quinta-feira, 29 de outubro de 2015

o que caras legais podem com o feminismo

Há tempos vários amigos e colegas, caras que começaram a pensar sobre violência, sexismo, desigualdade e que, de certa forma, querem rebater vários sulcos de uma cultura machista me perguntam, após longos debates sobre violência, desigualdade, opressão: então, o que eu posso fazer com o feminismo? O que eu posso fazer pra ajudar o feminismo?

Tu, como um cara legal, tem consciência de que não existe isso de "ajudar o feminismo". O feminismo não precisa da tua ajuda. E tu sabe disso. Por isso, esse é um primeiro aspecto importante a se considerar quando se decide pensar sobre uma luta que certamente não é tua: ela existe, é forte e combativa, não precisa da tua ajuda. 

Mas existe algo muito importante que, certamente, um homem que deseja se questionar e se reconhecer como um privilegiado que, como corpo social, exerce poder e violenta, é saber que o feminismo nos ensina muito; o feminismo tem uma potência transformadora. Sendo um cara legal, com o feminismo se pode muito, muito mesmo! 


Com o feminismo tu, que te considera um cara legal, pode conversar com teus amigos sobre o quanto é absurdo um deles virar o pescoço na rua pra olhar pro corpo de uma mulher. Ou de ver um cara passar a mão em uma mulher no ônibus e fingir que não foi contigo. Tu tem a obrigação social de jamais deixar pra lá todas as formas de machismo que operam nas interações da tua vida, das mais sutis e cotidianas às mais violentas. 

Mas muito cuidado! Nenhuma mulher está te pedindo nada. Nenhuma mulher precisa da tua ajuda.

O que uma mulher quer ou precisa não tem absolutamente nada a ver contigo: com a tua suposta proteção, defesa ou cuidado. Não, não. Não se engane. Se tu é um cara legal, debate com outros homens esse tema. Mostra pra eles que o mundo pode ser realmente diferente e que vocês, juntos, podem ACABAR COM ISTO:

1. Regular a vida, as escolhas, os direitos da mulher - sobre o corpo, a saúde, as formas de ser;

2. Sentir-se absolutamente tranquilo, achar natural, com o fato de abusar, violentar, assediar uma mulher: com olhares, palavras, agressões físicas e todo o tipo de relação simbólica que constranja, oprima, rebaixe, diminua, destrua a mulher;

3. Achar que sexo é biológico e que, por isso, homens são isso e mulheres aquilo; 

Isso só pra começar. 

Esse vídeo é ótimo. Não adianta se achar um cara bem legal e bem sensível e deixar passar, decidir não se "indispor".

Sabe aquele grupo do whatsapp que tu mantém com teus amigos, "Os cuecas" ou "Os fodões", em que eles ficam compartilhando fotos de mulheres nuas, falando das mulheres que eles "comeram ou querem comer" e que tu acha horrível, mas continua lá? Sai desse grupo. Fala com teus amigos, frente a frente, sobre o quanto esse tipo de interação é negativa e fortalece uma série de violências amplas - tão amplas que eles não conseguem imaginar. Mostra, pra que eles consigam imaginar, os casos de milhares de mulheres que morrem por conta de uma cultura que as objetifica. Seja o chato do teu grupo. 

Humaniza tuas relações.

Frequentemente na rua, quando passo por grupos de caras conversando, dois ou três, SEMPRE escuto fragmentos de conversas extremamente violentas e machistas. Tive o trabalho de anotar algumas que já escutei e que amigos escutaram, horrores do mundo:

"ela tava de soutienzinho preto toda se querendo"

"essa aí ou e muito santa ou é muito puta"

"tem umas que pedem"

Já reparou que caras legais quase não tem amigos homens? Muito raro ver dois caras conversando em algum lugar sem que no meio da conversa não surja algum tipo de preconceito ou machismo.  É incrível isso. Falar de mulher não é natural, camaradas. É machista e é social. Assim como carro e cerveja - numa associação breve que qualquer um pode fazer. Falar da tua chefe chata mal-comida não é natural, brincadeira. É puro machismo.  



Esvazia aquela conversa machista. Deixa seco esse campo de preconceitos e vê o que sobra das tuas relações com outros homens. Se não sobrar nada, só o silêncio, é hora de agir.

O teu corpo social é o mesmo do cara escroto que passa a mão em guria no ônibus, que diz que a menina de 12 anos do Masterchef Jr é "uma safada", que estupra uma mulher.

Teu corpo social é o do Eduardo Cunha, do Estatuto da Família, do cara que acha que uma mulher estuprada tem que fazer um B.O. antes de receber todo o atendimento que é seu direito. Teu corpo social é o mesmo do cara que estuprou essa mulher: ou seja, tu tem, obrigatoriamente, que lidar com o conflito do maldito machismo do lugar social ao qual tu pertence. Se tu ficar quieto pra evitar confrontos com os machistas a tua volta, tu te torna igual a esses machistas - é preciso lutar contra isso!

Aprender com o feminismo, cara legal, não é entrar nos debates de mulheres e achar que tem o direito de dizer qualquer coisa sobre como elas devem ser ou agir. Esquece tua atuação no feminismo. Usa toda a tua vontade pra mudar a tua RELAÇÃO com o cara mais próximo a ti. 

Quem sabe isso deixa de ser um absurdo e passa a ser uma diferença?


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

chega de abaixar a cabeça

Esses dias, eu e a Raquel (a outra escritora desse blog), passamos uma tarde linda caminhando por aí, aproveitando o sol, indo nas livrarias e lojinhas que a gente gosta, em cafés fofos que só a gente conhece, conversando sobre tudo e divando pelas ruas. Uma tarde puro amor e liberdade entre amigas lindas que se amam. Quase no finzinho dessa beleza de tarde, estávamos voltando para nossas casas e aconteceu o seguinte:


Logo na nossa frente, na calçada, um grupo de mais ou menos cinco homens conversava alto, bebia cerveja, fazia piadas e ria muito. A medida em que nos aproximamos do grupo, ficamos cada vez mais quietas e chegamos mais perto uma da outra. Os caras continuaram rindo muito, e abriram um pequeno espacinho pra gente passar por eles. Na nossa frente, tinha um corredor de homens barulhentos, que ocupavam o espaço como se fossem donos da rua e davam a impressão de serem enormes. A gente passou pelo meio deles em silêncio, encolhidas e com a cabeça baixa. Logo que passamos, levantamos a cabeça, nos olhamos e nos demos conta do absurdo que foi isso. Nós abaixamos nossas cabeças, nos encolhemos e ficamos em silêncio para passar no meio de caras.



Para a grande maioria das pessoas, esses caras não fizeram nada e nós é que fomos exageradas. Eles realmente não nos falaram nada e mal olharam pra nós. Mas o que é que fez a gente, sem combinar, agir assim diante deles? O que nos fez sentir automaticamente que tínhamos que nos encolher diante de homens? O que faz duas mulheres lindas e maravilhosas e feministas, que passaram uma tarde empoderadora andando por mil lugares, abaixarem suas cabeças e ficarem em silêncio para passar por caras??

O que nos fez agir assim foi o medo, o machismo que existe em cada momento das nossas vidas. Foram as experiências anteriores de assédio. Foi a linguagem corporal dos caras que inflaram e gritaram mais ainda quando nos aproximamos. Foi a certeza de que se a gente olhasse para um deles, nós ~daríamos~ motivo para ouvir alguma piadinha, ou algo muito pior. Foi o medo de homens mais velhos que nós, que nos olham como menininhas vadias (assim como aqueles que olham para Valentina).

Entendam bem essa situação, os caras realmente não precisavam fazer muita coisa. Eles podiam ser caras super legais. Um deles pode ser teu colega de trabalho que te admirou quando tu escreveu sobre o teu #primeiroassédio. Outro pode ser teu amigo que se acha "feministo". De repente, teu pai estava lá naquele corredor de homens barulhentos. Talvez, tu, caro homem leitor, já esteve num corredor ameaçador desses e nunca te deu conta. Não importa o quanto tu acha que ~não faz nada~. Um olhar pode ser violento, uma risada, a tua presença na rua, homem, já é uma possibilidade de ameaça para uma mulher que vive todos os dias com medo de assédio.


É isso mesmo que uma mulher passa andando na rua. E temos que continuar repetindo isso, porque muita gente ainda não entendeu a gravidade da situação. Por mais que eu e a Raquel sejamos mulheres que escrevem sobre machismo, que tentam ajudar outras mulheres com situações de assédio, por mais que tenhamos amadurecido e nos fortalecido nos últimos anos, nós ainda sentimos o medo que nos faz encolher nossos corpos diante dos homens, ainda sentimos que precisamos tentar passar despercebidas, ainda sentimos culpa por sermos mulheres.

Enfrentar assédio, fazer um escândalo, não abaixar a cabeça, nunca ficar em silêncio. É isso que devemos fazer. E esse é um trabalho diário. Todos os dias precisamos nos lembrar de quem somos e da força que temos. Precisamos nos lembrar que não somos sujas, não temos culpa, não estamos a serviço dos homens. O nosso corpo é nosso, sempre, em qualquer lugar. Chega de abaixar a cabeça.