Às 10h30 nas quintas-feiras eu dou aula de Português pra uma turma que tem mais meninas do que meninos, numa faixa entre 11 e 12 anos de idade. Quando entrei na sala hoje pra começar a aula, algumas alunas me procuraram rapidamente pra mostrar o que tinham encontrado embaixo de uma classe:
recalcada – falsa – boqueiteira –
pau mandada – feia – gorda – cobra – mal-comida
Vocês lembram dessa brincadeira? Bah!
Primeiro, fiquei impressionada
pelas meninas ainda brincarem disso – uma dobradura é feita em papel, pra ser
manuseada com o indicador e o polegar. Cada menina na roda escolhe um canto do
papel que, em geral, tem uma palavra escondida – essa palavra é o que te
representa – o que tu gosta, o que tu é...
Lembro que a gente brincava da
mesma coisa aos 12 anos, mas as palavras escondidas chegavam no máximo a ser o
nome dos guris pelos quais éramos apaixonadinhas - ou o nome dos coitados
esculhambados por todo o sistema escolar.
Sora, olha que absurdo! Não tem nada de bom nesse treco!
Apesar de imediatamente ter
pensado em mil coisas pra dizer pras gurias, pra ensinar, pra revoltar e sair
gritando pela escola contra essa tristeza que recai sobre esse ser mulher, rotulado
desde tão jovem por essas palavras coisa mais querida que o patriarcado
inventou, respirei muito fundo, engoli a ira e perguntei o que elas achavam
daquilo.
Foi então que uma das meninas,
tão sabida e potente – aos 12 anos – disse que ela e a mãe falaram sobre isso
esses dias. Que a mãe tinha mostrado pra ela um texto sobre palavras que são
xingamentos pra mulheres, mas elogios pra homens. E em volta de mim tinham
minhas alunas, supernovas, falando de gênero com todos os conhecimentos que
tinham e odiando aquele papel, que evocava os outros tantos pesados papéis.
Era assim: mulher solteira = puta / homem solteiro = garanhão
Antes do papo acabar e a gente
poder “começar a aula”, uma das gurias disse: “pega pra ti, sora”. Talvez elas não entendessem o
porque aquilo quase me fez chorar.
Pega pra ti, sora!
Foi o pega pra mim mais doído da minha
história. Fiquei pensando em tudo o que eu estava pegando pra mim ali e se eu
teria braço pra sair carregando a mulher submissa (pau mandada, boqueteira,
mal-comida), a mulher traidora (cobra, falsa); a mulher que se odeia (feia,
gorda) e a mulher que inveja (recalcada).
Mas não era só eu, todas as
gurias tinham lido e pegado pra si cada uma daquelas palavras – porque elas já
sabem o que cada uma daquelas coisas significa, porque, infelizmente, elas já
foram educadas pra ouvir e lidar com isso.
Aos 12 anos
Aos 12 anos uma menina já sabe o
que significa ser gorda, feia, recalcada e cobra. Aos 12 anos uma menina já
sabe da diferença entre elas no mundo e os guris no mundo.
Esse papelzinho foi feito por
meninas: tem letra, canetinha, cor e tamanho de produção de menina. Aos 12
anos, uma menina já foi educada pra falar assim dessa “outra” – delas mesmas,
travestidas do que a sociedade decidiu que não quer, do que é maldito.
E como pegar pra si e aí começar
a aula? A aula já tinha começado quando eu e aquelas alunas nos tornamos
aqueles xingamentos e denunciamos aqueles xingamentos.
Comecei a aula criando forças pra
não ser o capacho desse mundo e criando as condições pra que nunca nenhuma
dessas meninas se torne um capacho também. Comecei a aula lembrando do papel
social de todos nós, envolvidos com a educação dos meninos e das meninas, sobre
o combate dessa violência silenciada, tratada como besteira, ou naturalizada no
cotidiano das juventudes. Sobre essa violência de reafirmação e legitimação de práticas machistas das mais variadas naturezas. Comecei a aula lembrando que desde pequenas somos todas umas vadias malditas, cheias de força e pulsar pra mudar esse mundo.
Se eu pudesse diria pra todas as minhas alunas tão novas e cheias de batalhas pela frente, o que uma querida nova amiga, também professora, escreveu esses dias a respeito desse blog:
Se eu pudesse diria pra todas as minhas alunas tão novas e cheias de batalhas pela frente, o que uma querida nova amiga, também professora, escreveu esses dias a respeito desse blog:
É desde pequena nós mulheres somos educadas para nos depreciar!!! muito triste isso!!!!
ResponderExcluirRealmente não se deve generalizar, todo mundo é igual. Mas se colhe o que se planta, não no caso de crianças é claro que não deveriam nem estar expostas a esses tipos de "brincadeiras" pesadas comuns em colégios. Infelizmente todo mundo já passou por coisas até mais pesadas que isso pra idade, não é o certo mas é o mundo selvagem em que vivemos. Os dois lados fazendo a sua parte já ajuda a minimizar esses comportamentos, mas infelizmente não acontece na prática, lamentável.
ExcluirRaquel, obrigada por esse texto e por tantos outros do blog de vocês! Hoje, eu, mulher e feminista (outra mulher? provavelmente), vejo o quanto minha vida teria sido melhor se eu tivesse conhecido o feminismo antes, com 11/12 anos. Muitas coisas não teriam acontecido. Mas de qualquer forma, antes tarde do que nunca, né? hahahaha <3
ResponderExcluirAlém de te agradecer, quero pedir "autorização" pra botar esse texto em um trabalho. Neste trimestre temos que construir um jornal do ano 2065. Pensei em um tipo de reportagem a partir dele.. posso botar? (com os devidos créditos, óbvio)
Obrigada, pelos textos e ensinamentos sempre. Te admiro bastante e estou com saudades <3
Muitas coisas acontecem talvez não por você ser de uma classe ou de outra, mas por não saber se defender de maneira precisa e eficaz no momento, ainda mais sendo tão jovem. Respeito a sua opinião e escolha, só que mais importante do que protestar ou tomar o lado de machismo ou feminismo é evitar conflitos e se por acaso ocorrer, seja verbal ou físico, esteja pronto (@) pra se defender.
ExcluirFoi?
ResponderExcluirApagou. Vo escreve de novo.
ResponderExcluirOlha moça. As coisas não são assim nao.
Boa parte dos homem que conheci nasceram e viverem sendo caras muito bons. E não comiam ninguem.
Eles crecem vendo a gente dando para quem não presta. E quando eles decidem não presta, eles passam a comer buceta como todos os caras que não prestam.
Será que a culpa é deles?
Quando uma mulher valorizou um homem porque ele era virgem? Não, a gente precisa querer dar para o cara mais escroto que a gente conhece, que vai nos trair. E no final, depois de nos divertir, vamos mentir para algum ingenuo que por amor vai casar com a gente.
Se nossos maridos soubessemos quem somos, eles casariam com a gente?
Mas a gente se preocupa com o que eles vao ser depois que casa com a gente.
Digo isso porque tenho irmãos. São homems. E o que eles passam na mão das garotas só eles e eu sei. O mais velho sofreu tudo. E se consertou (ou seja, ficou ruim pra mulheres) e parou de se ferra. O mais novo está tentando ser bom. Mas as garotas fazem a mesma coisa que fizeram com meu irmao mais velho.
Os homens que a gente conhecem, só existem porque nós fizemos eles serem assim
Aninha eu sou neutro nessa parte não apoio nem machismo nem feminismo. Mas concordo plenamente com o que você disse, acontece assim msm. Já passei por situações assim de mulheres maldosas dizer que ama e tal, querer jogar essa kao pra cima de mim. Mas por não ser ingênuo não acreditei em nenhuma palavra do que disse pra mim, até porquê as atitudes demonstraram completamente o oposto. E tbm eu acho que independente do sexo da pessoa toda ação tem uma reação, eu geralmente fico de boa em situações absurdas as vezes, não perco a linha só resmungo msm. Mas fui treinado pra isso e tenho meus princípios de moral, mas pega um maluco desses que cresceu largado tipo um Mike Tyson na vida, aí o buraco é mais embaixo.
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