quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

mulher tem que saber seus limites

Feministas são todos os dias chamadas de radicais, exageradas, generalizadoras, castradoras de homens (vide comentários deste próprio blog). Tudo bem querer direitos “iguais”, mas não se depilar é demais! Tudo bem mulher querer trabalhar, mas não em qualquer profissão, né! Tudo bem querer votar e participar da política, mas dar opinião sobre tudo não pode! Tudo bem querer ser livre para fazer o que quiser, desde que não se abandone todas as outras incumbências femininas e vire uma super mulher multitasking! 


Passamos a vida ouvindo o que não pode fazer e ser. E por quê? Porque o maldito do patriarcado cagou moral e ferrou com a autoestima feminina. A mulher é o demônio que passa por esse planeta só ouvindo e, tristemente, reproduzindo as merdas que lhes ensinaram desde que rasgaram o útero já amaldiçoado de suas mães. Parece estar gravado a ferro quente nas escrituras machistas “Mulher não será tolerada se tiver barriga de ceva ou se não tiver nenhuma barriga; se tomar 15 shots de tequila ou se não beber; se colocar cigarros na boca, afinal, a boca é apenas para chupar nossos ricos membros; se falar muito alto, gritar na mesa de bar de língua pra fora ou se falar baixo demais; se transar com 300 caras num mês (puta) ou se for virgem e tiver aliança com Deus (histérica).”

Por que feministas são exageradas, loucas, monstros demolidores de famílias? Porque mulher nenhuma pode ser mais do que mediana.


Mulher não pode exagerar. Também não pode desaparecer e ser quase invisível. Mulher tem que saber o meio termo das coisas. Chamar atenção, mas só um pouco. Beber, mas só uma tacinha de vinho. Usar roupas bonitas, mas sem mostrar muito o corpo. Conversar e saber socializar com os amigos, mas sempre assuntos amenos, com voz calma. Mulher tem que ter senso de humor, mas não pode rir muito alto, ser muito escandalosa.

 

Homem não gosta de mulher exagerada (nem precisa vir dizer que estamos generalizando, porque estamos bem conscientes disso, viu, ômi?). Alguém tem coragem de dizer que nunca ouviu nenhum homem dizendo que não gosta de mulher que fala alto? Mulher que dá gargalhadas, ri muito, fala alto, conta piada, é o centro das atenções na mesa de bar. Credo, que horror mulher assim! Bom é mulher comportadinha!

 

É sempre pior ainda para mulher. Um homem falando alto pode ser meio chato, mas uma mulher é insuportável! Até porque mulher não cala a boca, né, mulher fala sem parar aquele monte de bobagem que passa na cabeça dela, e imagina ainda falar essas merdas bem alto? Realmente, ômis, esqueçam esse tipinho. Mulher tem que ser meio tímida, delicada, fazer gestos comedidos. Mulher tem que conversar sim, mas com limites, com reservas. Isso é sexy, isso é sedutor e, ao mesmo tempo, isso é uma futura boa mãe. Depois o cara te espanca e tu fica chorando.

 


Angélica Freitas já nos alertou sobre a mulher de vermelho e até já fizemos um outro texto aqui sobre isso. Por que, galera, imagina o primeiro encontro, a mulher precisa impressionar na medida certa e seguir uma série de regras. Já pensou que loouuca que ela seria chegando com um batom vermelhooo?? 


O ômi tá ali, esperando ver a futura mãe de seus filhos e vê uma exagerada de batonzão vermelho, bem chamativo, bem pecadora! O que ele pensa? Essa aí é facinha, é só pra sexo mesmo. Aí tu vai lá, transa com o cara, ele não te liga no dia seguinte e tu ainda fica braba? Foi tudo culpa tua e do teu batom vermelho. Guarda  ele pra quando já tiver casada e foi reconhecida como uma mulher de família.



Sabe outro limite da mulher? Bebida, claro! 
Que nojo de mulher que bebe. Até porque mulher não sabe beber. Começa a dançar que nem louca, sobe na mesa, daqui a pouco começa a chorar, abraçar todo mundo. Maior vergonha! Além disso, mulher que bebe fica puta, dá pra todo mundo! Olha o ranking de bebidas ali mostrando isso com porcentagem e tudo! É que mulher também não gosta muito de sexo, só com o marido, bem comportada, aí o álcool deixa ela doida, ela começa a querer sexo, acredita? Então, mulher, saiba beber com dignidade e respeito às pessoas na tua volta. Também não pode deixar de beber de vez que aí tu é uma chata. Bebe um pouquinho, de preferência um vinho que te deixa comportada na mesa e uma puta na cama.


Sim, tá barbada ter diploma hoje em dia. Pra psicochorumista Carla Flávia, que escreveu essa beleza aí de cima nesse mar de chorume mulheronline.net, a mulher não pode ter barriga, ainda mais uma barriga de cerveja, porque uzômi não planejam se casar com uma mulher que bebe muito. WTF? Vamos tentar entender. Possivelmente, pra Carla Flávia “a cerveja, a caipirinha e outras bebidas” são bens que homens podem consumir! RÁ! Uzomi, dinovu. Mulher não pode beber, porque isso é coisa de homem. Se tu bebe, ele vai querer só CURTIÇÃO. ORA, MINHA DEUSA! Ômi quer casar com mulher SÃ, SÓBRIA – e sem barriga, claro. Tá com nada Carla Flávia!

O Gino e Geno também não tão com nada. Esses ômi! Essa pérola sertaneja aqui  (sim, acredite) consegue concentrar o maior número de preconceitos nos piores versos da história da música. É pouco?

caipirinha e uma menina que veio do interior
olha a gente que fascina e embreaga feito amor 
o vinho é uma leide na mesa doce serena
mas na cama é uma loucura, não tem peão que segura
pula feito um boi na arena

A vontade de controle sobre o corpo feminino precisa ser rompida. Com muito exagero e radicalismo, amigues! A gente poderia passar horas escrevendo esse texto. E com tristeza dizemos isso: a quantidade de limites imposto à mulher parece não ter fim nesse mundo. Desde gostar muito de sexo e ser considerada doente até ser chamada de frígida, quando não goza porque o ômi acha que sexo é todinho o seu pau. O limite é desde o tamanho do teu cabelo até a circunferência da tua panturrilha. 


Macholos não passarão. Carla Flávia, Gino e Geno e aquele amigo ômi aí do teu lado, que queimem junto com seus conselhos e “canções” absurdas na fogueira mais próxima! Hoje, depois de estourar a espumante ou beber muitas cervejas e tequilas, lembra de  anotar nas tuas resoluções de ano novo: romper com os limites do limite e me tornar empoderada de mim mesma, porque ser linda é ser revolucionária. 

By Ananda e Raquel

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

um certo professor de cursinho, parte 1

Desde que me tornei professora, observo entre um certo tipo de professores, que atuam com adolescentes ou jovens-adultos, uma atitude nojenta de assédio sexual e abuso moral de alunas. Com isso não quero afirmar que todos os professores homens são abusadores de colegiais, longe disso! Mas um fato é certo: ser professor, para muitos homens, garante um certo tipo de relação de poder sustentada em instituições de ensino. Não se trata da violência física, é parte de um jogo escroto baseado na fantasia da ninfeta estudantil. 

Esse tipo de imagem da mulher é o que aparece no google quando se escreve a palavra "colegial". É uma fantasia, faz parte do imaginário criado pelo machismo.

Ele é o centro, é o cara que está te preparando para o vestibular; é o professor do cursinho que faz as piadinhas machistas e reconta os livros de literatura inserindo seus preconceitos; ele é o cara que decorou meia dúzia de frases da wikipedia e que as aluninhas anotam, acham incrível; ele é aquele que elas acham gatinho; ele é o mesmo que não consegue se relacionar com qualquer mulher fora da instituição de ensino, afinal ele é fraco e inseguro. Ele precisa das adolescentes pra se afirmar como homem. 

Já ouvi relatos de um amigo professor sobre seus colegas competirem em cursinhos para ver quem "pega" mais alunas ao longo do ano. Já ouvi que até troféu para o  grande "comedor" os professores machões ganham. A verdade é que há muitos professores homens que abusam do seu poder olhando para o corpo de adolescentes, tecendo comentários com seus amigos sobre como a aluna X é gostosa, como vai dar trabalho para os pais ou sobre como ela já "parece um mulherão". Isso é abuso. Isso é igual a estupro.

Até a Kelly Key já sabia que isso era caô nos anos 2000

Obviamente esse tipo de situação é muito mais recorrente em ambientes em que o machismo reina. O curso pré-vestibular, por exemplo, é um prato cheio para esse tipo de violência. O professor jovem e sexualmente inseguro domina a voz e detém toda a atenção pra ele nas aulas. Isso porque, em cursinhos privados não existe um projeto educativo. E se não há projeto de educação, a aula também não é uma aula. É uma palestra. Um fala - o engraçadão - e 300 escutam. Entre eles, jovens meninas que embarcam num joguinho de disputa pela atenção do professor. As meninas logo reconhecem o que esse tipo de professor deseja. E aí entra o machismo: uma das poucas formas de participar nessa interação é sendo a menina gostosa que quer ser vista pelo professor. 


"Maria apagador" é a expressão usada pelos professores machistas pra se referirem às aluninhas que entram no jogo. Eles a adicionam no facebook, atendem suas chamadas no momento certo. Elas pedem aulas particulares. E pimba! Mais uma que o superprofessor "comeu". E assim segue a trajetória do ovelheiro inseguro. 

O abuso dos professores sobre Lolitas é uma forma de estupro. É um estupro simbólico. E é estupro porque utiliza o poder de uma posição privilegiada (ser homem) pra suprir a baixa auto-estima e a necessidade de dominar o feminino. É estupro porque é mais fácil inventar um vínculo com uma menina em formação, constituindo sua identidade. É consentido socialmente porque é parte do papo na hora do cafezinho, das piadinhas, dos comentários em voz baixa entre homens. 

No mundo da macholândia, se esses pseudoprofessores pudessem fazer alguma coisa com a aluna, no canto da sala, não haveria aula. No mundo da macholândia ninguém passaria impune.

P.S - Relembramos aqui que nós, escritoras deste blog, somos professoras e com isso conhecemos uma infinidade de tipos de professores. Éticos e não éticos. O texto se refere a uma parcela específica desta profissão que temos visto, presenciado e sentido que precisa ser exposta e debatida.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

empoderamento e higiene feminina

Recentemente assisti ao filme “Wetlands”:


Tive que lidar com o meu próprio nojo em muitas cenas, isso que não me considero uma pessoa “nojentinha”. Mas a personagem Helen provoca qualquer um ao tomar banho com legumes, ao usar como perfume secreções vaginais, ao sentar no banheiro público mais sujo do mundo e esfregar o seu corpo com todo cuidado ao longo do vaso sanitário. Só de ler isso com certeza tem gente se retorcendo e fazendo cara de nojo. Tudo bem, também fiz isso ao longo de todo o filme. No entanto, as nojeiras de Helen me fizeram pensar muito sobre higiene e, especialmente, higiene feminina.

Estamos acostumados com homens nojentos em filmes. Homens podem ser sujos, soltar todos os tipos de gases, não tomar banho. Isso é usado como comédia. Não digo que não seja nojento também, mas é engraçado. Gostaria de saber quais pessoas que riem de personagens masculinos porcos que iriam rir da Helen também. Me apresso em dizer que quase ninguém. “Wetlands” é um filme muito bom, é divertido, tem uma boa trilha sonora, é uma boa produção, bons atores, é como um dirty Amélie Poulain. Mas ninguém ouviu falar dele. Costumo me basear muito na nota dos filmes no site imdb, e a nota de “Wetlands” é 5,2. Esse filme não merece só 5,2, com certeza. Mais uma vez vou me apressar e tirar minhas próprias conclusões (que parecem fazer sentido): a galera tem nojo demais de uma mulher fazendo comédia com secreções corporais, a moral não deixa dar uma nota boa, o machismo e a noção de que mulher tem que ser uma lady limpinha não permite riso nessas cenas.



Mulher não pode ser suja, não pode arrotar na mesa, se coçar, ter cabelo oleoso. Homem pode. Não que o homem sujo seja idolatrado por isso, mas ele pode, homem é assim, homem é nojento mesmo. Ser meio sujinho é até um sinal de masculinidade.

Antes de ser acusada de defender a sujeira e a falta de higiene, saibam que sou bem maníaca por banhos, perfumes, cremes, sabonetes ultra perfumados, cheirinhos gostosos e frescos de limpeza. Mas isso não me impede de pensar sobre hábitos de higiene exagerada e, claro, higiene da mulher, que às vezes é levada ao extremo. Quantos produtos de higiene feminina existem?? Quantos produtos de higiene masculina existem? 

Mulher precisa se depilar, se não é porca. Não pode usar qualquer desodorante, tem que ser aquele que deixa a axila branquinha, se não é nojenta. Mulher precisa usar absorvente até quando não está menstruada, para evitar qualquer secreção e cheiro (totalmente normais), mesmo com a maioria dos ginecologistas dizendo que isso faz mal. Mulher tem a sua disposição uma série de lencinhos umedecidos para carregar na bolsa. Aliás, a bolsa da mulher pode ser transformada em um banheiro com a quantidade de produtinhos miniaturas que podem ser levados para que se evite “sujeira” e mau cheiro ao longo do dia.

Olha só o que a intimus inventou para nós mulheres flexíveis, com a agenda cheia, super trabalhadoras multitasking (e limpinhas)! 

A menstruação ainda é um assunto delicado para muitas mulheres (e homens, claro). A gente ainda diz: “estou naqueles dias”. Naqueles dias? Por que a gente teve que inventar uma expressão pra isso? Parece que ainda é vergonhoso estar menstruada, a coisa mais natural na vida de qualquer mulher, o evento que mostra que a mulher pode gerar um filho dentro dela, algo que deveria ser um motivo de empoderamento. Talvez seja exatamente esse o problema. Foi tão bem construído pela sociedade machista e católica que a menstruação é algo nojento, pecaminoso, que deve ser camuflado, escondido, não falado, porque é algo que só a mulher tem, algo natural, bonito e cheio de força, que mostra para os homens que não existe sociedade sem a mulher. BAM!



Enquanto o homem se diverte com o seu privilégio de poder fazer xixi de pé sem nem usar papel higiênico, as mulheres precisam carregar tudo que é coisa na bolsa para evitar sentar num banheiro sujo e não conseguir se limpar depois. Poder ser “sujo” é um privilégio masculino. As mulheres e suas partes íntimas devem ter cheirinho de rosas. 

A Mari do lugar de mulher escreveu um texto que tem muito a ver com esse assunto: Bucetaria Gourmet. 1/3 dos homens têm nojo de fazer sexo oral em suas parceiras. As desculpas giram em torno de cheiro e gosto. Enquanto isso, uma outra imagem é implantada na cabeça da galera: mulher adora fazer sexo oral em homem, o sonho de toda mulher é ter esperma escorrendo pela cara. Incrivelmente até já li sobre como o esperma pode fazer bem para a pele da mulher! Homem pode ter nojinho de cheiros e gostos naturais (que nem esfolando a vagina dá pra tirar), mas mulher adora hidratar a pele com porra. Mais uma vez, as sujeiras masculinas são permitidas, são troféus de masculinidade; as femininas são nojentas e devem ser evitadas. 

À mulher é negada a masturbação, o conhecimento do corpo, o parto natural (claro, com cesárea a gente pode fazer escova no cabelo e pintar as unhas e ficar bem linda pra foto com o bebê limpinho). O homem se vangloria de suas revistas com páginas grudadas e seus computadores com pornografia pulando de todos os cantos. À mulher se oferece 100 produtos de limpeza diferentes. O homem não precisa nem limpar o xixi pingando do pênis. Tá na hora de rever o que é higiene e saúde e o que é opressão e negação de empoderamento feminino.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

#forabolsonaro

Deputada, só não vou te estuprar porque você não merece.

Maria do Rosário ouviu essa frase do deputado mais votado do Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro. Foi literalmente isso. Podemos verificar a ofensa neste vídeo.

Para Bolsonaro, o estupro é um prêmio, algo que só algumas mulheres merecem. A maior humilhação e desumanização da mulher é um prêmio, algo que ela deseja receber do homem. Isso é muito triste, muito sério. O estupro ainda não é visto como uma violência, ainda é naturalizado. Para um machista, preconceituoso, fascista como Bolsonaro, Maria do Rosário é menos do que outras porque ela não vai ganhar o estupro. 

Vou repetir pra ver se eu mesma entendo: a mulher que é estuprada está ganhando um presente do estuprador. Ter a sua liberdade roubada, o seu corpo violado, machucado, a sua saúde física e mental totalmente abalada, o seu direito sobre o próprio corpo negado, tudo isso é um prêmio. 

Bolsonaro foi além do incentivo à violência contra a mulher quando escolheu a palavra “merece”. O discurso não é inocente, o discurso cria, produz e, ao mesmo tempo, é produto das condições de existência sociais. Estupro nunca deveria ser considerado nada além de uma extrema violência, um crime hediondo, muitos menos como um prêmio. Dizer que certa mulher merece ser estuprada já é uma frase naturalizada, tanto que dela saiu a campanha “não mereço ser estuprada”.


No entanto, o sentido de merecimento que normalmente é usado é diferente do que foi dito pelo Bolsonaro. A mulher que merece ser estuprada é aquela que provoca, que usa roupa curta, que não se respeita, que desperta os instintos masculinos. Nesse sentido, aquela que não merece ser estuprada seria a comportada, que não provoca. Mas a mulher que merece ser estuprada ou não para Bolsonaro não é essa mesma. Bolsonaro claramente odeia com todas as forças Maria do Rosário, eles têm um histórico de brigas, ele inclusive já a agrediu fisicamente com empurrões. Para Bolsonaro, então, a mulher que não merece o estupro é aquela que ele despreza, a que merece é a mulher que é o oposto da Maria do Rosário, provavelmente uma mulher direita (e de direita), comportada, calma. Ou seja, essa frase, esse contexto, esse discurso não tem como dizer outra coisa a não ser que o estupro é algo bom para a mulher.

Seja qual for o sentido que merecimento de estupro for usado, é sempre errado, é sempre uma violação extrema do direito da mulher sobre o seu corpo, sobre suas decisões, sua liberdade, sua vida, suas escolhas. Quem decide quem tomou as decisões certas é o homem, e a forma que ele mostra isso é a mais nojenta e violenta que existe. 



Como de costume fazemos aqui no blog, é preciso chamar atenção para o quanto é comum homens (e pior, algumas mulheres!!) falarem coisas terríveis como disse Bolsonaro, esse não foi um acontecimento isolado. Logo que foi lançada a campanha #nãomereçoserestuprada e criada uma página no Facebook, várias meninas mandaram suas fotos com cartazes com os dizeres da campanha. Até mesmo nessa página de protesto apareceram comentários assustadores. Voltei na página para encontrar uma foto da qual lembro bem dos comentários, mas felizmente eles foram apagados.


Ao lado da foto dessa menina muitos escreveram frases como “ninguém quer estuprar gorda”, ou “nem te preocupa que ninguém vai querer te estuprar”. Ao dizer um absurdo desses, além de serem gordofóbicas, essas pessoas estão colocando a culpa do estupro na vítima. Afinal, se só mulheres “bonitas e magras” são estupradas, é culpa do corpo delas que o estupro acontece.


Temos aqui vários exemplos de homens dizendo que a culpa do estupro é da vítima. A roupa da mulher é um convite, uma provocação, o instinto biológico masculino não pode ser reprimido, por isso a mulher tem que saber como não despertar esse animal estuprador que está dentro de todos os machões por aí. Esses discursos existem mesmo, muita gente fala, acredita nisso. Parece absurdo ter que dizer que o estupro é culpa do estuprador, mas muitas pessoas não entenderam isso ainda. Falam coisas como “acho que estupro é um crime, mas...”, “não defendo estuprador, mas tem umas gurias que...”. Isso não pode ser dito NUNCA.


Um estuprador não pode ficar solto. Há pouco tempo um estuprador flagrado no ato não ficou preso por ser réu primário. Isso não pode mais acontecer. Muitas mulheres têm medo de denunciar seus agressores e sabem que, na maioria das vezes, nada vai acontecer com eles. Isso precisa mudar.

Jair Bolsonaro deve ter seu mandato cassado. ESTUPRADORES NÃO PASSARÃO.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

o machismo feminino

Anitta e Pitty falaram sobre machismo no programa Altas Horas com uma plateia somente masculina. Claro que deu o que falar. Se quiser assistir ao vídeo da discussão clica aqui.

Anitta claramente é alguém que nunca pensou profundamente sobre machismo, pois começou dizendo que as mulheres já conquistaram os mesmos direitos dos homens, que as mulheres “chegaram lá”. Para depois largar a frase mais odiada por todas as feministas do mundo: “mulher tem que se dar o respeito”. TAN DAN DAN!



Anitta insistiu muito no seu argumento, dizendo que ela vê na noite mulheres ficando com caras só porque eles pagam bebidas, mulheres pegando 50 caras diferentes e isso se classifica como uma atitude de mulher que não se dá o respeito. Ela segue dizendo que assim os homens não vão respeitar mesmo as mulheres, que respeito se conquista através de atitudes respeitadoras (e ainda tem que repetir a palavra respeito mil vezes para ser entendida!).



Pitty (rainha!) fala pouco, mas mostra rapidamente como Anitta está errada. Ela diz uma frase simples e linda: “os homens não têm que achar nada”. Pronto, assunto encerrado. As mulheres não devem medir as suas atitudes de acordo com o que os homens vão pensar. O respeito que as mulheres querem não deve vir a partir das roupas que elas vestem e do número de caras que elas ficam em uma noite. Até porque, mesmo se as mulheres resolvessem se “comportar”, não ia adiantar nada. A mulher que não usa roupa curta, que é casada, dona de casa, não reclama, cuida do marido e dos filhos, ainda assim sofre machismo, ainda é vista como menos, e não importa que ela se dê respeito, ela não recebe esse respeito de volta. Não podemos inverter a situação e dizer que a mulher não é respeitada pelas atitudes que ela toma, porque não importa o jeito que uma mulher age, ela vai ser sempre uma mulher, sempre o sexo frágil, sempre a incompetente que tem tpm e enlouquece, a que pode engravidar a qualquer momento e atrapalhar o funcionamento de uma empresa. Mulheres “comportadas”, não se enganem, vocês também não são respeitadas!

A Pitty já é conhecida por suas declarações feministas super consistentes, mas a Anitta tem muito chão pra percorrer ainda antes de sair falando besteira sobre machismo. No entanto, outra coisa que me incomodou muito foram os comentários de supostas feministas sobre a Anitta. O pessoal praticou o conhecido slut-shaming, ou seja, quem é a Anitta pra falar, aquela vagabunda que canta aquela música ridícula, é uma burra, vai tomar no teu cu, desgraçada. Lindo, né? Carregar todo um discurso feminista de libertação das mulheres e chamar uma mulher de vagabunda. Essas tais ditas feministas foram exatamente iguais à Anitta. Não adianta nada lutar pelo feminismo e não perder a oportunidade de acabar com outra mulher. Sororidade, bonitas, é isso que falta para o feminismo ser mais forte. 

A Anitta falou merda? Sim, falou. Mas no momento que a chamamos de vagabunda ou qualquer outra coisa, nós falamos merda junto com ela. No feminismo, mulheres não podem ser inimigas assim tão rápido. É a união entre as mulheres que faz a gente andar. Não podemos mais separar o mundo feminino em poderosas e invejosas.



Eu assumi uma posição que muitos podem achar radical: antes de saber qualquer informação sobre qualquer situação, eu defendo sempre as mulheres envolvidas. Eu estou sempre do lado feminino. Isso não significa que eu sou contra os homens, como o Latuff representou em sua equivocada charge.



Até o cartunista entendeu que quem sabe do feminismo somos nós mulheres e lindamente se retratou do erro.



A Anitta é desinformada e nunca pensou direito sobre machismo? Vamos ajuda-la a compreender! De nada adianta chama-la de vagabunda. Aliás, não chama mais ninguém dessa palavrinha, ok? Ela é nojenta, ela significa tanta coisa ruim. Essa é uma palavra machista e no meu vocabulário ela não entra mais. 

O mundo das mulheres não gira em torno do mundo dos homens. Até porque isso seria um preconceito duplo: machismo e lesbofobia. As mulheres não devem se dar o respeito, as mulheres devem se dar as mãos. 

sábado, 6 de dezembro de 2014

como ser uma parisiense em qualquer lugar do mundo

Não quis acreditar quando me dei conta de que sim, uma mulher, brasileira, pode desejar comprar essa ideia, "Como ser uma parisiense em qualquer lugar do mundo", título do livro que a tal Caroline de Maigret, musa da Chanel e da Lancôme, lançou pela Objetiva no início de novembro no Brasil. 

E aí a Caroline de Maigret. Que belo exemplar da mulher parisiense! Vejam todos! Ela é um pouco despreocupada com seus cabelos. Muito magra, mantém uma dieta low carb - assim como você aí, nesse sofá, deveria fazer. Um estilo casual, assimétrico, que custa bem caro, não se engane. 

Fiquei pensando: será mesmo? Que verdade é essa que sustenta a vontade de ser uma parisiense em qualquer lugar do mundo? De que parisiense se está falando? O que faz, desse livro, um discurso possível de circular socialmente, onde eu e tu, brasileiras, filhas de uma suposta mestiçagem - uma mestiçagem disfarçada; filhas do abandono, da usurpação e do repúdio de uma condição negra ou indígena, do apuramento da "raça", do branqueamento histórico e colonizador de uma cultura - buscar tornar-se "parisiense", aqui, em Porto Alegre, São Paulo, Manaus, Canoas ou Viamão?

A Lu Limas, leitora do blog e amiga querida, encontrou pérolas nesse livro que ultrapassam o que eu poderia considerar apenas como machista, porque atingem justamente uma visão colonialista sobre ser mulher (que é, por certo, um dos elementos que põe em existência o machismo). Conforme a Lu nos mandou:

nada mais é que um livro dizendo que mulheres, por exemplo, tem que estar SEMPRE prontas pra transar, que as francesas nunca contratam babás mais bonitas que elas e que, mesmo que você saiba abrir um vinho, igualdade de sexos tem a ver com deixar o seu homem se sentir responsável por isso.

A violência começa pelo título, em que se pressupõe a existência de uma parisiense. Todo mundo sabe que não existe apenas uma parisiense. E todo mundo sabe, também, que existe apenas uma parisiense correta. É essa a que se deve ser. Junto disso, travestido do discurso da diversidade e da revelação das facetas errôneas dessa parisiense, que também é uma mulher de verdade, que tem dramas como todas nós, o título ainda carrega a ideia de que parisiense é mais que um fato político e geográfico e, por isso, a gente aqui pode passar na Cultura e investir R$39,90 pra fazer ser parisiense. Só que nunca. 

Graças a falta de crítica de muitas de nós ou ao excesso de consumo daquilo que nos distancia cada vez mais do que nos torna únicas (taí um motivo pelo qual viver - descobrir como construir isso, de si para si, e de mãos dadas com outras), a indústria deita e rola nos estereótipos estabilizados desde a Jane Birkin até as mulheres-blasé do Truffaut, musas divônicas de um universo artificializado. E deita e rola porque pode, há séculos, seguir com o doce massacre dos paradigmas que nos cercam. 

A Brigitte, uma mulher assim, meio em dúvida

Vemos por aí muitas mulheres buscando esse ideal, ignorando as altas temperaturas, vestindo cardigans no verão tropical, porque europeias não sentem calor; adotando uma estética que se destaca no meio do povo pela sua leveza, brancura, limpeza; ou mesmo forjando certo desleixo, amparado por alto investimento financeiro e recomendado pelos críticos de moda.

Não é só da mulher parisiense que se quer tirar o caldo pra imprimir um valor intrínseco a ser adquirido. Aí, nesse título, a gente pode substituir por qualquer outra nacionalidade (desde que atenda ao padrão de beleza da indústria dos padrões de beleza) brincar aqui e ali com estereótipos cansados, pra ser mais engraçadinho... porque é apenas uma coisa que se precisa manter, nesse título: a ideia de que alguém tem que dizer pra mulher de classe média do país subnutrido de educação, como é (certo) ser mulher. No caso desse livro, como se faz pra ser "sexy", "sofisticada", manter uma pitada de "arrogância" e ser muito, muito "elegante" e "sedutora" na cama. E mais uma centena de ideias conhecidas sobre essa mulher inventada para ser francesa.

E tem a Jane Birkin, que nem francesa era, mas ficou fácil de absorvê-la

A Lillian Pace, uma dessas "jornalistas" críticas de moda que aparece no GNT pra dizer do que só se fala no mundo da moda dá até uma dica suuuuuuper cheia de leveza e iluminação pra ler esses modos de levar a vida...


Além de tudo, as dicas reunidas pra dar esse "gostinho" ma-ra-vi-lho-so de tentar ser uma europeia inventada e invisível, vivendo uma vida alienígena e brancocêntrica, aqui, dão um gostinho de chorumito delicioso pra gente. Vê só!

O que não entra no armário de uma parisiense? A lista é grande: passa por salto baixo, logotipo, moletom, botas Ugg, blusas que mostram o umbigo e bolsas de marca falsificadas, que ganham uma explicação especial. "É que nem implante de silicone. Não é assim que se supera um complexo"

Uma peça nobre pro armário: "Não é preciso investir 10 anos de salário no guarda-roupa, ou usar roupa de marca o ano todo. Não. Basta uma única peça: aquela que a gente usa quando precisa se sentir forte (...). Uma peça cara, bem conservada, mas sobretudo imponente. Combine com calças jeans, sapatilhas ou com uma jaqueta cargo. É essencial que o resto do look seja simples"

Acho que a gente só pode fazer uma coisa a respeito dessas dicas: rir. E claro, jogar fora essas sapatilhas velhas e sofridas pra comprar pelo menos uma peça cara pro guarda-roupa. Néan? Afinal, que mulher é essa que não anda de salto e que tem acessórios falsificados, gente??? Um absurdo! Talvez seja aquela que esse livro ajudou a criar: uma mulher frustrada que não se reconhece como potente e única nesse mundo achatado de "trends" do ano. 

Sobre tudo isso, semana passada li uma entrevista essencial, do Eduardo Viveiros de Castro e da Deborah Danowski. No meu mundo eles são mais tendência, mais cool e mais importantes. Eles me fazem pensar sobre respeito e sobre saber ser muito mais índio. A entrevista não tem nada a ver com moda. Aliás, é sobre meio ambiente e política. E, incrivelmente, tem tudo a ver com esse assunto. Recomendo muito, vocês podem ler aqui. Só posso, portanto, terminar citando duas frases do Eduardo Viveiros, belíssimas para pensarmos na força de ser mulher, única, brasileira, índia e ampla. 

"Restituir o valor é restituir a capacidade de diferir, de ser diferente, sem ser desigual; é não confundir nunca diferença e desigualdade."

"Respeitar quer dizer: aceite que nem todo mundo quer viver como você vive"


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Garota Verão e a anti-diversidade

Aahh, o concurso Garota Verão! Belas meninas, douradas, magras, cheias de graça desfilam pelas praias do Rio Grande do Sul! A musiquinha tan tan tan tan tan ran já está na memória de todos os gaúchos. A beleza gaúcha (que é tão diferente do resto do país, né? Porque aqui a gente é loira, a gente é quase alemã) é valorizada. Meninas que ainda nem desenvolveram completamente seus corpos, os exibem com orgulho, para serem julgadas por uma comissão super inteligente e pensante.

E melhor ainda, gente! Esse ano a campanha fala sobre a diversidade de beleza! Sério, me emocionei (só que nuncaaaaa):


Uma das frases da propaganda diz exatamente isso: “A beleza tem várias idades, estilos, cores e gêneros e, no verão, uma de suas milhares de formas ganha destaque”. 

Então, vamos tentar entender juntas: existem muitas formas de beleza, todas lindas e maravilhosas, mas, no verão, a que a gente escolhe para valorizar em um concurso de beleza é aquela padrão que já é valorizada em todos os momentos da vida, mas super apoiamos as gordinhas, velhas e negras. É isso? Confere, produção? 

A cara de pau de um concurso desses querer se passar por algo que valoriza a beleza é impressionante!!

Como mulher gaúcha de classe média, eu cresci assistindo ao Garota Verão e me comparando todos os anos com aquelas meninas. Justo na adolescência, fase cretina da vida, que a gente se acha um lixo sempre, não tem maturidade para encarar a vida, a gente ainda tem que ligar a TV e por dois meses só ver gurias muito magras, lisas, loiras (e não me venham com “ah, mas tem gurias de cabelo crespo e morenas!!”) e todas elas super novinhas, o que me fazia pensar que eu, com quinze anos, também deveria ser como elas. Pior ainda é para alguém que tinha alguma amiga, parente, conhecida que disputava no concurso. Parece que todas as gurias do estado são lindas e podem ganhar o Garota Verão, menos tu.

Concursos de beleza são tão integrados na nossa sociedade que muitos não param pra pensar sobre o quanto eles são terríveis, tipo, do mal mesmo. As gurias tão lá desfilando de biquíni, e o pior, são biquínis escolhidos pela produção do concurso, ou seja, as poucas perdidas que talvez não sejam assim tão padrão, serão desmascaradas quando não conseguirem ficar tão “lindas” quanto as outras no mesmo biquíni. E aí, nessa posição vulnerável, mostrando muito o corpo, naquele vento desgraçado que assola nosso litoral, elas são julgadas por pessoas quaisquer sobre a sua beleza. É exatamente isso. Tu, guria novinha e cheia de inseguranças, provavelmente bastante imatura para lidar com uma frustração muito grande, vai lá, te enche de vontade, e um idiota qualquer diz que a guria do teu lado é mais bonita que tu, por isso tu é eliminada. Eliminada depois de ter usado um biquíni horrível e embaraçado o cabelo no vento.

Além do sofrimento das próprias gurias do concurso, tem as que são mais coitadas (Eu!) que nem poderiam participar, por se distanciarem do padrão buscado ali. Quer dizer, nem é o padrão buscado ALI, mas buscado no mundo. Um concurso desses é uma manutenção de um padrão de beleza tóxico. Os gordofóbicos gostam tanto de falar sobre a saúde dos gordinhos, e os problemas de saúde que são provocados pelas constantes dietas feitas por meninas para conseguirem mostrar tantos ossos quanto as gurias dos concursos? Um padrão de magreza é muito mais prejudicial à saúde do que a existência de um gordinho cuidando da sua própria vida. 

Além do padrão de corpo magro, podemos falar do cabelo, dos olhos, formato do rosto, tudo mostrando que a diversidade não é valorizada de forma nenhuma.

Ok, alguém pode chegar aqui e me dizer que este ano, uma menina negra foi uma das vencedoras do Garota Verão.



Ainda assim é permitido apenas um cabelinho crespo. Em todo o resto ela se encaixa. Além disso, ela ficou em 3º lugar, jamais ficaria em 1º. E alguém reparou que as outras duas são exatamente iguais?

O que me motivou a escrever sobre esse assunto não foi o concurso em si. Existem muitos concursos de beleza e são todos ridículos, nojentos e deveriam parar de existir nesse exato momento. Mas o que me provocou foi a propaganda. As pessoas “diferentes” podem até se emocionar ao ver por alguns segundos a sua beleza na mídia, até levarem um tapa na cara mais uma vez. Para mim essa campanha foi golpe baixo, sujeira mesmo.

Não sou contra dizer que uma pessoa magra e loira é bonita. Sou contra dizer que SÓ ela é bonita. E, muito além disso, sou contra insistir tanto que alguém é bonito, como se a gente só servisse para sermos enfeites belos para o mundo. A opressão da beleza dói em muita gente. Ninguém tem que ser bonito para agradar aos outros. Em especial, mulher nenhuma é obrigada a se encaixar em um padrão que não é o dela para agradar aos homens. Afinal, não é por acaso que o concurso se chama GarotA Verão.