sábado, 27 de fevereiro de 2016

vai ter shortinho, sim!

Pra quem, como nós, está enlouquecendo num mar de chorume e argumentos absurdos sobre a reivindicação do shortinho, decidimos escrever este roteiro de como responder cada coisa (recortamos tudo de textos reais, acreditem!) que a gente escuta. Partiu tretar o dia inteiro!

Dress Code: shortinho não é adequado pra escola, assim como não é adequado numa igreja, num escritório, num tribunal

“Adequado” ou “inadequado” é tão absurdo, de tantas formas! Quem é que dita o que é adequado? É adequado pra quem? O que muita gente não percebe é que essa tal de adequação serve muito fortemente pra controlar o corpo feminino. O que essas gurias estão querendo é justamente mudar isso. Por que o shortinho necessariamente tem que ser inadequado? O que fez o shortinho ser considerado assim? Essa regra está fundamentada num pensamento extremamente aprisionador de corpos. 

Até vejo “uzomi de outrora” reunidos numa mesa com formato fálico, dizendo: “O shortinho será proibido dentro de todas as instituições para que nós, homens trabalhadores de bem, possamos pensar e usar nossas mentes brilhantes em paz, sem distrações com esses pecados ambulantes que chamamos de mulher”.



Há algum tempo tivemos o caso dos caras que manifestaram a favor do uso da bermuda no escritório. Ninguém se incomodou com isso, ninguém disse que eles estavam provocando sexualmente as mulheres no trabalho; ninguém disse que tem lugar pra usar bermuda (na praia, em casa) e tem lugar pra se adequar, evitar “distrações”. Mas, além disso, sendo homem ou mulher, precisamos tomar cuidado quando falamos no que é “adequado”. Porque, na maior parte das vezes, esse uso tem a ver com prescrição de regras sociais fincadas em moral cristã das brabas. Quantas vezes não ouvimos: “Não é adequado caminhar à noite sozinha”; “Não é adequado uma mulher sozinha num bar”; mais antigamente, não era adequado uma mulher morar sozinha ou até mesmo conseguir comprar uma casa ou alugar um apartamento sem a presença de um “homem responsável por ela”. Adequado e inadequado já impediu muita mulher de se conhecer, ser livre, não morrer, não apanhar, cuidar dos filhos sozinha. 

Competição feminina: Não é só para os meninos que as meninas vestem micro shorts. É para as outras meninas também, para competir, para matar de inveja. Sim, porque as gurias fazem isso. Para se assegurar de que são desejadas, de que ficaram bonitas.

Argumento cuidadosamente rebatido por todas as feministas do planeta: mulheres não são naturalmente competitivas! Não se pode usar uma lógica machista para combater um movimento feminista. As meninas não competem, não sentem inveja. Isso é algo martelado nas nossas cabeças desde sempre, aí acaba se tornando uma verdade na sociedade. Essa é justamente uma das lutas do feminismo: acabar com a ideia de que mulheres são inimigas que se mandam beijinho no ombro!



A escola: A escola não é lugar pra usar shortinho. A escola exige uniforme. O uniforme cria um padrão que impede as competições dos alunos. Na escola, o mais importante, é o estudo e o conhecimento, e não ficar reclamando de shortinho. Na minha época a gente tinha moral e cívica e fritava debaixo do sol cantando o hino, todo mundo sobreviveu e é um cidadão de bem hoje. 

O problema disso tudo é que a escola proíbe que as gurias usem o shortinho. As regras de adequação recaem sobre as mulheres de modo cortante. Quando nossos alunos usam a bermuda enrolada nas coxas depois da educação física, não há problema algum, por exemplo. Hoje mesmo, lemos que “essas gurias deviam estar estudando, adquirindo conhecimento” – vai ver se o pessoal em Harvard briga por shortinho! O problema é o Brasil no fim das contas e, em boa medida, reaças de todos os níveis dirão que o problema é a Dilma. 

Apesar dessa chuva de chorume, a gente ainda precisa tentar problematizar. Então, lugar de manifestar deveria ser em primeiro lugar a escola. Lugar de manifestar pelo shortinho, pela expressão do corpo, por uma educação politizada, também deveria ser a escola que, ironicamente, é o lugar que mais tolhe a participação social de professores e alunos. Professor não pode dizer nem pra que time de futebol torce, pra “evitar polêmica”. A escola odeia a “polêmica”. É o lugar onde a gente tem aprendido que manifestar é sinônimo de “baderna”. “Greve” é coisa de vagabundo. “Política”, ah política! Foi o PT que inventou. 

Enquanto jovens adolescentes estiverem manifestando (e do modo lindo como foi, com um texto perfeito, contextualizado, que nos coloca diante de tantas NUANCES sobre a construção política do corpo feminino e do próprio CONHECIMENTO) a gente pode ficar feliz, porque sim, estamos TODOS aprendendo, conhecendo, nos educando de muitas formas. 



Para o processo ensino-aprendizado atual é preciso sim desligar um pouco o celular, calar a boca e ouvir o que o outro está dizendo. É preciso deixar o assunto das férias, das festas, dos ficantes, para a hora do intervalo, para o recreio, para depois da aula. E o momento e lugar para andar com peito e bunda de fora pode ser na praia, na festa, no clube, mas com certeza não é na escola.

Ideia bem desatualizada de escola: não é necessário desligar o celular, calar a boca e ouvir. Quem acredita que é assim que se aprende é gente que imagina escola com um professor bem brabo e sério, alunos em silêncio, sentados com a coluna ereta, anotando o conhecimento incrível que sai da boca do iluminado professor. Já superamos isso na educação, mesmo com um monte de escola conservadora tentando nos aprisionar nesse sistema descabido de ensino. A gente pode aprender de inúmeras formas. Usando celular, falando, brincando, desenhando, lendo em grupo, pulando. Quem só sabe ensinar com uma turma quietinha e “comportada” não é um bom professor. Professor tem que deixar entrar na sala as histórias das festas dos alunos, dos ficantes, das férias, sim! Não era pra trabalhar em sala de aula com a “realidade” do aluno? Pois então, a realidade dessa galera é festinha, ficantes, praia e shortinho! Vamos aceitar o desafio e trabalhar com isso, professores?

Outra coisa: “peito e bunda de fora pode na praia, na festa, no clube”. Hmmm, na real, não pode não. Se a menina usar um shortinho curto numa festa e for estuprada, vão dizer que a roupa dela era inapropriada, que ela pediu pelo estupro. Se uma menina gorda usar um shortinho na praia, vão dizer que ela deve emagrecer antes de querer mostrar as pernas desse jeito.

Ainda outra coisa: usar shortinho é ficar com peito e bunda de fora??? Mostrar só um pedaço da coxa é ficar pelada??? 
Cadê peito e bunda de fora?? Gente, é só uma perna!

Shortinho e distração: Sexualizar partes normais do corpo feminino não são os homens que estão fazendo quando algumas meninas botam shortinhos sedutores.

Esse é o pior de todos. Por dois motivos: 
1. As gurias tão se distraindo ao se manifestarem, porque em vez de estudar querem acabar com a moral e os bons costumes de uma tradicional (BLEH) escola da cidade. Como se manifestar e estudar/aprender fossem coisas opostas e nós sabemos muito bem que não são – ambas compõem um modo de operar com o que aprendemos sobre nossa atuação individual no coletivo.
2. Ao mostrarem as coxas elas distraem os meninos. Ou seja, meninos se sentirem distraídos numa aula significa dizer que todo homem tem, em sua natureza, um instinto sexual incontrolável, o que sabemos que não passa de cientificismo barato e cultura machista; além disso, esse argumento ABSURDO serve pra manutenção da cultura do estupro, como já escrevemos aqui nesse blog. 

As pessoas que estão contra essa história do shortinho são os conservadores de nossa época. Aqueles que acharam uma afronta aos bons costumes uma mulher tomar anticoncepcional! Aqueles que foram contra a moda da minissaia! Aqueles que achavam um absurdo mulher de calça! O anticoncepcional, a minissaia, a calça e o shortinho representam uma quebra na linearidade do pensamento conservador!


E para o pior argumento de todos: deviam lutar por algo mais importante, mas e as crianças passando fome, e as mulheres morrendo nas periferias. Só uma coisa: UMA LUTA NÃO INVALIDA A OUTRA. Vai lá e luta pelo que tu quer em vez de atrapalhar e chamar tudo de mimimi. bjo

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