terça-feira, 28 de junho de 2016

feminismo não é sobre escolha individual

Longe de mim querer dizer o que é e o que não é feminismo. Não existe um feminismo, não existe uma única forma de ser feminista. Não existe nem ser feminista 100% do tempo. A única coisa que existe nessa vida são encontros. E só experienciamos esses encontros se saímos por aí abertos às possibilidades que certas linhas de vida nos oferecem. Portanto, feminismo não é uma coisa só. No entanto, também não é qualquer coisa/pessoa/atitude que é feminista. E isso não é "cagar regra", isso é saber que não podemos cair no "tudo vale", num "democratismo" raso. Feminismo tem que ser mais enfrentador do que isso.

Por que eu estou falando isso? Porque hoje foi mais um dia em que circulou entre várias páginas feministas a ideia de que feminismo é sobre liberdade de escolha, é sobre a mulher querer ser o que ela quiser. 


Desculpa, gente, mas se chamar de barbiezinha em um post sobre feminismo é, no mínimo, estranho. Acredito que o discurso dessa menina é bastante frágil e não dá conta de falar sobre feminismo. Então eu estou dizendo que existe um jeito certo de ser feminista?? Claro que não! Existem vários jeitos de se ocupar um espaço feminista no mundo, e esse não é um espaço fácil, não é toda hora, não é todo mundo. Ser feminista não pode ser tão simples assim.

Feminismo não é pra agradar, não é pra apaziguar, não é pra justificar escolhas. Feminismo não serve pra uma mulher magra dizer que é magra porque ela escolheu. Não é para uma panicat (como disse a menina do post) dizer que ela simplesmente escolheu ser panicat, que ela A-MA ser um objeto de apreciação masculina, A-MA malhar loucamente e fazer a sua vida girar em torno dos seus músculos bem torneados.



Existe uma incoerência muito forte no post que eu trouxe aqui quando ela fala que feminismo é política, ao mesmo tempo em que fala tanto em escolha individual. Já dissemos várias vezes aqui que NÃO EXISTE ESCOLHA TOTALMENTE INDIVIDUAL. Os iludidos que me desculpem, mas tu não escolheu ser magro porque TU gosta de ser magro. Assim como a mulher que não faz dietas e não se depila não escolhei isso porque ELA QUIS. Feminismo (assim como TUDO no mundo) é político, não é libertário-individual. Ou seja, não é sobre a minha amiga poder decidir alisar o cabelo, mas é sobre as implicações desse alisamento, de onde vem e pra onde vai essa atitude, o que ela diz sobre ti, com que (m) ela te conecta.

Feminismo não serve para uma mulher se admitir uma barbiezinha e ainda se dizer feminista. Para que (m) serve um feminismo que segue padrões de comportamento? Para que (m) serve um feminismo que não incomoda?

Com isso não estou dizendo que para ser feminista a mulher não pode se depilar, tem que ser lésbica, gorda, abortar. Isso seria um absurdo, e dizer que falo disso aqui seria, no mínimo, mau caráter. O que afirmo é que nem existe isso de SER sempre feminista, mas atitudes feministas, espaços feministas, linhas de fuga feministas. Deixar o cabelo liso loiro e cumprido não é uma atitude feminista. Isso não significa que tu vai perder a tua carteirinha da militância (que, aliás, é uma ironia muito mal intencionada da criatura ali em cima), até porque tal carteirinha não existe.

O que te coloca numa posição de feminista não é ter "decidido" ser uma barbiezinha, mas o que tu faz para além disso. A posição feminista que tu ocupa no mundo não é de mulher que decidiu ser mãe/casar com um homem/emagrecer/malhar/etc. O que tu faz no mundo para além dessa lista de padrões? O que tu desconstrói? O que tu enfrenta? Não se ocupa uma posição de feminista nessa vida sem confrontar nada.



Não se pode usar o feminismo como um escudo para proteger as tuas escolhas falsamente individuais. Tu não é barbiezinha porque tu quer. Assim como eu não acabei de cortar o meu cabelo bem curto simplesmente porque eu quis. E não estou falando de dominação, de influência, mas de discursos que nos formam. Ninguém é loira sozinha no mundo. Ninguém é gorda sozinha no mundo. Ninguém é dona de casa sozinha. Ninguém é peluda de cabelo rapado sozinha. Quando tu toma qualquer uma dessas decisões, elas funcionam em conjunto na sociedade, elas dizem alguma coisa para todas as outras pessoas. A guria magra diz pra gorda que ela é errada, mesmo sem intenção. A gente precisa ter noção do alcance dessas "nossas decisões".

Seguir uma listinha de padrões na vida é uma posição super confortável e feminismo não é sobre conforto. A gente não vai poder quebrar tudo sempre, dar na cara do patriarcado todo dia. Não seria possível viver assim. Mas a gente tem que saber que pensar em feminismo, estudar feminismo, agir de forma feminista TEM QUE ser resistir, enfrentar, deslocar. Tu pode ser loira, magra, casada com um homem, mas o que mais tu faz na tua vida? Tua vida de feminista não pode girar em torno desses comportamentos óbvios. E, mais uma vez, isso não é cagar regra, até porque o feminismo não é sobre regras, mas sobre quebras.

Quer pensar mais sobre isso? Escrevemos vários outros textos que giram em torno desse debate:


terça-feira, 14 de junho de 2016

who you gonna call?

Dia 14 de julho vai estrear nos cinemas o filme remake do "Caça-fantasmas". Agora com um elenco todo feminino. Adivinha as consequências disso? Choro de homenzinho, é claro!!

Da mesma forma que "Mad Max: estrada da fúria" incomodou por ter uma protagonista mulher super-master-hiper foda, "Caça-fantasmas" está dando o que falar desde que anunciaram o elenco. São quatro mulheres comediantes, não quatro mulheres gostosonas para agradar o olhar masculino. Ah, não, agora as feministas foram longe demais, tocaram num clássico do mundinho machinho!

Perfeito, Aline!

Vejam as poses de mulheres sedutoras sendo objetificadas!


Por que será que esse filme incomoda tanto? Hmm...

1 - ele mexeu num clássico cinematográfico macho-hetero
2 - ele tem mulheres protagonistas
3 - essas mulheres não estão lá como objetos a serem apreciados pelos homens
4 - esse filme vai ter uma legião de meninas que terão heroínas na infância, heroínas que lutam, gritam, brigam, são engraçadas, e não princesinhas

Quem se incomoda com essas quatro características listadas aqui? Homens machistas, é claro! Eles acham que tudo tem a ver com doutrinação feminazi, eles estão assustados com o movimento feminista que os impede de fazer o que bem entendem, eles têm um ódio profundo de feministas que expõem o quanto eles são uns vermezinhos chorões. Então, eles acreditam que esse filme faz parte de toda essa conspiração "politicamente correta" do feminismo, que está estragando o mundo deles.

Gente, o feminismo anda forçando as pobrezinhas das empresas a não serem machistas! Coitadas!

Só porque o filme tem mulheres ele vira uma "causa", que ainda destrói infâncias? Quando tem homens não é causa, é neutro?

Tem que, sim! Mi mi mi de feminista pode ser trocado por: análise sócio-política feminista.

Depende do que tu analisar, querido! Será que tu sabe analisar um filme sem pensar que é doutrinação feminazi, hein hein??

Meu filho, se as feministas são fracassadas, por que será que tem um filme dedicado (segunda a tua própria constatação) a elas? Hein hein??
E a criatura ainda tem a capacidade de fazer piada sobre os salários das mulheres serem mais baixos!

Se um filme só tem protagonistas homens, ele é legal, ele é ~normal~, ele é neutro, ele não tem uma pauta, uma causa política. Mas com protagonistas mulheres isso muda. Mulheres no cinema trazem junto feminismo, causas políticas, bandeiras, opiniões. Mulheres como protagonistas estragam a normalidade confortável do mundo machista. Um grupo de mulheres em papéis não direcionados a apreciação masculina deixa os homens confusos. Como assim esse filme não é pra mim, homem, ser supremo do universo?

E tem aqueles que justificam tentando dizer que não é machismo, é só a opinião deles que não se deve mexer em um clássico desses.


Por que teria necessidade de fazer um remake se o filme vai ser só uma repetição do antigo? Refilmar um filme significa fazê-lo de novo e de uma outra forma. Se surgiu a necessidade de trazer novamente essa história para o cinema, significa que ela deve ser pensada de acordo com o nosso contexto atual. Prefere os antigos? Assiste os antigos! Mas querer que a refilmagem seja igual, com o Bill Murray e cia, é querer que o mundo não evolua, não mude. E mudança é a coisa que mais assusta um homem machista, pois significa que ele vai ter que dividir seus privilégios, que ele não vai mais ser o único espectador dos filmes e propagandas. 

É necessário, sim, recontar histórias de uma forma diferente. Não pelo "politicamente correto", mas pela pluralidade de representatividade. Para que esses "clássicos" não sejam todos, novamente, só para homens. Alguns chegaram no absurdo de dizer que o "Caça-fantasmas" novo vai estragar infâncias! Não vai estragar, vai recriar novas possibilidades de ser criança, de ser menina e se ver nos filmes sendo algo diferente de uma donzela em perigo. É justamente disso que esses homens têm medo, dessas meninas que estão crescendo no meio de tanto empoderamento!



Chora mais que ninguém liga, omi!


Ps - não vi o filme e não posso analisá-lo, mas ele provavelmente vai ser cheio de problemas, como um que já me foi apontado por uma amiga em relação a personagem negra e seu papel de "não-cientista-conhecedora-das-ruas (foda...). Essa é a grande merda: quando parece que a gente conquistou alguma coisa, estamos só recebendo um espacinho ainda ruim, ainda preconceituoso, e que ainda foi concedido por homens. E esse mini espacinho já é o suficiente pra causar todo esse chororo entre os ominhos, e nós acabamos obrigadas a defender com unhas e dentes uma coisa com a qual nem concordamos muito. Não existe evolução, existe luta todos os dias!