sexta-feira, 17 de novembro de 2017

minha vida é minha

No evento "Mulher do ano" de 2017 da Glamour, a atriz Tracee Ellis Ross fez um discurso muito lindo sobre ser mulher e dona da própria vida. Resolvi traduzir porque acho que todo mundo deveria ler essa preciosidade. Então aí vai:

É muito interessante ser uma mulher de 45 anos que não é casada nem tem filhos, especialmente quando você acabou de parir seu quinto filho na TV. Você começa a ouvir merdas como: "Ah, você só não encontrou o cara certo", "O que você vai fazer?", "Ah, coitadinha", "Por que alguém como você está solteira ainda?", "você já pensou em ter filhos?", "Por que você simplesmente não tem um filho sozinha?". Isso nunca termina e não ajuda.

Eu cresci planejando um casamento. Meu vestido teria um corsete com múltiplas camisolas vintage derramando-se sobre meus ombros, e eu mudaria a roupa para um terno branco trespassado e calças pantalonas, para a recepção. Eu sonhava sobre ser escolhida por um homem poderoso, sexy, bondoso, com lábios carnudos e que sabia dar um bom abraço, e eu teria um filho chamado Lauren.

Mas eu também sonhava em ganhar um Oscar e aparecer em capas de revistas e fazer a diferença no mundo, ajudar mulheres a acharem sua próprias vozes. E a partir desse sonho, eu construí uma vida incrível. Eu me tornei uma mulher da qual eu tenho orgulho.

E aí alguém me diz sobre a sua amiga que adotou uma criança aos 52 anos de idade e como "nunca é tarde para dar sentido a sua vida", e o meu valor é diminuído no momento em que sou lembrada que eu "falhei" em relação ao casamento e o que isso carrega. EU! Essa mulher ousada, livre e independente. Quer dizer, eu pratico exercícios físicos, eu me alimento bem, eu quase sempre vou trabalhar no horário certo, eu sou uma boa amiga, uma filha dedicada, trabalhadora, tenho um bom crédito, eu tiro o lixo antes que ele fique fedido, eu reciclo, e eu ganhei um Globo de Ouro! Eu estou arrasando! Então, por quê? Por que eu sou incomodada desse jeito? Como se tudo que eu fiz e tudo que eu sou não importasse.

Eu olho para trás e penso em todas as maneiras em que nos dizem que esses dois objetivos (ser escolhida por um homem e ter filhos) são o que te fazem ter valor. Quero dizer: canções de ninar, fábulas, livros, filmes, "Sixteen Candles", todas as músicas de amor, e até o "Black-ish" - todos reiterando essa história limitada de que "marido + filhos = mulher". E o patriarcado - o patriarcado não está feliz comigo no momento. Eu estou falhando na minha função. Deixa eu contar para vocês, Mike Pence está muito confuso comigo no momento.

Francamente, frequentemente eu fico um pouco confusa. Então, aqui está algo que eu fiz mais vezes do que eu gostaria de admitir: tentar arranjar a coragem para dizer para o meu ex (quem eu amo muito) que eu quero sair com outras pessoas, mesmo a gente não estando mais juntos - nós estamos separados! E durante o período em que eu fiz isso, eu fiz o que mulheres esclarecidas fazem e peguei o meu diário. Eu fiquei sentada lá escrevendo, talvez conversando com a minha criança interior, e escrevi: MINHA VIDA É MINHA. Minha vida é minha.

Essas palavras me pararam e, honestamente, trouxeram lágrimas para os meus olhos, muitas lágrimas. Parece tão óbvio, mas obviamente não é. Porque eu não estava vivendo a minha vida como se ela fosse minha. Claro, de certa forma eu estava, mas num nível mais profundo não. Então, se a minha vida é realmente minha... eu tenho que realmente vivê-la por mim. Eu tenho que me colocar em primeiro lugar e não pedir permissão para fazer isso.

Mas, quando eu me coloco em primeiro lugar, o que volta para mim através de pessoas cheias de boas intenções - a maioria homens, redes sociais, mulheres aleatórias na academia, Mike Pence, qualquer um -  eles me dizem de todas as formas que eu estou sendo egoísta, que estou pressionando demais, sendo agressiva, controladora, implacável, teimosa, uma vadia, uma "resmungona", ah, e o meu favorito, que eu piso nos outros, porque deus proíba que alguns sejam pisoteados no meu caminho.

Quando a gente se coloca em primeiro lugar fazendo coisas como dizendo não, falando alto, transando com quem a gente quer, comendo o que os nossos corpos intuitivamente nos dizem para comer, quando usamos sutiãs confortáveis e não os que levantam os seios, postamos uma foto sem filtro... Nós somos condenadas por pensarmos por nós mesmas e sermos nós mesmas, por nos apropriamos das nossas próprias experiências, corpos e vidas.

Esse tipo de coisa é visto como ameaçadora e assustadora e certamente não é o que o patriarcado tem em mente. Junte-se a mim por um momento e imagine: como seria se as mulheres possuíssem completamente seu próprio poder, tivessem agência sobre sua plenitude e sua sexualidade, não para criar um produto e vendê-lo, ou se sentir digna de amor, ou usar isso como ferramenta de proteção, mas como um modo de vida? Imagine isso... verdadeiramente possuir seu próprio poder, agência e sexualidade.

Especialmente nesse momento, com toda a sua instabilidade, com tudo que está acontecendo como a árvore "Pussy Grab" que é sacudida e "agarradores" estão caindo dela como frutas podres. E ao mesmo tempo, com o surgimento do empoderamento: Black Lives Matter. Black Girl Magic. The Women's march! Me too!

Eu estou tentando unir toda energia ao meu redor, entrar nela, e combinar isso com a ideia de que a minha vida é minha. A minha "eu que escolho, vida de 45 anos" é minha. Não é coincidência que essas duas forças estão se encontrando ao mesmo tempo. Então aqui estou determinando como é a minha vida quando ela é totalmente minha. É preciso bravura para fazer isso. Significa arriscas ser mal entendida, vista como sozinha e quebrada, como quem não tem alguém para se apoiar, pedir ajuda ou se esconder, tendo que ser meu próprio suporte e tendo que se esforçar para achar amor, família e conexão fora dos lugares tradicionais. Mas eu quero fazer isso. Eu quero ser a minha versão corajosa, a minha versão real, aquela que possui a própria vida.

Isso significa que eu vou ter que quebrar um acordo que eu não aceitei oficialmente assinar, um documento feito por um bando de homens brancos velhos numa sala, o mesmo grupo de brancos velhos que gosta de criar leis sobre a nossa saúde e escolhas reprodutivas sem que a gente esteja lá para decidir junto. Esse acordo diz: nós estamos aqui para estar a serviço dos outros, que o nosso destino é viver à sombra dos homens, que nós somos apenas objetos de desejo, e que nós estamos dispostas a viver tendo as nossas vozes sufocadas repetidas vezes pela misoginia da nossa cultura.

Bem, escutem aqui, mulheres: eu estou rasgando esse acordo. Estou dando tchau para ele e fazendo um novo, e os meus termos são esses: eu vou possuir as minhas experiências. Eu vou prestar atenção na realidade da minha vida e na audácia dos meus sonhos em vez de seguir as expectativas nas quais eu fui criada. Eu vou dar espaço para o que tem de bom e de ruim nisso, mesmo as partes assustadoras, e abraçar todas as partes e todas as perguntas. Eu sei que é assim que eu passo de Tracee à Tracee corajosa.

Aqui vai uma boa notícia: você também pode ir de ser apenas você, para a sua versão corajosa. E você definitivamente deveria tentar se você ainda não fez isso! Porque a sua versão corajosa é linda! Não linda como quando você arruma o cabelo e faz as sobrancelhas. Quando eu penso no que é lindo, eu penso numa árvore; eu penso num pássaro cantando. Eu penso em uma mulher de corpo inteiro; eu penso na minha mãe na sua plenitude de dizer "essa sou eu", com os braços levantados, o coração aberto, o cabelo enorme, sexual, poderosa e cheia de agência.

Estar a altura de sua própria ressonância, de seu próprio ser. Totalmente aflorada. É assim que se parecem a beleza e a coragem. Mas principalmente porque o meu eu corajoso me lembra que eu sou completo apenas sendo eu. Não em relação a outra pessoas ou outra coisa, apenas totalmente e completamente eu.

O seu seu corajoso te dá bravura de se apoiar na sua própria agência, sua própria escolha, seu próprio desejo, sua própria espera, seu próprio medo, seu próprio luto, seu próprio futuro. O seu eu corajoso é só um aspecto da sua alma que te ajuda a ficar totalmente inserida e integrada com o seu verdadeiro eu. Esse eu corajoso está em você agora, no seu diário, no canto da sua mente, na sua lista do Netflix, esperando o seu convite. Então a deixe sair, deixa que ela tenha toda a sua plenitude. Essa parte linda e poderosa de vocês está apenas esperando o seu convite.


Pra quem quiser ler o texto original, segue o link: https://www.glamour.com/story/tracee-ellis-ross-glamour-women-of-the-year-speech-2017?mbid=social_facebook_fanpage

Tradução feita por Ananda Hilgert