sexta-feira, 29 de abril de 2016

o que pode uma mulher jovem hoje?

Venho pensando em um tema pra um texto faz tempo, mas não sabia como abordar. Aí surgiu o "bela, recatada e do lar". E esse vídeo da Jout Jout:


De todas as coisas que a gente podia escrever sobre a história do "bela, recatada e do lar", acho que o mais produtivo ainda é falar da reação das mulheres. Não vou me cansar aqui escrevendo mais um texto explicando o quanto aquela "reportagem" foi machista. Quem não entendeu até agora, não vai entender nunca. Mas a reação das mulheres foi uma coisa linda e merece ser falada pra sempre! Isso mostrou que machismo não passa mais mesmoooo, não tem jeito!



Quando eu vi as fotos maravilhosas das nada recatadas mulheres, saí correndo pra procurar alguma foto minha pra postar. Tenho muitas fotos absurdas, foi até difícil escolher. E aconteceu uma coisa engraçada na minha relação com essas fotos loucas: eu queria postar todas elas! Todas aquelas fotos que eu sempre quis esconder, porque eu fiquei horrível, atirada no chão com a calcinha aparecendo, a cara torta de bêbada, o cabelo suado grudado na cara, o batom borrado, tudo isso tava parecendo lindo agora! Todas as selfies que tinham dado "errado" me pareceram melhores do que a selfie escolhida para postar no Instagram! Essa campanha feminina maravilhosa fez com que eu amasse meus momentos mais podres, que eu me achasse linda nas fotos das quais eu sempre tive vergonha.

E isso me levou a reparar em uma outra coisa: tudo que é tipo de mulher postou fotos "recatadas". Especialmente gurias novas, adolescentes, ou jovens nos seus 20 e poucos. Fiquei pensando sobre mim, sobre o quanto isso seria impossível quando eu era novinha. Vejam bem, não sou velha, tenho 29, mas a diferença de quando eu tinha 20, lá em 2007, é gigante! Como bem disso a Jout Jout, a gente não podia se achar!



Eu fui criada achando que o certo era ser bela, recatada e do lar mesmo. Eu ficava feliz quando me diziam que eu era menina para namorar/casar e não só pra pegação. Eu fui uma adolescente cheia de medos. Eu queria ser invisível, repartia meu cabelo no meio como a Jout Jout mostrou e me comportava de um jeito que eu achava que era certo. Me ensinaram que algumas condutas eram coisa de "puta" e eu não queria ser puta. Eu queria ser guria pra namorar, casar, ter filhos e ser recatada. Eu realmente pensava isso, dos meus 13 anos até meus, sei lá, 26 provavelmente.

Por isso eu fico muito impressionada (e feliz!) com gurias de 18, 19, 20 que postam fotos bêbadas em festas, que saem na marcha das vadias com os peitos de fora. Claro que elas ainda enfrentam várias merdas por fazerem isso, mas hoje pode, mais do que podia em 2004, e isso é lindo! O feminismo existe há bastante tempo, mas não atingia quase ninguém como atinge hoje.

Eu não fico pensando que me arrependo do que eu fiz quando era adolescente, porque gosto da pessoa que sou hoje. Mas fico um pouco triste por esse meu "eu" do passado, por essa Ananda que se escondia, que não podia "se achar", que não fazia a menor ideia do que era empoderamento, que queria ir a festas, mas tinha medo de virar puta, que usou o mesmo cabelo e as mesmas roupas por anos, porque só usava aquilo que tinha cara de menina bonitinha pra namorar, porque era isso que ela achava que queria ser. 

Às vezes eu me percebo tendo pensamentos bem de velha mesmo. Quando vejo as roupas que as gurias de 21 usam, por exemplo! Fico chocada com a audácia maravilhosa delas! Elas podem usar barriga de fora! Elas usam batom preto! Elas pintam, raspam, cortam do jeito que querem o cabelo! Elas não se depilam! Elas escrevem textão no face! Elas se acham! Migas, me abracem, vocês são maravilhosas! Vocês sabem o que aconteceria comigo em 2008 (tipo, há menos de 10 anos!) se eu usasse barriga de fora, batom roxo e platinasse meu cabelo? Ostracismo social, no mínimo!



Hoje, vivo uma mistura de recuperar todo um tempo perdido, fazer tudo aquilo que eu sempre quis, me reapropriar do vocabulário que eu tanto temia e eu mesma me chamar de puta. Ao mesmo tempo, já tenho um distanciamento da adolescência/juventude o suficiente para complexificar esse comportamento. Uma coisa que eu aprendi nesses meus pouquíssimos anos podendo ser mais eu mesma, podendo me achar, beber e usar barriga de fora, é que muito do nosso comportamento ainda é bastante regulado por uma lógica patriarcal. Muito do que a gente acha que é liberdade, é só um novo controle dos nossos corpos.

Algo que eu considero um grande erro de análise do "bela, recatada e do lar" é dizer que quem quer ser recatada, que seja. Cada uma escolhe o que quer ser. Olha, não é bem assim. A gente não escolhe ser recatada e do lar, escolhem isso por nós. Essa liberdade de escolha não existe assim de boas, não. Inclusive, escolher não ser recatada também não é uma decisão individual totalmente baseada só na nossa vontade própria. Não concordo muito com essa história de "lugar de mulher é onde ela quiser", porque isso não é suficiente para pensar nossa sociedade. Para que lugar de mulher seja onde ela quiser, a gente precisa quebrar muito padrão ainda. Na atual condição social e histórica que vivemos, pensar que uma mulher escolheu ser recatada é bastante perigoso. Abre precedentes pra justificar abuso, por exemplo. Até porque ser "recatada e do lar" como a Veja nos propôs não significa ser dona de casa e casada apenas, mas ser submissa. Que mulher escolhe por livre e espontânea vontade ser submissa? Cuidado com o que tu chama de liberdade de escolha.



É difícil analisar nosso próprio tempo, nos deixamos cegar pela intensidade das luzes a nossa volta. Um deslocamento é algo muito necessário. Então, migas jovens maravilhosas, não sejam recatadas mesmo, não tenham medo de serem putas, não tenham o medo que eu tinha anos atrás. Mas, também, se questionem o tempo todo. Não fujam de um padrão para cair em outro. Esse é o grande perigo de ser mulher na nossa sociedade. Quando a gente nega um comportamento, às vezes estamos ainda a serviço do gozo masculino. 

Ser mulher hoje é se questionar sempre, é enfrentamento, é pensar em sororidade e empoderamento. Para mulheres de qualquer idade, óbvio, mas a gente vive numa sociedade que olha muito pra juventude, portanto, gurias jovens e adolescente, sejam mulheres questionadoras (da sociedade e de si mesmas). Uma atitude feminina ética do nosso tempo é não ser recatada mesmo. Se tu te preocupa com outras mulheres, tu deve ser a primeira a ir contra padrões opressores de comportamento. Nenhuma decisão tua é individual. Tudo que tu faz (ser do lar ou beber nas baladas) atinge as outras mulheres. Por isso que quebrar padrões de comportamento significa dar um passo atrás e se questionar sempre pra não cair nas grandes ciladas que esse mundinho machista montou na nossa frente.


2 comentários:

  1. lendo este teu texto Ananda, fiquei a pensar em como as histórias podem ser parecidas, e hoje tenho liberdade de me conhecer e tentar ser eu mesma, pois fui criada para ser aquela mocinha recatadinha certinha e tudo mais, empanturram agente de padrõezinhos, e sinto que passei criando meus filhos da forma quadrada, enfadonha, cheio de pudores e recatos, sem liberdade que nem eu conhecia que fosse possível ter. Sinto pesar sobre isto e sobre como passei muito de minha vida não conhecendo a possibilidade de poder ser eu mesma. Gosto do agora pois devagar vou me descobribdo como uma mulher que pode falr gritar, dizer o que quer...isso é bom e mesmo que já esteja com 56 anos vejo um horizonte bom, por muitas coisas que hoje me permito, e principalmente por tuas palavras que sempre ensinam uma mulher que tinha a mente parada, sem críticas, sem empoderamentos...coisa que não fiz quando deveria...e ter permitido uma vivência tão tolhida! obrigada por mais UM TEXTO inteligente e verdadeiro..

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    1. Muito obrigada pela leitura e pelo compartilhamento dos teus sentimentos também!

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