quarta-feira, 3 de agosto de 2016

em defesa da dúvida: prostituição, apropriação cultural e mil coisas mais

Mês que vem vão fechar dois anos que eu e a Raquel temos esse blog. Publicamos 98 textos contando com esse. Nossa página no Facebook tem em torno de 8 mil curtidas (pode não parecer nada, mas pra gente é um número absurdo). Já demos várias palestras, cursos e oficinas sobre feminismo. Brigamos com muita gente, desfizemos amizades. Mas conhecemos muita gente legal, muita mulher maravilhosa. Nosso feminismo é jovem. Não tivemos ninguém que nos falasse de feminismo antes dessa recente onda de popularidade. Fazemos parte dessa massa de "feministas de Internet", que sabem muito bem que o mundo virtual extrapola barreiras, e que essa separação não faz mais sentido hoje em dia. 

Dei todo esse contexto pra dizer uma coisa: eu vivo em dúvida, vivo me sentindo culpada quando não sei me posicionar sobre algum assunto feminista, vivo achando que vai chegar aquele dia em que eu vou saber tudo de feminismo, vou ser aquela feminista maravilhosa, iluminada, lacradora, que ganha 3 mil likes pra cada frase que escreve no Face, que sabe tudo, tem respostas pra tudo, sabe qual o "lado certo" do feminismo e passa a vida "dando nos dedos" dos outros com grandes frases de efeito, só apontando os erros dessa massa de feminista-esquerdinha-confusa.

Coitada de mim, esse dia não vai chegar nunca. Mas tenho pensando que não quero que ele chegue mesmo. Estou querendo defender aqui algo que me parece fazer falta no mundo: a chance de não saber as coisas, de se deixar ficar em dúvida e saber que existe muito mais do que ser feminista radical ou liberal.



Comecei a pensar mais seriamente sobre isso nos últimos tempos, quando resolvi tentar me posicionar sobre a questão da prostituição, da "PL Gabriela Leite". Comecei a ler muito sobre o assunto, a seguir no Facebook feministas que são contra e a favor, adicionei prostitutas em todas as redes sociais para tentar me aproximar (um pouco, pelo menos) desse mundo do qual sou absurdamente distante.

Fazem semanas que leio quase todos os dias sobre o assunto. Cada vez eu penso uma coisa. Quando leio um post da Maria Gabriela Saldanha (que eu amo demais), ela me convence de que essa PL só beneficia cafetão, e que prostituição é abuso a serviço do patriarcado. Quando vejo a Clara Averbuck (que adoro também) super amiga da Monique Prada, e leio o que a Monique tem para dizer, penso que essa PL é necessária, e que não posso deixar de lado o que uma prostituta fala sobre a sua própria situação; penso que, de repente, preciso abandonar certos moralismo e aprender de verdade a lidar com a palavra puta.

Estou nessa situação há tempo e não consigo decidir. Queria chegar a uma conclusão para escrever um texto dexxxtruidor e dar a palavra final sobre esse assunto. Mas não vai dar. Quem veio aqui em busca de respostas, só vai ficar mais confuso junto comigo. Talvez eu não consiga chegar a uma conclusão porque ela não existe. Talvez a Maria Gabriela e a Monique Prada estejam igualmente certas, talvez a vida seja cheia de paradoxos como esse e é por isso que os filósofos (e o álcool) estão aí para nos ajudar desde sempre.



Estou aqui defendendo a possibilidade de dúvida, porque o que mais vejo é gente cheia de certeza. A feminista radical tem certeza absoluta de que prostituição é exploração sexual, é mulher como mercadoria. A outra feminista (de outra sei lá qual corrente...) está tão segura que diz até que prostituição é algo empoderador. As duas estão fazendo 30 posts por dia no Facebook, cada uma na sua bolha, com as suas certezas absolutas, só lacrando e ganhando like. Será que é assim tão certo, tão fácil se posicionar sobre um assunto complexo desses?

Outro assunto sobre o qual leio faz muito tempo para tentar escrever é apropriação cultural. Nossa, esse assunto é foda. Primeiro que sinto que eu sou proibida de falar sobre isso por ser branca. Ok, entendo isso, não precisa ninguém vir aqui correndo me explicar o que é "lugar de fala". Mas me parece estranho alguém ser proibido de falar sobre alguma coisa. Claro que não sou a favor daquele senso comum burro do discurso de ódio que diz "essa é a minha opinião e só estou usando a minha liberdade de expressão". Mas será que não existe algo entre discurso de ódio e lugar de fala? Será que não existe algo entre "brancas não podem usar turbantes, loiros não podem fazer dreads" e "cada um faz o que quiser com seu corpo, todas as culturas são misturadas, não é opressão é homenagem"?

Ultimamente tem outra "certeza" rolando por aí: peitos de fora na manifestação. Peito de fora é liberdade, é enfrentamento. Não! Peito de fora é só pra ter foto pra punheteiro, é ser puta exatamente como o que o patriarcado quer de nós! Não! Peito de fora é ter o poder de controlar o próprio corpo, é reivindicar poder sobre algo que é nosso! Não! Peito de fora é privilégio de gurias magras e novinhas que só querem biscoito de esquerdomacho amor livre!

Será que não tem nada além dessas "certezas"?

Eu acho que tem sim. E o que tem no meio dessas certezas são as dúvidas. Dúvidas que podem ser produtivas, que podem nos abrir para o diálogo, que podem nos tirar do pedestal-lacrador-ganhador de likes.



Tenho pouquíssimas certezas e ando gostando de conversar com quem está na mesma situação. Com quem toma uma decisão, toma uma posição, e depois percebe que fez merda, que não era bem isso, e volta a pensar, a se contestar, a se perguntar "por que eu penso como eu penso? Como posso pensar diferente do que eu penso?"

Todos os dias leio um post no Facebook de alguém que sabe o jeito certo de "militar". Normalmente alguém que "milita" desde os 12 anos, que praticamente nasceu dentro de um sindicato ou movimento feminista. Que bom pra ti, companheiro e companheira, por tu ser tão politizado há tantos anos. Mas tu te pergunta sobre as tuas certezas? Ou tu só fica no teu pedestal de militante experiente julgando "os errados"?

Não sei não, mas acho que alguém experiente é quem se pergunta algo novo todos os dias, que percebe que não sabe nada ainda e nunca vai saber. Quero mais gente cheia de dúvida na minha volta, e menos certezas totalitaristas.



Ps - antes que me acusem de "pessoa que não se posiciona", ficar em dúvida e se questionar é bem diferente de ficar em cima do muro, ok? Ficar em cima do muro, pra mim, é tão vazio quanto ter certezas absolutas. Não se trata de não se posicionar e ficar nos muros, mas de quebrar todos eles!

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