desiste! Pode ser dançar, correr, caminhar, andar de bicicleta, patinar, fazer yoga, rebolar sozinha em casa, pole dancing, realmente qualquer coisa!

- faça da frase "não sou obrigada" o lema da tua vida! Porque, miga, tu não é obrigada!



- toda vez que alguém te contar alguma conquista própria, não pensa que tu também deveria ter essa mesma conquista. Quando alguém te contar que trabalha 60h por semana e ganha 15 mil por mês (exemplo bem de vidinha de profe), não pensa que as tuas horas a menos e os muitos mil a menos na tua conta estão errados. Pensa se o quanto que tu trabalha e o quanto tu recebe são decisões tuas e se te fazem feliz e fazem sentido nesse momento da tua vida. Ninguém precisa trabalhar o mesmo número de horas, ninguém precisa ganhar o mesmo salário.

- lembra que a propaganda da Dove é uma enganação. Tu não precisa escolher se sentir bonita. Beleza é muito subjetivo e não faz diferença nenhuma na vida. Não centra as tuas conquistas em se sentir bonita, mas se sentir bem, leve, tranquila com o que tu vê no espelho.

- leia mais sobre feminismo. Tu não precisa ser uma ativista, ter uma tatuagem do símbolo feminista no pulso (que nem eu, hihi), brigar com uzomi, discutir com a família no almoço de domingo. Tu pode te aproximar disso com mais calma, só pra tentar incorporar pra ti mesma algumas ideias simples, te livrar um pouco de padrões e lembrar o quanto tu realmente não é obrigada.

- faça da tua casa um lugar aconchegante. Atenção aqui: aconchegante não é o mesmo pra todo mundo. Eu gosto de casa cheia, quadros e posteres por todas as paredes, quinze mil luzinhas e abajures, muitas cores e um pouco de bagunça. Tu pode gostar de uma casa super clean, toda cinza, não tem problema, desde que isso seja realmente o que tu quer.



- compre menos. Parece uma dica budista, eu sei, mas é bem séria. Quando a gente compra muito a gente só se vê como consumidores, nosso valor é medido pelo que possuímos. E adivinha se isso acaba um dia? Claro que não, pode comprar 500 milhões de coisas pra sempre que nunca vai ser suficiente. Teu valor não tá nas coisas que tu possui, mas o que tu faz com elas. Quando a gente sai dessa piração de comprar sem parar, a gente toma decisões mais cautelosas sobre o que comprar e sabe melhor o que a gente realmente precisa. Um pouco de desapego material faz muito bem!

- o mais importante de tudo (e que tá presente em todos os outros tópicos aí em cima): saiba aquilo que te faz feliz. Parece bobo e simples, mas muita gente não conhece seus próprios gostos. Isso é importante desde que roupa tu vai usar, a que emprego tu vai ter e que tipo de relacionamentos tu quer. Quando a gente sabe o que quer, ninguém vai nos ameaçar dizendo que a gente devia fazer isso ou aquilo, porque a gente sabe que quer fazer aquela outra coisa ali. Por isso é importante também se livrar de padrões normativos, porque aí a gente se sente mais livre se quiser estudar até os 50 anos e não ter salário fixo, se a gente não quer ter filhos, se a gente quer continuar bebendo cerveja e sendo gorda mesmo. As tuas escolhas são só tuas, são lindas, são certas pra ti e é isso que importa!

Nada disso é simples, é uma luta diária contra o mundo e, especialmente, contra nossos próprios pensamentos cristalizados. Mas vale a pena. Realmente se amar e se valorizar é a maior conquista de todas, a maior revolução que existe! Eu acredito que esse amor próprio legal (não egoísmo e egocentrismo) pode mudar o mundo.

We can do it!


segunda-feira, 18 de maio de 2015

machismo gore

Amo filme de fantasia e horror. Gosto daqueles bem podres e exagerados, com tripas explodindo e baldes e mais baldes de sangue por todos os lados. Gosto de filme de zumbi, demônio, espírito, vampiro e qualquer outra criatura grotesca. Adoro sobrenatural no cinema, histórias fantásticas e ficção científica. Eu e meu marido fazemos maratonas de filmes gore e conseguimos assistir quase todas as nojeiras mais absurdas. Só não dá pra aguentar sexismo, aí fica difícil, aí dá nojo.


Talvez seja novidade para alguns o quanto o mundo nerd é machista. Normalmente carinhas que se identificam com algo dessa "cultura" nerd vem com aquela história de friendzone, o velho mimimi de gurizinho que reclama que é super querido e fofo com a guria e ela só quer ser amiga dele. Tadinho, né, ninguém avisou pra ele que ser "querido" não significa porra nenhuma e ninguém é obrigado a transar contigo porque tu é legal. Friendzone não existe, gente, isso é invenção de machinho.

É também do mundo nerd diversos jogos on-line de rpg. Já viram os depoimentos de gurias que receberam até ameaça de morte e estupro por terem ganhado alguma batalha lá dentro do jogo contra um cara? Ahan, isso existe e muito! 

Pra quem é de Porto Alegre, começou sexta passada o Fantaspoa. Eu amo esse festival, espero por ele todos os anos, assisto todos os filmes que posso, tenho guardado os livrinhos da programação dos últimos 5 anos. Agora tá super pop, enche de gente e às vezes é difícil conseguir ingresso no fim de semana de estreia. Eu acho linda essa participação toda, muita gente envolvida com cinema, prestigiando um evento que envolve esse gênero de filme que eu tanto gosto. Mas eu sabia que esse ano alguma coisa ia ser diferente. Depois que a gente se cerca de armas feminazi, não dá mais pra tolerar nada.



O Fantaspoa é organizado por caras, sempre teve um público maior de homens e várias vezes eu me senti intrusa na fila pra assistir Tokyo Gore Police, por exemplo. Afinal, mulher tem medo, mulher tem nojo, mulher gosta de comédia romântica. Ainda mais eu que to lá bem feliz esperando pra ver zumbis devorando estômagos usando um vestido rosa e uma sapatilha florida. Tem uns caras que me olham e devem pensar que eu to perdida ali, ou fui arrastada pelo cara do meu lado.

Esse contexto todo de machinhos fazendo festivais para outros machinhos pode produzir muita merda. Especialmente na seleção de filmes. Aqueles filmes sexistas que não entram na minha própria seleção dos meus festivais dentro da minha casa, todos eles estão lá no Fantaspoa.

Eu falei sobre o friendzone porque acho que essas coisas estão muito ligadas: os caras se acham vítimas que não conseguem namoradas, aí, quando eles têm o controle sobre o corpo feminino, usam como bem entendem, abusam, se sentem poderosos expondo seios a cada 5 minutos, escravizando mulheres, retratando todas como burras e submissas. Isso ofende todas as mulheres, mas mais ainda aquelas que também se consideram nerds, que também fazem parte desse mundo de fantasia e não conseguem um micro espaço de inserção. Esse mundinho não é só feito de homens.



Os verdadeiros horrores desse fim de semana (quase 14h de filmes e curtas entre sexta e domingo) foram dos mais explícitos aos mais banais:

O curta Nightsatan and the loops of doom foi um dos piores momentos: mulheres escravas que passam peladas o tempo todo, ou enterradas na areia, gritando e explodindo; um cara escroto em busca de uma mulher de verdade (sim, além de tudo ainda teve piada transfóbica!!) para ser sua, independente da vontade dela; mulheres bebendo e se banhando em líquidos "leitosos".



Teve também um cara vendendo livros e quadrinhos na entrada do cinema usando uma camiseta do filme Ninfetas do sexo selvagem, se sentindo assim todo poderoso e escravizador de mulheres vadias. 

O curta nacional Pray (nacional, mas todo narrado em inglês, bleh) que não fez nenhum sentido, foi muito chato de assistir e ainda, no meio das cenas confusas meio de terror, aleatoriamente aparecia uma mulher pelada, assim como quem não quer nada, só pra garantir uns peitos pros machinhos.



Um dos organizadores do evento também achou super engraçado que o diretor do filme de estreia contasse como conheceu a mulher dele: um cara metaleiro que teve que se fingir de ominho padrão e ir em uma festa comum bem limpinho e arrumadinho para conseguir uma namorada, porque não tem mulher que gosta de metal, claro. História engraçadíssima. Aliás, organizador que quer chamar mais atenção que o diretor convidado fazendo piadinha machista dá vergonha alheia.


Assisti muita coisa boa, curtas incríveis, em especial dois nacionais: Caçador (dirigido por Rafael Duarte e Taísa Ennes Maques) e Nua por dentro do couro (dirigido por Lucas Sá). Vi todas as coisas grotescas que me divertem, revi uma galera que vejo todo ano no festival. Mas não posso mais tolerar uma seleção de filmes que não pensa sobre questões de gênero, que considera linda a exploração do corpo feminino, num sentimento de vingança de machinhos da friendzone.

O cara participa de toda uma cultura alternativa, foge de padrões normalmente na forma de se vestir e nos gostos artísticos, mas cai no machismo. Até nos meios mais underground a mulher ainda é objeto do gosto e prazer masculino. Até num gênero que quebra com hegemonias, que ressignifica arte e cultura de massa, ainda a exploração da mulher não é questionada. Chega, machinhos de qualquer tipo de gosto e cultura, o corpo da mulher não é de vocês!

domingo, 17 de maio de 2015

tá olhando o que, ein?

Sempre haverá um cara escroto na rua que vai te encarar quando tu tiver passando.  Até que não haja. Em geral, quando isso me acontece, reajo da mesma forma: finjo que não vi, que não escutei, que não foi comigo ou que sou louca e apenas imaginei ter sentido o olhar ou escutado as palavras de abuso e humilhação. Mesmo sabendo o quanto baixar minha cabeça me torna uma parte de nada no mundo; mesmo sabendo que, quando finjo não ouvir a piada infame, mantenho a ordem de uma certa prática de agressão, ainda assim me mantenho calada, pra "evitar" o confronto, pra evitar responder pra um louco que possa me perseguir depois que eu acertar a cara dele. 


Mas esse tempo terminou hoje. Assim como termina hoje a prática dessas breves violências implicadas na minha volta do super no domingo à noite. Assim como termina hoje meu medo de estar sozinha num táxi na volta de um bar, de pegar o ônibus de noite ou caminhar em uma rua menos movimentada. Hoje decidi encarar o escroto que me encarou. E olhando no fundo de seus olhos macholas perguntei: "tá olhando o que?" O cara se desmanchou, foi sal na lesma. Acho que ele nem computou a minha fala, a minha voz. Ele não entendeu. Ele virou a cabeça pro outro lado. E continuei: "olha só, tu devia ter vergonha, tu é um lixo..." 


Depois do meu momento glorioso, obviamente fiquei com um pouco de medo. E se ele tivesse corrido atrás de mim? E se tivesse me dito mais coisas? E se tivesse me agredido mais ainda? Mas ele não disse. Não fez. Minha atitude desconstruiu o esperado e, por um segundo, pude construir uma nova interação, em que não era mais eu aquela que devia baixar a cabeça, fingir não ver, seguir em frente com meu medo.

Essa vinheta toda não é pra dizer que temos que sair por aí dando na cara dos caras, nem entrando em bate bocas. Mas é um alerta. Um alerta pra todas as situações da vida, daquelas mais simples, em que a gente deixa pra lá, em que a gente decide não entrar em "confronto" pra não se "incomodar". Quando aquele colega no trabalho diz "a patroa lá em casa é quem dá a palavra final"; ou quando aquela amiga vem te dizer "como tu tá bonita, tá mais magra"; ou mesmo quando um parente decide debater feminismo contigo, dizendo que é "contra as feministas radicais". A gente sempre pode mudar a interação. A gente sempre pode desconstruir os óbvios cotidianos. E o medo? Esse também pode mudar de direção. 


segunda-feira, 11 de maio de 2015

dad bod: mais um absurdo sexista

Estão dizendo por aí que tem uma nova moda para os homens: dad bod, ou dad body, corpo de pai, ou, ainda, corpo de tiozão. Abaixo temos uma perfeita demonstração visual do tal dad bod:



A pessoinha que "inventou" essa "moda" definiu esses caras assim: vão a academia de vez em quando, gostam de beber cerveja aos fins-de-semana e não dispensam comer oito fatias de pizza de uma vez. Essas foram as palavras traduzidas do texto de Mackenzie Pearson, uma estudante universitária de 19 anos.

Qual o problema disso? Bom, o problema não é o que isso diz sobre o corpo masculino, mas sobre o corpo feminino. Essa moda não surgiu agora, a Mackenzie só escreveu sobre isso recentemente, mas homens sempre puderam ter os seus dad bods e isso ser considerado bonito. Novamente, o problema não está no fato desse tipo de corpo ser considerado bonito, mas o que está sendo dito sobre ele em relação às mulheres.

Alguém já ouviu que é legal, sexy, tá na moda ter corpo de mãe? Nunca!! As mulheres recebem esse tipo de incentivinho aqui:



Tenha três filhos, mas continue SA-RA-DA e GOS-TO-SA! Nada de estrias, peles, dobras, gorduras, seios caídos. Olha essa mulher aí em cima, qual é a tua desculpa, hein, hein??

Agora, homem pode beber cerveja, comer pizza e exibir sua barriga e seus braços flácidos com muito orgulho! E ainda estar rodeado de mulheres magras que não saem da academia e não sabem o que é uma pizza!



O dad bod continua reforçando a desigualdade entre as expectativas e padrões de beleza para homens e para mulheres. Pra gente ver como isso já existia e já era ridículo, vamos pensar quantas comédias românticas tem casais em que o homem tem um dad bod e a mulher é magra/lisa/alta/branca??


tá, usei o Adam Sandler duas vezes... mas ele é um ótimo exemplo, porque além de dad bod, desculpa, gente, mas ele é um cara muito feio!



Vamos dar uma lida em uma das razões principais de Mackenzie gostar do tal dad bod: "Nós não queremos um cara que nos faça sentir inseguras com o nosso corpo. Nós já somos inseguras o suficiente. Nós não precisamos de um cara perfeitamente esculpido do nosso lado nos fazendo sentir pior." Olha que interessante, então ela mesma diz que a função desse carinha meio gordinho do lado da guria magra é fazer ela se sentir melhor. Ou seja, a mulher vai continuar buscando aquele tal padrão de magreza e beleza, vai continuar sendo insegura (afinal, somos todas inseguras segundo a visão reduzida de mundo de uma menina de 19 anos), mas ela vai ter o dad bod do lado dela fazendo ela parecer mais magra. Alguém tem coragem de dizer que isso não é problemático?

Um equivalente feminino do dad bod não apareceria nunca em revistas por aí, jamais seria um corpo midiaticamente desejado, nem por homens, nem por mulheres. Imagina se no lugar do Leonardo DiCaprio, fosse a namorada dele que tivesse aquela barriga:


Ele é sexy, ele é um homem maduro, ele tá na moda. Ela precisa continuar sendo suuuper magra, provavelmente não o acompanha nas muitas latas de cerveja e na alimentação precisa para se conseguir um redondo e flácido dad bod. Ela deve fazer academia, correr, fazer pilates e dieta detox. Se nessa foto a gente visse os corpos trocados, as notícias seria outras, do tipo: Leonardo DiCaprio namora uma gorda! DiCaprio fotografado na praia com mulher fora de forma!
Imagina o escândalo!!

Óbvio que não estou dizendo aqui que os caras precisam então abandonar seus dad bod e pirar nas academias. O problema é a exaltação desse corpo masculino e o continuo fat-shaming diante do corpo feminino.

Nenhum homem que carrega por aí seu dad bod precisa de aprovação em massa como está acontecendo. Ele já sabe que sua barriga de cerveja e seus braços moles não interferem em nada na sua vida, ele continua pegando minas lindas e magras que se acham gordas e feias. Isso não é uma moda, é mais um sintoma histórico do machismo, que faz as mulheres sempre acharem que são menos do que os homens, e estabelecerem comparações e nunca ficarem satisfeitas consigo mesmas.

Chega, sociedadzi, tanto sexismo tá dando nojo!


quarta-feira, 6 de maio de 2015

o que tem de errado na propaganda da Dove?

Muitas pessoas compartilharam e choraram lágrimas de alegria e emoção com a nova campanha da Dove. Pra quem estava numa caverna nas últimas semanas e não viu, taí:


A ideia era que as mulheres deveriam escolher por qual porta passar: uma que diz bonita e outra que diz comum. A moral da história é: escolha bonita. Mas o que tem de errado nisso? O problema tá na Dove e em qualquer outra dessas campanhas publicitárias que parecem incentivar uma imagem positiva de corpo. (Spoilers: elas não incentivam coisa nenhuma!)

Claro que entre as propagandas escrotas que temos por aí (vide Itaipava e outras marcas de cerveja), a Dove e cia trazem uma ideia diferente, não objetificam a mulher e realmente fazem a gente se sentir bem no fim do vídeo. Por isso não condeno totalmente não, apenas acho que temos que ter um cuidado a nos entregarmos de corpo e alma a propaganda. Afinal, ainda é uma empresa, ainda é propaganda, ainda é a tentativa de vender um produto.



Não importa que produto seja e que ideia a propaganda passa, em resumo o objetivo é fazer a gente comprar alguma coisa, aspirar uma ideia, um ideal, é nos fazer pensar que sem aquele produto não vamos atingir aquela vida linda que a propaganda nos mostra. Portanto, antes de sair compartilhando vídeos da Dove ou qualquer outra empresa, dê um passinho pra trás e pense.

Para mim, existem dois pontos principais e mais problemáticos nas campanhas publicitárias desse tipo: 

1 - Mostram as mulheres como únicas culpadas pela sua própria infelicidade:

Quem escolhe a porta "Comum" e é criticada por isso? Quem faz um retrato falado de si mesma como uma pessoa feia e cheia de imperfeições? Quem tem medo de tirar a canga na praia? Quem, quem?? A mulher!! TAN DAN!

A ideia do comercial, então, é que nós nos colocamos pra baixo, nos achamos feias e sem direito de ser feliz. Não são as propagandas com corpos de modelos cheios de photoshop, não são os padrões de beleza, não são as atitudes machistas, não é a sociedade toda ao nosso redor. Somos nós. E o poder de se sentir bonita é todo nosso! Basta querer! Ah, e comprar produtos da Dove.

Nos dizem nessas propagandas que as mulheres são vítimas de si mesmas. Nós nos encolhemos no nosso ódio sobre nossos corpos e, através de vídeos como o da Dove, devemos ter uma super epifania sobre as imposições que nós mesmas nos colocamos. Nós precisamos dessa propaganda para esse momento mágico, precisamos daquelas mulheres (quase) parecidas com a gente, da música emocionante, das lágrimas para deixar de nos odiar. 



Toda essa catarse é clássica da propaganda e videozinhos bonitinhos da Dove não são diferentes do que qualquer propaganda de carro. Mas campanhas "body positive" criam uma inversão bem esperta: não é a propaganda, o marketing que enchem todo mundo de expectativas irreais e nos fazem infelizes, somos nós mesmas, as mulheres as culpadas por isso. E a propaganda é que nos salvará! TAN DAN!! (momento de epifania!!)

2 - Apoiam todo o empoderamento feminino na beleza:

Todas essas campanhas têm uma mesma conclusão: sinta-se bonita do jeito que tu é. Poxa, legal isso, hein? Por que essa gente tem que ver problema em tudo? Ai, feminazis!!

Me diz uma coisa: o que acontece naqueles dias em que tu não está se sentindo assim tão bonita como a Dove disse que tu tem que se sentir para ser feliz?

Esse é o momento exato em que os publicitários apostaram, esse é o momento que tu vai precisar deles, do vídeo emocionante e de um creme novo. Ou seja: para continuar vendendo esse tal produto, publicitários precisam que tu continue pensando que tu está "desempoderada", mesmo que a propaganda tenha como objetivo te "empoderar". Entendeu o esquema?



Mas e se pensarmos que empoderamento não tem nada a ver com beleza? E se empoderamento fosse algo que vem da gente e não de propagandas, vídeos, livros de autoajuda? (Spoilers: é assim mesmo que empoderamento funciona!)

Eu admito a minha própria culpa naquilo que estou aqui criticando. Tenho dias que to me sentindo um lixo, uma horrorosa e penso que preciso de uma mudança de visual. Corto o cabelo, compro um perfume, um creme, um esmalte, um vestido novo. Todo mundo faz isso, é assim que tem funcionado esse nosso mundinho. Mas a questão é: quando eu faço isso, estou ciente do porquê? Estou ciente do que esses rituais de beleza representam pra mim e pra sociedade? É aí que a gente precisa pensar um pouco para exercitarmos mais a nossa liberdade de escolha. As propagandas e a mídia não são todo o mal do mundo, não plantam sementinhas da tristeza na nossa cabeça e nos controlam sem que a gente queira. Mas tem que fazer uma coisinha que muita gente acha chata: pensar e criticar.

Não há nada de errado em querer se sentir bonita, escolher se sentir bonita, ou se aceitar como bonita, mas a gente não precisa deixar a beleza ser a causa do nosso (des)empoderamento.