Saio às 6h55 de casa carregando duas bolsas com materiais de
aulas, pastas, provas dos alunos, livros, apagador e canetas. Vou de ônibus
para a escola, é bem perto, chego em 15 min.
Entro no ônibus e dentro dele só tem homens. O ônibus não
está lotado, posso escolher vários lugares, vários lugares do lado de vários
homens. Os homens estão todos olhando pra mim aguardando a minha escolha. Qual desses que essa guria quer. Não
posso pensar muito tempo, a escolha deve parecer natural. Crio uma lógica que
não faz sentido para justificar a minha escolha pra mim. Sento do lado de um
dos homens. Nem queria essa vadia do meu
lado.
Percebo que esqueci de passar batom e meus lábios estão
muito secos pelo vento que peguei na rua. Queria passar batom, será que posso
passar batom? Tenho que ser discreta, nenhum desses homens pode ver meu batom.
Passar batom é um convite. Venço o medo e passo o batom toda encolhida, quase
com o rosto dentro da bolsa. Será que ele viu que eu passei batom? Ela só pode querer alguma coisa, mulher que
passa batom no ônibus é porque quer alguma coisa.
Lido com o desconforto do banco, do ar, da tensão, dos
medos, das neuroses, do peso das bolsas. Falta metade do caminho. Os dois
bancos da frente ficam livres. Posso mudar de lugar, ficar sozinha, sem nenhum
homem do meu lado, olhar pela janela, fazer de conta que não estou cercada de
silêncios cheios de significado. Será que mudar de lugar não é pior? Mudar de
lugar significa admitir o desconforto, o desconforto com a presença masculina
do meu lado. Desconforto porque eu sou
macho. Ficar no lugar significa estar gostando do desconforto. Ela não troca de lugar, ela me quer. Decido
no impulso e troco de lugar. Fico de costas para o desconforto, mas ele não
deixa de existir.
A próxima é a minha parada. Levanto, puxo a corda e aguardo
de pé. Quando o ônibus para e abre as portas, ele levanta e sai comigo. Aquele
que eu havia escolhido e depois recusado. Ele vai fazer alguma coisa, não havia
feito nenhuma menção de que aquela era a sua parada, só levantou na última hora
e foi atrás de mim. Vou atrás dessa vadia
de batom. Ele segue atrás de mim por 5 min e dobra. Muda de direção sem nem
olhar pra trás.
by Ananda Vargas
Adorei, deveríamos fazer mais dessas narrativas, sobre esses medos silenciosos e silenciados.
ResponderExcluirUi Nanda..que medo. Pior que é bem assim!
ResponderExcluirdetalhe: "sem nem olhar pra traz". essa vadia qria q ele olhasse! kkkk
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