terça-feira, 27 de janeiro de 2015

gorda pra quem?

Já escrevemos aqui sobre feminismo pop e o quanto isso pode ser, ao mesmo tempo, bom e problemático. O mesmo vale para qualquer outra coisa no mundo que já foi considerada marginal e hoje, teoricamente, faz parte do mainstream. O problema é que essa coisinha aí, quando passa da margem para o centro, deixa de ser o que era. O lado bom é que pode dar pelo menos um pouco de visibilidade e ajudar em alguma luta de minorias. Assunto complexo e não sei chegar a uma conclusão. Talvez cada caso seja diferente. Falemos então sobre corpo, sobre ser gorda (gorda, sim, não gordinha, fofinha, cheinha).

imagem que circula por aí com o objetivo de dar nojo nos gordofóbicos


Acho que o Brasil todo já está sabendo da história da Vanessa, menina gorda que resolveu se inscrever no Garota Verão e desfilou bem bela e faceira de biquíni no meio das gurias magras. Essa história fez uma galera pirar, um bando de idiota escreveu merda sobre ela, aquelas merdas bem fáceis e já batidas, mas que continuam repetindo, tipo: essa gorda só quer aparecer. Porque ninguém no Garota Verão quer aparecer, né? Todas as outras magras estão lá sendo discretas, mas a gorda que fez a mesma coisa que elas quis aparecer?? Ok, mundo escroto.

Bom, na verdade essa história e a própria Vanessa não precisam de um texto em defesa dela, muita gente já fez isso. E é justamente o que me chamou atenção. Muita gente que passa a vida fazendo dietas loucas, cirurgias, que ri da gorda de barriga de fora no verão, que usa todos os truques possíveis para esconder qualquer dobrinha do corpo, toda essa galera aplaudiu a Vanessa e disse que ela sambou na cara da sociedade. Querides, ela sambou na cara de vocês.

Elogiar a Vanessa, para várias pessoas, é quase como querer se salvar de ser gordofóbico, mas continuando com a ideia de que gordo não é saudável e repudiando qualquer quilo a mais no próprio corpo. É tipo assim: "que lindo, Vanessa, continue botando a cara a tapa e quebrando padrões, mas eu vou ficar aqui te aplaudindo sendo bem magrinha e padronizada, ok?". 

Vamos ver um exemplinho disso? Alguém aqui leu a "carta" da Gabi Chanas para a Vanessa? A Gabi obviamente não é um exemplo de pensadora, de alguém que reflete sobre padrões e quebra eles, ela na verdade propaga um monte de coisinha mainstream. Ela já falou várias vezes sobre seus problemas com peso e dieta e por isso se sentiu afetada pela história da Vanessa. Gente, leiam a carta, vomitem no cantinho e depois me digam se não é exatamente o que eu falei! Ela parece dizer: "obrigada, Vanessa, por me dar uma lição, mas eu vou continuar sendo padrão, eu vou continuar tendo espaço na mídia, eu vou continuar falando sobre moda, enquanto tu vai ser pra sempre a gordinha do Garota Verão, mas, valeu aí". Pode ser que eu esteja sendo cruel, mas essa história de valorização da gorda tá foda de aguentar.



Nos últimos tempos estão surgindo cada vez mais modelos plus size e lojas de roupas com tamanhos maiores. A moda parece estar olhando para a gorda, finalmente. Tem várias blogueiras de moda plus size também, cheias de dicas e fotos lindas. Esse é mais um caso da margem sendo apropriada pelo centro. Apropriada e transformada. Vamos dar uma olhada em algumas modelos plus size e pensar sobre o quanto elas representam a valorização da "real beleza gorda":

sim, acreditem, essa é a modelo plus size da Calvin Klein





A gorda valorizada é, na verdade, magra. Ela tem exatamente o mesmo formato de corpo da magra, só é um pouco mais larga, com mais carninhas. Essa gorda não tem barriga, não tem celulite, não tem estria. O que ela tem? Peito e quadril largo. Só. Essa gorda é aquela que o homem "tem onde pegar", é a gostosa, é a do fetiche. Acho elas muito lindas e fico muito feliz de ver gurias assim conseguindo uma carreira de modelo. Mas isso não é de forma nenhuma a valorização da beleza real, como adoram dizer. Essa nova gorda ainda é cheia de padrões e essa propagação de novas regras não causa uma imagem positiva de corpo. A gorda que anda na vida por aí vai lá numa loja comprar um biquíni plus size achando que vai parecer uma pin up gostosa e vai se frustrar como sempre. Essas meninas continuam sendo modelos de beleza impossíveis de se alcançar.  

A moda plus size ainda acha que deve existir para disfarçar gorduras, como mostra essa notícia. Além de ser difícil de se encontrar algo que seja moderno, que acompanhe a moda das magras, e que não seja destinado apenas para um formato de corpo. Gorda tem que ter peito grande, cintura fina e quadril largo. Tá cheio de gorda por aí que tem bunda reta, zero de quadril e um barrigão. Tem outras com seios muito pequenos que não conseguem achar um sutiã que sirva nas costas e nos peitos ao mesmo tempo. E aquelas que não tem a cintura marcada? Coitadas, essas não são gostosas.



Essa exigência de formato de corpo sempre existiu, não é novidade. As magras já tinham que seguir isso. A novidade é ter fingido incorporar mulheres gordas na moda, mas ainda aplicando as mesmas velhas e cansadas regras. Meu problema com isso não são as modelos plus size, mas o discurso de valorização e aceitação de corpos diferentes. É claro que existe de tudo nesse mundo, e a modelo Tess Munster está aí pra representar a meninas maiores que a modelo 40 da Calvin Klein:


Ainda assim, Tess tem aquele rostinho de boneca que desculpa qualquer gorda. Afinal, desafio uma gorda a dizer que nunca ouviu o seguinte "elogio": tu é bonita de rosto. BAM! Vontade de matar a pessoa que diz isso.


Mais uma vez é aquela briga entre ser bom ou ruim algo antes discriminado se tornar popular. É óbvio que é bom existir modelos plus size, ler as dicas da Ju Romano (que tá uma diva platinada), enaltecer a Vanessa. Mas a gente não pode se deixar enganar que esse movimento valoriza corpos diferentes e que agora as gordas são aceitas. Se aceitar como gorda, ser segura de si, é uma luta diária que ainda tem que vim de cada mulher. Até porque, na sociedadezinha machista em que fomos abençoadas a viver, a mulher sempre existe para o consumo masculino, então, mulher gorda/magra/alta/baixa, não espere que um ômi vai fazer alguma coisa real para o teu empoderamento.

6 comentários:

  1. Amanda, seu texto foi um chacoalhão na minha cabeça. Eu me acho muito esperta, mas estava caindo na falácia das modelos gordas.

    Toda vez que eu via uma modelo gorda eu pensava e até falava para o marido: "nossa cara, mas eu não sou gorda assim, bonita, barriga lisinha, perna redondinha, sou cheia de dobras, credo" e isso me deixa deprimida e sem auto-estima de verdade, pensando que nem uma "bela gorda" eu consigo ser. Muitas vezes achei que eu tinha algum problema, que era eu que era diferente, enfim... :/

    Como não pensei nisso? Que as gordas escolhidas para nós representar são apenas uma releitura generosa dos corpos magros? É incrível como a mídia faz com que compremos com facilidade a idéia dela. E com essa idéia de inclusão faz com que quem ainda continua fora se sinta ainda pior, porque nem quando incluem mais um grupo você está dentro.

    Estamos tão, mas tão longe da representatividade real. Tão longe. E realmente, é preciso abrir casa vez maus os olhos e não achar que acabou, tem uma horda na capa da revista. Muito fácil contemplar o corpo das outras. Difícil é amar o seu.

    Você foi de uma lucidez incrível. Acabei de te conhecer e já te amo. Hauaha...

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    1. Érika!
      Fico super feliz e emocionada com o teu comentário!! Obrigada pela leitura atenta e pelas palavras! :D
      Ame o teu corpo sem comparar ele com nenhum outro! ;)

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    2. Plus size não quer dizer necessariamente gorda, porque há muitas mulheres sem barriga que possuem medidas avantajadas e por isso são vistas como plus size na moda.
      As medidas variam muito de lugar e agência,garanto que a Vogue é muito mais rigorosa quanto medidas.
      A moça acima tem quadril largo, peito avantajado, sem barriga e é plus size porque é mais larga que o padrão comum de modelos, o corpo dela seria atlético e não gordo. As moças de baixo seriam gordinhas, acredito que nem toda gorda tem o mesmo corpo, umas podem ter mais barrigas que outras. Geralmente achamos gordas as pessoas com mais tecido adiposo, passando disso de uma forma maior são obesos.
      Há modelos plus size que se enquadram em moda lingerie, na passarela, confesso que acho exagero parecerem mais magras só pra vestir uma roupa, só que dentro do local em que se trocam e dependendo dos fornecedores/estilistas, existe números padrões de roupas e como é uma correria iria gastar mais tempo, mais dinheiro para vestir mulheres variadas, por isso o padrão porque a moda dita a tendência em lojas e isso custa dinheiro. Eles não iam criar roupas especialmente pra cada modelo com curvas diferentes, isso custa dinheiro.
      Você pode observar que modelos editoriais e fotográficas são mais ´´carnudas´´.
      Não sei por aqui, mas fora do Brasil modelos gordas são valorizadas e não aquelas gordas suaves, gordonas mesmo. Por aqui nem modelos negras são valorizadas, viram exóticas lá fora.
      Houve um tempo que ser gorda era sinônimo de fartura, não sei o que houve pra isso mudar, mas cada tempo é uma tendência.

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  2. No momento em que eu estava pensando justamente nisso, pesquisando para ver gordas reais, me deparo com esse texto Incrível que dispensa qualquer comentário. Expetacular.

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