quinta-feira, 2 de outubro de 2014

educação de menina





Às 10h30 nas quintas-feiras eu dou aula de Português pra uma turma que tem mais meninas do que meninos, numa faixa entre 11 e 12 anos de idade. Quando entrei na sala hoje pra começar a aula, algumas alunas me procuraram rapidamente pra mostrar o que tinham encontrado embaixo de uma classe:

recalcada – falsa – boqueiteira – pau mandada – feia – gorda – cobra – mal-comida




Vocês lembram dessa brincadeira? Bah!

Primeiro, fiquei impressionada pelas meninas ainda brincarem disso – uma dobradura é feita em papel, pra ser manuseada com o indicador e o polegar. Cada menina na roda escolhe um canto do papel que, em geral, tem uma palavra escondida – essa palavra é o que te representa – o que tu gosta, o que tu é...




Lembro que a gente brincava da mesma coisa aos 12 anos, mas as palavras escondidas chegavam no máximo a ser o nome dos guris pelos quais éramos apaixonadinhas - ou o nome dos coitados esculhambados por todo o sistema escolar.


Sora, olha que absurdo! Não tem nada de bom nesse treco!


Apesar de imediatamente ter pensado em mil coisas pra dizer pras gurias, pra ensinar, pra revoltar e sair gritando pela escola contra essa tristeza que recai sobre esse ser mulher, rotulado desde tão jovem por essas palavras coisa mais querida que o patriarcado inventou, respirei muito fundo, engoli a ira e perguntei o que elas achavam daquilo.

Foi então que uma das meninas, tão sabida e potente – aos 12 anos – disse que ela e a mãe falaram sobre isso esses dias. Que a mãe tinha mostrado pra ela um texto sobre palavras que são xingamentos pra mulheres, mas elogios pra homens. E em volta de mim tinham minhas alunas, supernovas, falando de gênero com todos os conhecimentos que tinham e odiando aquele papel, que evocava os outros tantos pesados papéis.


Era assim: mulher solteira = puta / homem solteiro = garanhão


Antes do papo acabar e a gente poder “começar a aula”, uma das gurias disse: “pega pra ti, sora”. Talvez elas não entendessem o porque aquilo quase me fez chorar.


Pega pra ti, sora!


Foi o pega pra mim mais doído da minha história. Fiquei pensando em tudo o que eu estava pegando pra mim ali e se eu teria braço pra sair carregando a mulher submissa (pau mandada, boqueteira, mal-comida), a mulher traidora (cobra, falsa); a mulher que se odeia (feia, gorda) e a mulher que inveja (recalcada).





Mas não era só eu, todas as gurias tinham lido e pegado pra si cada uma daquelas palavras – porque elas já sabem o que cada uma daquelas coisas significa, porque, infelizmente, elas já foram educadas pra ouvir e lidar com isso.


Aos 12 anos

Aos 12 anos uma menina já sabe o que significa ser gorda, feia, recalcada e cobra. Aos 12 anos uma menina já sabe da diferença entre elas no mundo e os guris no mundo.

Esse papelzinho foi feito por meninas: tem letra, canetinha, cor e tamanho de produção de menina. Aos 12 anos, uma menina já foi educada pra falar assim dessa “outra” – delas mesmas, travestidas do que a sociedade decidiu que não quer, do que é maldito.

E como pegar pra si e aí começar a aula? A aula já tinha começado quando eu e aquelas alunas nos tornamos aqueles xingamentos e denunciamos aqueles xingamentos.

Comecei a aula criando forças pra não ser o capacho desse mundo e criando as condições pra que nunca nenhuma dessas meninas se torne um capacho também. Comecei a aula lembrando do papel social de todos nós, envolvidos com a educação dos meninos e das meninas, sobre o combate dessa violência silenciada, tratada como besteira, ou naturalizada no cotidiano das juventudes. Sobre essa violência de reafirmação e legitimação de práticas machistas das mais variadas naturezas. Comecei a aula lembrando que desde pequenas somos todas umas vadias malditas, cheias de força e pulsar pra mudar esse mundo.

Se eu pudesse diria pra todas as minhas alunas tão novas e cheias de batalhas pela frente, o que uma querida nova amiga, também professora, escreveu esses dias a respeito desse blog:

Obrigada, gurias, há que se lutar sempre e sempre e mais um pouco. Ainda não sei por quanto tempo teremos de lutar para acabar com a perpetuação desta cultura patriarcal, na qual somos vistas como objeto... compra e venda, mercado farto, barganha, preço baixo e qualidade controlada... Surian Seidl


by Raquel Leão



7 comentários:

  1. É desde pequena nós mulheres somos educadas para nos depreciar!!! muito triste isso!!!!

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    1. Realmente não se deve generalizar, todo mundo é igual. Mas se colhe o que se planta, não no caso de crianças é claro que não deveriam nem estar expostas a esses tipos de "brincadeiras" pesadas comuns em colégios. Infelizmente todo mundo já passou por coisas até mais pesadas que isso pra idade, não é o certo mas é o mundo selvagem em que vivemos. Os dois lados fazendo a sua parte já ajuda a minimizar esses comportamentos, mas infelizmente não acontece na prática, lamentável.

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  2. Raquel, obrigada por esse texto e por tantos outros do blog de vocês! Hoje, eu, mulher e feminista (outra mulher? provavelmente), vejo o quanto minha vida teria sido melhor se eu tivesse conhecido o feminismo antes, com 11/12 anos. Muitas coisas não teriam acontecido. Mas de qualquer forma, antes tarde do que nunca, né? hahahaha <3

    Além de te agradecer, quero pedir "autorização" pra botar esse texto em um trabalho. Neste trimestre temos que construir um jornal do ano 2065. Pensei em um tipo de reportagem a partir dele.. posso botar? (com os devidos créditos, óbvio)

    Obrigada, pelos textos e ensinamentos sempre. Te admiro bastante e estou com saudades <3

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    1. Muitas coisas acontecem talvez não por você ser de uma classe ou de outra, mas por não saber se defender de maneira precisa e eficaz no momento, ainda mais sendo tão jovem. Respeito a sua opinião e escolha, só que mais importante do que protestar ou tomar o lado de machismo ou feminismo é evitar conflitos e se por acaso ocorrer, seja verbal ou físico, esteja pronto (@) pra se defender.

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  3. Apagou. Vo escreve de novo.
    Olha moça. As coisas não são assim nao.

    Boa parte dos homem que conheci nasceram e viverem sendo caras muito bons. E não comiam ninguem.
    Eles crecem vendo a gente dando para quem não presta. E quando eles decidem não presta, eles passam a comer buceta como todos os caras que não prestam.

    Será que a culpa é deles?

    Quando uma mulher valorizou um homem porque ele era virgem? Não, a gente precisa querer dar para o cara mais escroto que a gente conhece, que vai nos trair. E no final, depois de nos divertir, vamos mentir para algum ingenuo que por amor vai casar com a gente.

    Se nossos maridos soubessemos quem somos, eles casariam com a gente?
    Mas a gente se preocupa com o que eles vao ser depois que casa com a gente.

    Digo isso porque tenho irmãos. São homems. E o que eles passam na mão das garotas só eles e eu sei. O mais velho sofreu tudo. E se consertou (ou seja, ficou ruim pra mulheres) e parou de se ferra. O mais novo está tentando ser bom. Mas as garotas fazem a mesma coisa que fizeram com meu irmao mais velho.

    Os homens que a gente conhecem, só existem porque nós fizemos eles serem assim

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    1. Aninha eu sou neutro nessa parte não apoio nem machismo nem feminismo. Mas concordo plenamente com o que você disse, acontece assim msm. Já passei por situações assim de mulheres maldosas dizer que ama e tal, querer jogar essa kao pra cima de mim. Mas por não ser ingênuo não acreditei em nenhuma palavra do que disse pra mim, até porquê as atitudes demonstraram completamente o oposto. E tbm eu acho que independente do sexo da pessoa toda ação tem uma reação, eu geralmente fico de boa em situações absurdas as vezes, não perco a linha só resmungo msm. Mas fui treinado pra isso e tenho meus princípios de moral, mas pega um maluco desses que cresceu largado tipo um Mike Tyson na vida, aí o buraco é mais embaixo.

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